O Supremo Tribunal Federal ganhou a aparência de uma instituição meio
sindicato, meio delegacia de polícia. Sindicalistas de si mesmos, os
ministros da Corte empurraram para dentro do bolso do contribuinte um
auto-reajuste de 16,39%. No papel de xerifes, ameaçam reverter no início
de 2019 a regra que permitiu a prisão de larápios condenados na segunda
instância. Sob penúria fiscal e com a corrupção a pino, a combinação
das duas coisas coloca em risco o mais raro dos tesouros que um
magistrado pode acumular: a reputação imaculada.
Com uma mão, os
ministros da Suprema Corte elevam seus próprios contracheques de R$ 33,7
mil para R$ 39,2 mil mensais. Com a outra, ameaçam libertar os
corruptos com sentença de segundo grau —gente como Lula, Eduardo Cunha,
Sergio Cabral e Eduardo Azeredo. O patrão das togas é você, caro
contribuinte. Chamado a opinar, você talvez negasse o reajuste. Se
pudesse, provavelmente enviaria certos ministros para o olho da rua.
O
diabo é que, numa democracia, o contribuinte terceiriza as decisões aos
seus representantes. E o eleitor brasileiro, com seu dedo podre, passou
procuração para um Congresso que também se consolidou como uma
instituição mista —meio entreposto, meio bordel. Ainda apinhado de
caciques moídos nas urnas, esse Legislativo conspurcado, cuja reputação é
a soma dos palavrões que inspira nas arquibancadas e nos botecos,
aprovou o reajuste do Supremo, enviando-o para a sanção de Michel Temer.
No
final do último mês de agosto, quando faltavam duas semanas para
assumirem os postos de presidente e vice-presidente do Supremo, os
ministros Dias Toffoli e Luiz Fux visitaram Temer. Transformaram a
agenda sindical da Corte num processo de corrosão da gestão que agora
personificam. Para evitar o veto do presidente da República, sugeriram
trocar o “direito” dos juízes a um auxílio-moradia de R$ 4.377,73 pelo
um reajuste salarial de 16,38%.
A proposta de Toffoli e Fux
carregava um vício de origem. O “direito” que ofereceram como
compensação para a elevação dos vencimentos é, na verdade, um privilégio
imoral. A lei da magistratura anota que, além do salário, juízes
“poderão” receber vantagens como o auxílio-moradia (quando forem
transferidos para outras cidades, por exemplo). O mimo virou tunga em 2014, quando uma liminar concedida por Fux estendeu-o para todos os
magistrados e procuradores.
Há um problema adicional. O reajuste
dos ministros do Supremo aumentará automaticamente a folha de todo o
Judiciário federal e estadual. Eleverá também os vencimentos dos
servidores que já recebem acima do teto e amargam mensalmente um
abate-teto, que reduz o valor dos contracheques. Como se fosse pouco,
várias corporações estão de tocaia. Os próprios congressistas tramam um
auto-reajuste.
Estima-se que os efeitos do aumento do STF custarão
algo entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões por ano. O Tesouro Nacional está
quebrado. Para 2019, o buraco está estimado em R$ 139 bilhões. Para
complicar, levantamento feito pela consultoria do Senado anota que o fim
do bolsa-moradia seria insuficiente para compensar o estrago provocado
pelo reajuste salarial.
A conta do auxílio-moradia de juízes e
procuradores, informam os consultores do Senado, somou R$ 96,5 milhões
entre janeiro de 2010 e setembro de 2014, quando Fux expediu a liminar
redentora que estendeu o privilégio a todos os doutores. De outubro de
2014 até novembro do ano passado, o espeto saltou para R$ 1,3 bilhão. A
despeito da incompatibilidade entre as cifras, a liderança do governo
Temer no Senado encaminhou a favor da aprovação do reajuste na votação
realizada na última quarta-feira. O presidente da República tem 15 dias
para sancionar ou vetar projetos aprovados no Legislativo. O veto de
Temer ao reajuste do Supremo é tão improvável quanto o voo de um
elefante.
Um presidente que chega ao final do mandato arrastando
quatro bolas de ferro —duas denúncias por corrupção e dois processos
criminais— [registre-se que a principal testemunha contra Temer - o açougueiro Joesley Batista - foi preso hoje, mais uma vez, pela Polícia Federal.
Na mesma ação foi preso outro delator contra Temer - Ricardo Saud.] não ousaria desafiar a CUTS (Central Única das Togas do
Supremo), nova central sindical do país. Entretanto, Temer converterá o
absurdo em escárnio se não exigir de Toffoli e Fux uma resposta em
relação ao compromisso que assumiram em agosto de acabar com o
auxílio-moradia. A dupla precisa levar à vitrine uma reação qualquer.
Nem que seja uma cara de nojo.
Blog do Josias de Souza
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