Uma nova radiografia do ensino básico, divulgada pelo MEC, mostra que a imensa maioria dos alunos não aprendeu quase nada e seguirá assim até sair da escola
Em
qualquer país seriamente comprometido com seu desenvolvimento, garantir aos
estudantes que concluam o percurso escolar com boa capacidade de pensar,
produzir e inovar está longe de ser um feito acima do comum: é lição de casa
elementar. Pois o Brasil vem falhando na tarefa e permanece enredado em notas
vermelhas, sem dar sinais de ganhar fôlego para correr em busca da excelência.
Na verdade, o país está muito distante de um ensino ao menos decente. Uma nova
radiografia da escola brasileira, divulgada pelo Ministério da Educação (MEC)
na quinta-feira 30, revela um desastre em todos os níveis e traz uma
constatação dolorosa. “Os estudantes vão passando de uma série a outra, mas não
avançam quase nada na escala do conhecimento”, diz Maria Inês Fini, presidente
do Inep, órgão ligado ao ministério que produziu o levantamento.
Os dados
foram extraídos da Prova Brasil, teste de matemática e português aplicado a 5,4
milhões de alunos das redes pública e privada. Eles compõem o Saeb, termômetro
que capta o nível dos estudantes no 5º e no 9º anos do ensino fundamental e no
3º ano do médio, quando muitos jovens estão às vésperas de tentar uma vaga na
universidade. É justamente nesse patamar que o cenário fica mais dramático. Em
matemática, apenas 5% dos alunos se situam na faixa adequada, ou seja, têm o
conhecimento esperado para a série que estão cursando. Os demais 95% oscilam
entre o nível básico, que exige recuperação contínua para acompanhar a classe,
e o insuficiente, em que o aluno só seguirá adiante se passar por uma
intervenção pedagógica; do contrário, ficará retido na série em que está.
O alívio poderia vir da prova de português, mas não vem, e a situação até
piora: apenas 1,7% aparece na faixa adequada.
VEJA teve
acesso a questões respondidas por alunos de diferentes idades na Prova Brasil.
Uma delas pede a crianças de até 8 anos (supostamente alfabetizadas) que olhem
para a imagem de uma pipoca e assinalem entre quatro opções a palavra escrita:
uma de cada cinco marcou pijama, piloto ou pirata. Elas também tropeçaram na
proporção de um para cinco ao contar os nove balões nas mãos de um palhaço. A
defasagem nos primeiros anos escolares tende a se agravar conforme a
complexidade aumenta sem que dúvidas básicas tenham sido dissipadas. “O
conhecimento é uma construção em degraus. Se há falhas graves na base, a
estrutura superior fica comprometida”, compara o professor de matemática Bruno
Lima, do Colégio de A a Z, no Rio de Janeiro.
Os
obstáculos não vencidos na largada podem se fazer sentir ao longo de toda a
trajetória acadêmica, até o ensino médio. O Saeb ajuda a dimensionar o problema
mostrando como questões consideradas de baixíssima dificuldade assombram os
jovens. Uma fábula simples traz como protagonista uma raposa espertalhona. Ao
final, a pergunta: a palavra “ladina” significa que a raposa é esperta, rápida,
cuidadosa ou engraçada? Mesmo com a deixa do texto, um de cada quatro errou.
“Um aluno do 6º ano do ensino fundamental ou saberia o significado de cara ou
faria essa interpretação tão simples”, diz a professora de português Rafaela
Simões. Quando o desafio era completar a sequência aritmética 3, 7, 11…, outra
má surpresa: 56% não sabiam.
