De Bob Kennedy, morto por defensor de causa
palestina, a Luis Galan, vítima de Escobar, paira legado de conspirações
sobre verdadeiros assassinos
Pouco
antes do último Natal, o filho de Robert Kennedy foi visitar o assassino
de seu pai na cadeia da Califórnia. A mulher dele, a atriz Cheryl Hines,
do cínico seriado de Larry David, ficou esperando três horas no carro. Bobby Jr. tem certeza que o autor do
assassinato, Sirhan Sirhan, preso na própria cozinha do hotel californiano onde
o senador foi baleado em 5 de julho de 1968, apenas cinco anos depois da
monumentalmente trágica morte de seu irmão presidente, não foi o verdadeiro
matador.
Sirhan
tinha a arma ( um mero revólver calibre .22 ), o motivo (a promessa de Bobby de
enviar 50 aviões de guerra a Israel se fosse presidente), dezenas de
testemunhas e uma explicação quase orgulhosa. Ao longo
dos anos, repetiu-a a vários entrevistadores: queria “salvar” a Palestina, de onde tinha saído com a família,
cristã ortodoxa, aos 12 anos. Mesmo
assim, o filho mais velho do herdeiro político do mais famoso clã americano
acha que foi outra pessoa que disparou o tiro fatal, na parte de trás da cabeça
de Bobby Kennedy.
Não está
sozinho: Paul Shrade, assessor de Bobby que sobreviveu a ferimentos na cabeça,
acha que o número de tiros disparados, treze, comprova a participação de um
segundo assassino. O revólver de Sirhan tinha apenas oito balas. E ele estava
na frente do candidato quando começou a disparar. Como
todos os magnicídios, os atentados contra candidatos a altos cargos, que
interrompem uma narrativa antes mesmo que ela comece a ser contada para valer,
despertam desconfianças eternas.
Bogotazo
Em países
avançados como os Estados Unidos ou em buracos atrasados como o Paquistão, é difícil engolir a ideia de um um
sujeitinho armado com uma .22 tenha atingido Bobby no meio do mar de garçons
que o cumprimentavam na cozinha do Ambassador ou um suicida com arma e bomba
tenha avançado sozinho sobre a comitiva de Benazir Bhutto, a
ex-primeira-ministra em campanha pela reeleição.
Na
Colômbia, com seu cruento prontuário de candidatos assassinados, até hoje se
discute o mais consequente dos casos: a morte de Jorge Eliécer Gaitán, uma
espécie de dissidente radical do Partido Liberal. O
assassinato desencadeou as atrocidades revanchistas que ficaram conhecidas como
La Violencia, um fase que durou dez anos, e deixou raízes malignas que se
reproduziram ao longo de décadas, gerando movimentos armados de esquerda de uma
brutalidade inominável cujos remanescentes persistem mesmo depois do último
acordo de paz.
Só na
noite em que Gaitán foi baleado na frente de seu escritório de advocacia, em 4
de abril de 1948, houve mais de três mil mortes no Bogotazo. Prédios públicos,
igrejas, escolas e o Palácio São Carlos foram incendiados. A
multidão enfurecida arrastou pelas ruas o corpo linchado do assassino, um
pedreiro chamado Juan Roa Sierra, aparentemente um desequilibrado perturbado
por sessões “espíritas” e um pedido de ajuda rejeitado por Gaitán.
Mesmo
tendo ocorrido na presença de funcionários e amigos com quem Gaitán havia saído
para almoçar, o assassinato gerou as mais extremas teorias conspiratórias. O
presidente Mariano Ospina, do Partido Conservador, que fechou o Congresso quando
a coisa ficou feia para seu lado, achava que tudo tinha sido uma conspiração
tramada pela inteligência soviética para desestabilizar o país e avançar sobre
a parte continental do Caribe.
Manifestações
de esquerda já haviam tumultuado a Conferência Interamericana realizada
naqueles dias trágicos em Bogotá.Um jovem cubano eloquente chamado Fidel Castro
estava na cidade. Ospina achava que ele era um agente soviético. O embaixador
americano também levantou sérias dúvidas sobre o papel de Roa. Outro
atentado infame na Colômbia, em 1989, continua repercutindo até hoje. O general
Miguel Maza foi condenado a 30 anos de cadeia em novembro de 2016, acusado de
“homicídio com fins terroristas” ao mudar deliberadamente a equipe encarregada
da segurança de Luis Carlos Galán, cuja morte a tiros de metralhadora num
palanque na cidade de Soacha foi transmitida ao vivo.
O general
Maza era o chefe do DAS, o serviço secreto depois dissolvido e substituído por
outro. A série
Narcos reproduz o assassinato de Galán, atingido por tiros de metralhadora que
entram sob o colete a prova de balas que usava. John Jairo Velásquez, o chefe
dos sicários do traficante, conhecido como Popeye, foi preso em 1992 e, com
progressão da pena de trinta anos, solto em 2014. Galán
tinha bloqueado uma lei que impediria a extradição de Escobar para os Estados
Unidos e baseava sua campanha no combate ao flagelo da droga e ao poder sem
paralelos alcançado pelos grandes traficantes.
Bizarramente,
apesar dos olhos claros do candidato assassinado, Galán e Escobar tinham uma
semelhança física, acentuada pelos cabelos encaracolados e o bigodão.
As
teorias conspiratórias sobre a associação do monstruoso e brilhante gênio do
mal para matar o candidato popular, que tinha 60% das preferências, sobem mais
altos escalões políticos.
Bala mágica
O mesmo
acontece no caso do mexicano Luiz Donald Colossio, morto num comício em Tijuana
em 23 de março de 1994. Um mecânico solitário confessou o crime logo depois dos
tiros, mas o México não seria o México se acreditasse na extensa investigação. Colossio
era uma espécie de dissidente do PRI, o partido oficial. As suspeitas,
obviamente, foram parar no colo de Carlos Salinas, o presidente à época. Sete
meses depois do assassinato, a jovem, linda e elegante viúva de Colossio, Diana,
que havia feito um comovente necrológio do marido e tentava investigar o crime
por conta própria, morreu de câncer no pâncreas.
Um
assassinato político quase esquecido no Estados Unidos, o do populista Huey
Long, um direitista que pregava o redistributivismo fiscal como forma de
enfrentar a Grande Depressão, deixou suspeitas mais bizarras ainda. Huey, que
tinha sido senador estadual e governador da Luisiana, sonhava enfrentar ninguém
menos que Franklin Roosevelt, via um terceiro partido. Foi morto pelo genro de
um juiz com quem tinha uma séria disputa política.
O crime
foi em plena Assembleia Estadual, o que não impediu os conspiracionismos
habituais. Uma das versões: o genro médico, apesar do motivo, foi usado para
encobrir um tiro fatal disparado por acaso por um dos guarda-costas de Huey
Long.
De
qualquer modo, o assassino não sobrou para dar sua versão. Morreu com 61 balas
disparadas pelos guarda-costas. Desconfiar
das versões oficiais pode ser uma reação saudável. Acreditar em qualquer
versão, contanto que seja bem alucinada, é perda de tempo. Esperar respostas
definitivas é inútil: os magnicídios, principalmente quando têm aspectos
aleatórios e até inverossímeis como na “bala mágica” que fez uma trajetória
espantosa até entrar na nunca de John Kennedy, sempre vão gerar dúvidas.
Se até em
países onde existe confiança nas autoridades, como nos Estados Unidos,
predomina a confiança nas autoridades, o que pode acontecer num país como o
Brasil?
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