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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

A repressão criminal em colapso

Os candidatos devem conhecer a atuação das organizações criminosas para corrigir os erros

O Brasil, que em passado recente se elevou no ranking das potências econômicas mundiais, paradoxalmente continuou sofrível na educação e na distribuição de renda. Hoje, em séria crise econômica, exibe número significativo de desempregados e paupérrimos que enchem as ruas com colchões e barracas; polícia desvalorizada, quando não sucateada; e alto índice de corrupção nos escalões dos Poderes – o que o tornou fecundo para o crescimento do crime organizado, que, subestimado por governantes, se concentrava no Rio de Janeiro. Em menos de 30 anos, facções criminosas instalaram-se nos quatro cantos do País, ganharam força e mostram destemor e conforto para impor poder umas às outras até em território de domínio formal do Estado, os presídios.

Os confrontos entre presos em 2017 trouxeram à tona o número de facções existentes. A morte de seus integrantes obrigou as autoridades, que pouco se importavam com a sociedade há muito vitimada, a voltarem a atenção para a falida segurança pública – tema abordado de forma simplista e superficial por candidatos à Presidência do País e ao governo do Estado onde impera a maior facção criminosa, o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Ao longo dos anos, restou à população abastada proteger-se por meio de empresas de segurança, em condomínios fechados, casas com ofendículos e veículos blindados, que nem sequer suportam fuzis. A restante permanece ao deus-dará e parcela desvalida rendeu-se à proteção dos próprios criminosos, que dominam favelas e certos bairros de periferia. A violência intensa que chegou ao interior paulista e assusta moradores de sítios, chácaras e casas é recheada de crueldade, indicativo de que o entorpecente é o combustível e móvel para a execução de grande parte dos delitos cometidos com violência e grave ameaça.

No ano de 2010, neste espaço, resumi como um enxugar de gelo a política de combate ao tráfico ilícito de drogas. A situação piorou. Se, por um lado, a “limpeza” das ruas por prisões em flagrante transmite relativa sensação de segurança, por outro, o foco nessas prisões nem sequer balançou a criminalidade organizada, que enche as ruas com varejistas e alça voos pelo País e para o exterior.  Os criminosos organizados conhecem bem as lacunas e os equívocos do sistema de repressão ao crime, comprometido em pontos cruciais por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que afrouxaram leis penais – o que vem levando esses criminosos a atrair cada vez mais para o comércio varejista de drogas adolescentes e jovens “de primeira viagem”. O tráfico é crime convidativo, em especial para indivíduos com esses perfis, por levá-los à dependência química e pela rentabilidade que dele se aufere (100% de lucro nas vendas a varejo), condições que, num país com número elevado de desempregados, enredam seus autores e dificultam, quando não impedem a regeneração. Adolescente é mão de obra valiosa porque a internação pelo prazo máximo previsto em lei, de três anos na Fundação Casa, apelidada de “chocolate” por menor infrator, é exceção. Ao atingir 18 anos ainda estará sem mácula: primário e sem antecedentes criminais.

Sem planos eficientes de combate ao crime, crescem as prisões de traficantes de rua com menos de 20 gramas de drogas (alguns com três, cinco, nove gramas). São vários esses flagrantes, que, longe de diminuir o tráfico, abarrotam o Ministério Público, o Judiciário e, em consequência, os presídios – situação preocupante e que exige atenção, porque o alto número de flagrantes nas ruas não tem significado combate eficiente ao tráfico.  O número de recursos e habeas corpus que aportam no STF, divulgado pela mídia e reconhecido por ministros dessa Corte, reflete o volume crescente de feitos que tramitam nas instâncias inferiores – sem que a população, nas ruas e em casa, se sinta menos insegura.

Com as prisões de rua ultrapassando – muito e ainda – as escassas e excepcionais investigações, o elevado patrimônio das organizações criminosas é preservado. O produto de roubos milionários de grande repercussão midiática nem ao menos é recuperado e crimes com esse peso somam “um” nas estatísticas da polícia. Os processos-crime comprovam: os primários e sem antecedentes presos – alvos prioritários da polícia – logo alcançam a liberdade (em audiências de custódia, por penas alternativas ou progressão de regime) e o curto tempo que passam no cárcere, sem peso para punir e educar, tem tornado esses jovens vulneráveis ao assédio para integrar facção criminosa. No outro extremo, chefes do crime organizado presos encontram ambiente propício para, de dentro do cárcere, com desenvoltura, arregimentar novos integrantes presos, ordenar mortes e dirigir a empresa criminosa. Detentos chegam a compartilhar um único aparelho celular e com facilidade trocam o chip. Em síntese, a prisão neste país não tem efetividade.

A imprescindível fatia da repressão a crimes graves a prisão -, por outro lado, é insuficiente como única forma de combate ao crime organizado. Já passou da hora de as autoridades se conscientizarem de que o crime organizado só perderá força pelo combate eficiente à lavagem do produto ilícito auferido pelas empresas criminosas – o que só se consegue com investigações. O crime organizado não existiria sem a conivência, colaboração e participação de agentes públicos – realidade que também torna obrigatória as investigações. O combate ao crime organizado no Brasil, que há anos ultrapassa fronteiras, também está a exigir acordos de cooperação internacional.

Aqueles que almejam o relevante e árduo múnus de governar Estados e o País tomados pelo crime organizado devem conhecer bem a atuação das organizações criminosas para que os seguidos erros por décadas cometidos possam ser finalmente corrigidos.

Marcia de Holanda Montenegro é procurador de Justiça do MP-SP - O Estado de S. Paulo

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