Secretário de Segurança do Supremo não entende o que é liberdade de expressão. Sua concepção de crítica serviria a uma ditadura, mas não serve à democracia
Vai mal um Poder, ou franjas dele, que não consegue distinguir da
difamação
o direito de crítica e a liberdade de expressão. E olhem que quem está
escrevendo é um sujeito que não acredita em direitos absolutos, como sabe, por
exemplo, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Por que digo isso?
O grupo NasRuas levou para
a Avenida Paulista dois bonecos infláveis, ao estilo Pixuleco: um de Ricardo Lewandowski e outro de Rodrigo Janot. Ambos aparecem caracterizados como petistas. A caricatura do
presidente do STF é chamada de “Petralowski” — que funde o nome do ministro
com a palavra “petralha” (que eu inventei, diga-se), e a de Janot, de “Enganô”. O grupo, como se vê, é
crítico da atuação das duas autoridades e
considera que elas, vamos dizer, amaciam as coisas para os petistas.
O NasRuas tem o direito de
pensar isso? Tem, sim. Não estão acusando as
digníssimas autoridades de crime nenhum. Desde que as charges passaram a ser publicadas pela imprensa, a
abordagem é mesmo crítica. E, como diz uma das representantes do grupo, bonecos como Pixuleco, Petralowski e Enganô
são charges em três dimensões.
Mas, para isso, é preciso que se respeitem os valores constitucionais, não é? Parece
que, em certos nichos do Supremo, as coisas não caminham por aí. Eis que o senhor Murilo Herz, secretário de Segurança do Supremo, viu nas representações
uma “grave ameaça à ordem pública e
inaceitável atentado à credibilidade” do Judiciário, que ultrapassariam os
limites da liberdade de expressão.
E, como consequência, o STF
enviou à Polícia Federal, calculem, um pedido de investigação. Carla
Zambelli, do movimento NasRuas, é apontada como uma das responsáveis pelo
boneco. Diz o ofício: “Tais condutas, no
entender desta secretaria, que atua no estrito exercício de suas atribuições
funcionais, representaram grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à
credibilidade de uma das principais instituições que dão suporte ao Estado
Democrático de Direito, qual seja, o Poder Judiciário, com o potencial de
colocar em risco – sobretudo se foram reiteradas – o seu regular
funcionamento”.
Eu desafio o sr. Herz, e publicarei a sua resposta se houver, a me dizer como um boneco
ameaça o “regular funcionamento do Judiciário”.
Trata-se de uma piada de mau gosto. Ele
foi mais longe:
“Configuram, ademais, intolerável atentado à honra do Chefe desse
Poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça Brasileira,
extrapolando, em muito, a liberdade de expressão que o texto constitucional
garante a todos os cidadãos, quando mais não seja, por consubstanciarem em
tese, incitação à prática de crimes e à insubordinação em face de duas das mais
altas autoridades do país.”
Mais um desafio: onde está a incitação ao
crime? Qual crime, doutor? A “subordinação” a “duas das mais altas autoridades do país”
supõe concordar
com suas opiniões? Alguém precisa dizer a este zeloso funcionário que decisão da Justiça, a gente tem de acatar,
sim. Mas só a ditaduras proíbem que sejam discutidas. Ou estaremos criando duas
castas de autoridades que estão acima da crítica: juízes e
membros do Ministério Público.
Alguém precisa dizer a este senhor que, desde que as pessoas não
pratiquem ou incitem a prática de crimes, têm o direito de pensar o que lhes
der na telha. Quem ameaça a democracia é
a opinião do senhor Herz. Na prática, o
que ele está defendendo é a censura.
E, para escrever o que escrevo, não preciso concordar com quem se
manifesta. Carla, por exemplo, foi
ouvida e afirmou o seguinte:
“Grande ameaça são as decisões do Supremo e desembargadores amigos de preso, que vêm tentando desconstruir a Lava Jato, como a soltura do ex-ministro Paulo Bernardo [que foi preso na Operação Custo Brasil], e a contrariedade ao entendimento da segunda instância fixado pelo próprio Supremo”.
“Grande ameaça são as decisões do Supremo e desembargadores amigos de preso, que vêm tentando desconstruir a Lava Jato, como a soltura do ex-ministro Paulo Bernardo [que foi preso na Operação Custo Brasil], e a contrariedade ao entendimento da segunda instância fixado pelo próprio Supremo”.