O que
preocupa não é apenas o retrato do momento traçado pelo MEC, mas a sequência de
resultados que mostram a educação brasileira ora avançando em marcha lenta, ora
retrocedendo. De duas décadas para cá, a única subida de patamar no Saeb
ocorreu no 5º ano do ensino fundamental: o salto, porém, foi do muito ruim
(insuficiente) para o ruim (básico). O 9º ano, que marca o fim do ciclo
fundamental, manteve-se na linha de insuficiência, enquanto o ensino médio, por
incrível que pareça, regrediu de 3 para 2 nesse nível em que o aluno precisa
parar e preencher as lacunas de aprendizado antes de poder seguir em frente. De
modo geral, é mais fácil elevar a qualidade do ensino nas séries iniciais. “São
anos em que uma única professora cuida da turma. Depois, há um professor por
disciplina, e ele costuma receber uma educação teórica e distante das reais
necessidades da escola”, observa Mozart Neves Ramos, diretor de inovação do
Instituto Ayrton Senna. Às vezes, nem a formação necessária existe: quase
metade dos docentes não tem diploma específico para a matéria que ensina,
segundo o Censo Escolar.
O
levantamento do MEC mapeou a qualidade nos 26 estados, mais o Distrito Federal.
Daí se originaram rankings para os três níveis de ensino avaliados. As redes
públicas de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e
Espírito Santo aparecem nas primeiras colocações em pelo menos dois deles.
Alguns padrões se repetem no topo nacional. “Uma das características em comum
nesses estados é a adoção de políticas pensadas para resolver problemas típicos
de suas redes, no lugar de copiar modelos genéricos”, explica João Batista
Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto. Oliveira acrescenta outros dois
fatores essenciais para um bom desempenho no longo prazo: a integração de
estados e municípios e a preservação de iniciativas bem-sucedidas mesmo que
haja troca de governantes.
Os
lugares que começam a adotar mais maciçamente o ensino integral têm colhido
melhores resultados. Uma conta do MEC mostra que as chances de um aluno que
estuda em turno estendido se inscrever no Enem são 15% mais altas — o que, em
um país com população universitária ainda baixa (18% dos jovens), é algo a ser
celebrado.
Evidentemente, não basta investir um caminhão de dinheiro em mais
horas na escola e esperar que a qualidade germine sem que o tempo seja
utilizado para ampliar os horizontes do aluno. O Espírito Santo, que, segundo
cálculos do Instituto IDados com base no relatório do MEC, surge em primeiro
nos rankings de português e matemática do ensino médio, tem um bom exemplo a
dar. O estado começou a apostar em um currículo mais enxuto e atento às tão
propaladas habilidades do século XXI — produzir em equipe, afiar o raciocínio
lógico para navegar em zona desconhecida, fazer uso da criatividade.
Cortar
conteúdos de pouca utilidade e transformar a escola em um lugar menos
enciclopédico e mais conectado ao que se passa fora de seus muros é o caminho
percorrido por países com destaque na educação, como a Finlândia e vários dos
asiáticos. O Brasil está prestes a dar uma necessária chacoalhada em seu
antiquado ensino médio. A reforma, que planeja trocar o modelo único de hoje
por um mais flexível, em que o aluno escolhe as disciplinas em que quer se
aprofundar, está para deixar os gabinetes. “A implantação será gradual, a
partir do ano que vem. Até 2022, a meta é que o novo ensino médio esteja
funcionando em todo o país”, disse a VEJA o ministro da Educação, Rossieli
Soares. A modernização de uma fórmula ainda cultivada por muitos, que vê na
quantidade de conteúdo um sinônimo de ensino bom, não será fácil: exigirá
professores treinados para trabalhar mais de perto uns com os outros e
alterações significativas tanto no material didático como no próprio Enem.
No Brasil
dos anos 1950 e 1960, prevalecia a ideia de que a educação seria uma
consequência natural do desenvolvimento econômico. Foram tempos bicudos para o
ensino: o país investia apenas 1,4% do PIB em seu vasto sistema educacional. Na
década de 80, começou a ser difundida outra visão, válida até os dias de hoje:
a de que boa educação não é efeito, e sim um poderoso motor para o
desenvolvimento. Os cofres então se abriram para a sala de aula, o que
ajudou a sanar mazelas básicas mas também propiciou um acúmulo de desperdícios.
Fica o aviso aos candidatos à Presidência: já passou da hora de o Brasil usar o
dinheiro da educação com mais inteligência e garantir um ensino de alta
qualidade, indispensável para saltar de patamar.
Publicado
em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição
nº 2598
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