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sábado, 12 de maio de 2018

Exército diz que destruiu papéis, mas não prova



[Exército está diante de uma missão complicada: provar que destruiu material cuja destruição não podia ser objeto de registro circunstanciado. 

Mas a tarefa de quem diz que o Exército não destruiu o que  a Força Terrestre afirma ter destruído é mais complicada, visto que terá que provar o NÃO FATO.]


O Exército ligou o piloto automático ao reagir à revelação contida em documento secreto da CIA sobre a política de execuções sumárias da ditadura militar brasileira. Divulgado no site do Departamento de Estados dos Estados Unidos, o texto sustenta que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) avalizou a manutenção da prática de eliminar os adversários do regime. “Os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados, foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época”, informou o Exército, em nota ecoada pelo Ministério da Defesa.



Repare que o Exército não nega o teor da revelação. Limita-se a sustentar que está impossibilitado de se manifestar sobre o passado, pois o papelório da época virou cinzas. Não é a primeira vez que a tática é empregada. Não será a última. Mas documentos secretos do próprio Exército revelam que a alegação não fica em pé. Falta uma prova da destruição dos documentos. [o Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos não estabelece que o processo de destruição de documentos secretos seja documentado, até mesmo por uma questão de lógica: o processo de registro da destruição de documento secreto pode comprometer o objetivo buscado com a destruição, já que registrar a destruição deixa espaço para registrar o que foi destruído.]

Normas internas de contra-espionagem do Exército estabelecem regras estritas para a destruição de papéis. Vigoram desde o início da década de 70. Constam de um manual que, atualizado ao longo dos anos, mantém a mesma política quanto aos arquivos secretos.  Obtive cópia desse manual, em sua versão de 1994. Traz na capa a seguinte inscrição: ''Instruções Gerais de Contra-Inteligência para o Exército Brasileiro''. Dedica um tópico à ''segurança na destruição''. Estipula que ''a destruição de documentos sigilosos deve ser centralizada, de forma a evitar desvios''.

Meticuloso, o texto recomenda que ''os documentos sejam triturados e depois queimados''. Anota ainda que a queima deve ser precedida da ''lavratura de um termo de destruição''.
Ou seja: se quiser ser levado a sério, o Exército precisa exibir um lote de “termos de destruição”. Antes, convém certificar-se da idade dos documentos. Não ficaria bem divulgar papeis que, submetidos às modernas técnicas de perícia e análises tipográficas, desmoronassem. [para garantir o sigilo buscado com a destruição,  os  'termos de destruição' não podem adentrar no conteúdo, ou descrição detalhada, do que foi destruído.
Essa imposição irremovível permite que 'termos de destruição' de determinados documentos sejam apresentados como termos de destruição de outros documentos, observando detalhes aproximados de datas.]
Divulguei na Folha, em agosto de 2001, papéis secretos cujo teor desafia a retórica oficial do Exército. Os documentos contêm detalhes das operações de combate à guerrilha. Informam, por exemplo, que, ao desembarcar no sul do Pará, a soldadesca sabia o que fazer com os corpos inimigos.  Os cadáveres não poderiam ser desovados a esmo na selva. Depois de identificados, deveriam ser depositados em covas previamente selecionadas. Em resposta a questionamentos que fiz na época, o Exército divulgou uma nota oficial curiosa. O texto sustentava a pantomina da ausência de informações sobre o destino dos corpos da turma do PC do B. Mas admitia a existência de arquivos que, hoje, o mesmo Exército tenta fazer crer que foram destruídos.

Dizia a nota oficial de 7 de agosto de 2001: ''Quanto aos desaparecidos nos combates travados naquela região, é importante salientar o que o Exército tem reiterado exaustivamente quando consultado a respeito do assunto: NOS ARQUIVOS EXISTENTES, nada foi encontrado que pudesse indicar a localização de seus corpos''.

Já passou da hora de o Estado brasileiro presentear o país com uma abertura ampla, geral e irrestrita dos documentos da repressão. O brasileiro tem direito à sua história. Não é justo impor aos jovens oficiais do Exército de hoje o constrangimento de ter de inventar uma nova destruição de documentos a cada revelação fortuita.  De resto, parece ainda mais injusto condenar a sociedade brasileira à surpresa perpétua de trombar com seu passado de chumbo, exposto em  documentos divulgados a conta-gotas pelo governo dos Estados Unidos. É constrangedor.

Blog do Josias de Souza


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