Acho que Carla está errada
nos dois casos. Penso
que Toffoli agiu de acordo com o Artigo 312 do Código de Processo Penal quando mandou soltar Paulo
Bernardo e que a
decisão de Celso de Mello, que deu liminar contra a prisão de alguém condenado em segunda
instância, encontra abrigo na Constituição, embora eu
possa não gostar disso. Também não acho que a Lava Jato esteja correndo qualquer
risco.
Vale dizer: nessas questões, discordo de
Carla e de seu movimento. E daí? Para que as pessoas tenham o direito de se manifestar, não preciso
concordar com elas. O troço é um despropósito absoluto. Vai mal um país quando
juízes decidem recorrer à Justiça para impedir que blogs publiquem textos que
consideram errados, como aconteceu no Paraná, ou quando, por intermédio
de um funcionário graduado, o próprio Supremo tenta instaurar a censura. E estamos falando daquele
tribunal que pôs fim à Lei de Imprensa.
Pegue de volta essa
porcaria desse ofício, ministro Lewandowski. Evite que a Justiça
brasileira se torne motivo de chacota entre os que conhecem os valores da
democracia.
E Lula agora oferece o próprio corpinho para tentar salvar Dilma. E lá vem
a conversa mole de plebiscito - O chefão petista também diz a senadores
que, caso a Afastada volte ao poder, o comando será dele; anuncia ainda uma guinada na
economia!
E Luiz Inácio Lula da Silva, o investigado, está em Brasília de
novo. Continua,
informa-se, tentando ganhar o voto de senadores que estariam indecisos sobre o
impeachment de Dilma, embora tenham votado pela admissibilidade do processo.
Estão na lista Cristovam Buarque (PPS-DF), Acir Gurgacz (PDT-RO) e Antonio
Carlos Valadares (PSB-SE). Também Romário (PSB-RJ) e Marcelo Crivella (PRB-RJ)
seriam conversáveis.
Nota: exceção
feita ao PDT, os outros três partidos compõem a base do governo Temer e contam
com ministério: Raul Jungmann, do PPS, está na Defesa; Fernando Bezerra Filho,
do PSB, está em Minas e Energia, e Marcos Pereira, do PRB, no
Desenvolvimento Indústria e Comércio. Sigamos.
Lula agora está oferecendo o próprio
corpinho para ter o voto de senadores. Caso
estes queiram se candidatar a prefeito ou tenham aliados que vão fazê-lo, o
chefão petista se compromete a comparecer pessoalmente na campanha. O investigado ainda acha que bate um bolão.
Mas não só. Ele faz outras promessas. Se Dilma voltar, ele
próprio, Lula, seria o homem forte do governo, vejam que graça! Mais: a presidente renascida também se
comprometeria com um plebiscito para saber se a população quer ou não a
convocação de novas eleições. Segundo informa a Folha, ele teria ficado
irritado com a demora de seu partido em cuidar desse assunto.
Eu realmente fico muito espantado que esse tipo de conversa ainda
prospere na imprensa como uma possibilidade. O papo impressiona porque o plebiscito seria ilegal e impossível de várias maneiras. Em primeiro lugar, mudar
a data da eleição é inconstitucional, com ou seu plebiscito. Em segundo lugar, para que tal consulta prosperasse, seria preciso passar pelo
Congresso. E não passa. Em terceiro lugar, seria necessário combinar
com Michel Temer. “Ué, Reinaldo, com Temer
por quê? Não é para a hipótese de Dilma voltar?” Exatamente. Ela pode, se quiser,
renunciar. Mas e ele? Alguém
já combinou? Digamos que a dita “presidenta”
voltasse (não vai acontecer); digamos
que a antecipação de eleições fosse constitucional (não é); digamos que o Congresso
aprovasse um plebiscito (não aprovaria), o que se faria com o mandato do vice? Ele seria cassado?
De todas as conversas absurdas sobre o futuro, essa certamente é a número um. O petismo não sabe mais o que fazer para tentar se
manter no noticiário. Já
percebeu que a população considera Dilma letra morta. E ela também se vê assim. Ou não teria, na defesa que encaminhou à
comissão do Senado nesta quarta, classificado de farsa o processo no qual será julgada.
Ah, sim: Lula promete ainda uma guinada na economia
caso Dilma volte à Presidência. Já imaginaram? Na entrevista concedida ao
SBT há dias, a Afastada manifestou outra
intenção espetacular: governar se entendendo diretamente com o povo, sem a intermediação
do Congresso.
Vocês não acham que isso tem tudo para dar certo? O que falta a essa gente é noção do ridículo.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo – Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário