Subordinadas ao Executivo, polícias não podem ser responsáveis por acertos sobre colaboração premiada, pelo risco de influência política
As
corporações se movem pela lógica do interesse próprio, sem qualquer outra
preocupação. Exemplo atual são as pressões de castas da burocracia estatal para
que a reforma da Previdência não reduza privilégios que as tornaram segmentos
incluídos nas faixas de renda mais elevada da população. Costuma haver, também,
entre corporações que atuam no Estado, choques na defesa de espaços de poder.
Mas,
embora pareça à primeira vista, não é o que acontece na disputa entre o
Ministério Público e a Polícia Federal sobre a atuação nos acordos de
colaboração premiada, instrumento-chave no combate em curso aos esquemas de
corrupção montados por políticos e empreiteiros para desviar dinheiro público
por meio de contratos superfaturados assinados principalmente com estatais. É
este o caso do petrolão de PT, PMDB, PP e aliados, um escândalo de centenas de
milhões de dólares, de repercussão mundial.
A
desavença se baseia em duas delações firmadas pela PF: com o marqueteiro do PT
Duda Mendonça e Marcos Valério, responsável por usar em benefício do partido a
tecnologia de lavagem de dinheiro que desenvolvera para o PSDB mineiro, na
campanha frustrada de reeleição de Eduardo Azeredo. Serviu de ensaio para o
mensalão do PT.
Em abril
do ano passado, o ainda procurador-geral Rodrigo Janot entrou no STF com uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra parágrafos do artigo 4º da
lei de 2.013, das organizações criminosas — que trata das delações —, pelos
quais a Polícia Federal se considera em condições de fechar acordos de delação.
A Procuradoria-Geral da República considera inconstitucional o desejo da PF.
Faz
sentido a argumentação do Ministério Público, como ficou claro em artigo publicado domingo no GLOBO pelo procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da
força-tarefa da Lava-Jato, em Curitiba. Além de
citar o artigo 129, da Constituição, Carlos Fernando trata da questão central
de a polícia — pois não só a PF teria este poder — estar subordinada ao poder
político. Não é difícil prever o que acontecerá em cidades menores, de baixa
visibilidade nacional, na negociação de acertos de colaboração premiada.
De fato,
a subordinação das polícias ao Executivo não aconselha que elas tenham esta
prerrogativa. Mesmo que fosse apenas a PF. Cabe lembrar os interesses que
envolveram a escolha de Fernando Segovia para substituir Leandro Daiello na
direção-geral da Polícia Federal. A gestão de Daiello foi importante para
avanços da Lava-Jato.
Outra
lembrança oportuna é a do grampo em que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) dá
dicas de como se manipular inquéritos na Federal, pela escolha de delegados
confiáveis na distribuição dos casos.
A
relatoria da ADI é do ministro Marco Aurélio Mello, que já informou à
presidente da Corte, Cármen Lúcia, que ela pode agendar o julgamento. Será mais
uma decisão da Corte de extrema relevância para o equilíbrio e independência
entre poderes. Neste caso, a fim de que se mantenham condições mínimas
institucionais para o Estado poder enfrentar com eficácia a criminalidade, e
não apenas a de colarinho branco.
Editorial - O Globo