Lar São Francisco deixou de fazer cirurgias em dezembro afetado pela crise na saúde. O governo do Estado atrasou repasse de R$ 19 milhões
No Natal,
a nutricionista Eliene dos Santos Costa, de 54 anos, ganhou o melhor presente
de sua vida. Ela estava em casa quando recebeu a ligação de um médico para que
fosse imediatamente ao Hospital São Francisco de Assis, na Zona Norte do
Rio de Janeiro, para realizar o tão esperado transplante de fígado.
Portadora de hepatite, ela aguardava por um doador desde agosto. Para
sua surpresa, pois as circunstâncias eram adversas, o procedimento foi feito.
“Por causa da crise na área da saúde, não acreditava mais que receberia
o órgão”, diz ela, enquanto se recupera na instituição.
O desfecho positivo só
foi possível graças à ação de frei Paulo Batista, diretor da unidade,
administrada pela Associação Lar São Francisco. Momentos antes do aviso à
paciente, ele havia sido informado da urgência da cirurgia, para que não se
perdesse o órgão captado. E bancou o procedimento, a despeito da penúria por
que passa o hospital. Prejudicado pelo atraso nos repasses feitos pelo governo
estadual, o São Francisco está sem insumos básicos. No dia 16 de
dezembro, o religioso havia decidido suspender o atendimento na instituição.
Pelos seus cálculos, até 31 de dezembro a instituição deixara de fazer dez
transplantes de fígado e 16 renais. A cirurgia de Eliene foi uma exceção.
O
episódio ilustra a situação aflitiva do setor de saúde no Rio de Janeiro e
mostra que a crise já atingiu as instituições tidas como centros de
excelência. É o caso do Hospital São Francisco de Assis, que ganhou
notoriedade internacional ao receber a visita do papa Francisco durante
a Jornada Mundial da Juventude, em julho de 2013. Sob uma pequena
cobertura improvisada no pátio, o pontífice abraçou 20 pacientes e fez um breve
discurso em que agradeceu aos médicos e seus auxiliares e enalteceu o serviço
local como “precioso”.
Em fevereiro daquele ano, o hospital havia inaugurado um
setor de transplantes que se propunha a ser uma referência no ramo. De lá para
cá, foram realizados 251 transplantes de fígado e 590 renais.
A
instituição também se distingue pelo tratamento a portadores do vírus da Aids.
Atende cerca de 750 soropositivos e tem oito leitos para internação. Porém, com
salário atrasado desde outubro, o coordenador do serviço de infectologia, Jadir
Fagundes Neto, disse que se viu obrigado a deixar de receber novos pacientes e
limitou as internações. A demanda é grande, pois a cada mês 30 contaminados
pelo HIV procuram tratamento pela primeira vez. O hospital acolhe também
dependentes químicos e doentes cardíacos. “Tem gente morrendo e a
gente sabe disso”, diz frei Paulo Batista, com os olhos marejados. Na primeira
semana de janeiro ele acompanhou a reportagem de ÉPOCA pelos corredores do
hospital. Chamava a atenção o centro de terapia Intensiva com seus oito leitos
vazios. Sem dinheiro para manutenção, equipamentos de última geração estavam
desativados.
A
situação de total escassez se repete em outros centros de excelência do Rio de
Janeiro. Inaugurado pelo governo estadual com muita pompa em 2010, o
Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, no Grande Rio,
também foi varrido pela crise. No fim do ano, chegou a botar tapume nas portas
e limitou o atendimento a casos graves ou pacientes em trabalho de parto. No Instituto
Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no centro da cidade, o estado grave se
replica. Aberto em 2013 ao custo de 80 milhões de reais, a unidade é dotada de
equipamentos de última geração. Ali ocorrem em torno de 100 cirurgias por mês,
boa parte delas de alta complexidade. À frente da unidade está o renomado neurocirurgião
Paulo Niemeyer Filho, que no auge da crise, às vésperas do Natal, disse que em
seus 40 anos de profissão nunca tinha visto nada
igual.
Fonte: Revista Época
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