Caminhão desgovernado - Crise do preço dos combustíveis não terá solução fácil - Miriam Leitão
Por erros antigos do nosso rodoviarismo, o Brasil é excessivamente vulnerável a uma paralisação de caminhões
Nos
primeiros minutos da reunião, na manhã de ontem, sobre o preço dos
combustíveis, os ministros Moreira Franco e Eduardo Guardia avisaram que o
governo nunca havia pensado em interferir na Petrobras. O dia terminou com Guardia informando
que fechara um acordo com os presidentes do Congresso para reonerar a folha
salarial e eliminar a Cide. Os caminhoneiros disseram que a greve
continua.
Greve de
caminhoneiro assusta por razões práticas e memória política. Elas sempre
estiveram presentes em momentos de instabilidade de governos na América Latina.
O caso emblemático é o do Chile de Salvador Allende. O atual governo brasileiro
não poderia desprezar o sinal das estradas. Por erros antigos do nosso
rodoviarismo, o Brasil é excessivamente vulnerável a uma paralisação de
caminhões. Tudo se transporta por eles. Em países de grandes dimensões, o modal
ferroviário há muito tempo foi implantado porque é mais econômico, lógico e sustentável.
Por atrasos recentes na adoção de novas energias e novas tecnologias, os
caminhões movidos a diesel são dominantes. A consequência prática disso é que
combustível fóssil é carregado queimando-se combustível fóssil. E ontem à tarde
o risco era de parar do aeroporto de Brasília aos ônibus do Rio.
Parece uma solução engenhosa, mas vamos entendê-la: no governo passado, vários setores foram desonerados, ou seja, passaram a pagar menos de contribuição previdenciária sobre a folha salarial. O governo atual propôs reonerar, ou seja, elevar de novo a contribuição, mas o projeto não andou no Congresso. Agora andará, mas, em vez de o dinheiro pago pelos empregadores ir para a Previdência, vai para subsidiar o uso do diesel.
Pelas contas do economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria, a perda de receitas com a Cide seria mais do que compensada pelo aumento de arrecadação provocado pela alta do preço do petróleo. Olhando para estados e municípios, o ganho com royalties poderia chegar a R$ 7 bilhões este ano, com uma perda em torno de R$ 1,2 bilhão de junho a dezembro, com a Cide. — A Cide arrecada R$ 6 bilhões por ano e um terço disso é de estados e municípios. Se a redução entrar em vigor em junho, a perda será de R$ 3,5 bilhões. O impacto fiscal não é grande. Difícil mesmo seria mexer no PIS/Cofins, que vai todo para a União, e no ICMS, que é inteiramente dos estados — explicou.
Também se
discutiu na reunião sobre os combustíveis a distorção criada pelo ICMS. Ao
contrário de PIS/Cofins e Cide, que são cobrados em um valor fixo pelo volume
de vendas, o ICMS é ad valorem, ou seja, incide sobre o preço final. Como a
alíquota chega a superar 30% em alguns estados, como o Rio de Janeiro, o
imposto acaba elevando o preço final. Desta forma, ele faz parte do agravamento
do problema. Há pouca
chance de o petróleo cair no mercado internacional. A política usada em
inúmeros países é de automaticamente repassar a alta da cotação para o preço na
bomba. O governo garantiu que não está pensando em intervir na política de
preços da Petrobras, por isso só sobraram mesmo os impostos, e dentre eles o
olho maior está sobre o ICMS, que é da conta dos estados e não do governo
federal. Enfim, o problema continua e não será fácil resolver.
Coluna da Miriam Leitão - com
Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo
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