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sábado, 8 de dezembro de 2018

Operação salva Lula

Não há limites para a empulhação jurídica no caso Lula


Já foram 78 apelações julgadas (apenas no processo do tríplex), protelações, recursos de toda natureza, incontáveis pedidos de habeas corpus, concessões de benefícios extraordinários, tudo avaliado com a maior presteza, atropelando inclusive os ritos e filas de solicitações de outros comuns mortais, que não contam com a mesma, desmedida, camaradagem dos executores da Lei. Lula, sim, por razões que a própria razão desconhece a aguardar uma razoável resposta daqueles que o colocam no pedestal, ali mesmo, entre os senhores de toga, encontra tratamento VIP, com data vênia e benevolência de alguns representantes de turmas do Supremo Tribunal. O magistrado Ricardo Lewandowski, a exemplo, esforça-se para que o presidiário petista conceda entrevista em sua defesa alardeando injustiças imaginárias. Não tem o mesmo apego e empenho na concessão de tal suposto direito a outros que porventura dele queiram fazer uso. 

Seu colega na Corte, Gilmar Mendes, corre em socorro ao gatuno dos cofres públicos, capo de quadrilha, e acolhe a ideia de “pedir vista” e empurrar uma decisão por demais lógica e, decerto, ridícula: liberar ou não Lula sob a alegação de suspeição do juiz que o investigou e o condenou, Sergio Moro, porque esse assumirá um cargo público em futuro governo de oposição. Como se uma coisa e outra tivessem elo indissolúvel e direto. Em outras palavras, Moro teria construído um diabólico plano de enjaular o demiurgo de Garanhuns para que esse não fizesse frente ao seu presidenciável preferido Jair Bolsonaro, que depois lhe daria guarida no poder. Chega a ser risível, para não dizer tosca, tamanha ignomínia. Evidente aos olhos dos brasileiros comuns as intenções, nada decorosas, dos advogados do senhor Lula de sacudir o Judiciário com recursos oportunistas, a cada momento que lhes convém. Menos aceitável, no entanto, é perceber a facilidade e a parcialidade com que esses pedidos são analisados por determinados ministros em proveito do réu que age como astro.  

Lamentável mesmo, insidiosa, a crescente politização do Judiciário, que salta aos olhos a cada sessão do STF, na atuação midiática, na cascata de pedidos de vista, nos malabarismos retóricos de vossas excelências e no zigue-zague de ações que elas promovem ao sabor de conveniências pouco republicanas. Tome-se o caso da discussão de rever a prisão após segunda instância, uma artimanha que, de novo, beneficiaria Lula. Como o líder da camarilha petista está agora prestes a sofrer nova condenação, essa em terceira instância, no STJ, o assunto deixou de ter a celeridade almejada inicialmente. O foco passou a ser, daí por diante, a alegação, encaminhada pela enésima vez por intermédio dos defensores do ex-presidente, de que Moro era parcial, uma espécie de agente político infiltrado nos meandros da Justiça. Como alguém pode cair numa esparrela dessas? A simples possibilidade de o STF eventualmente acatar a demanda na Segunda Turma que parou a votação quando essa se encontrava com dois pareceres contra –, ultraja cidadãos e beira a pornografia legal. Juízes ideologicamente simpáticos a uma ou outra causa viram pilhéria com o tempo. 

Lewandowski, de novo ele, acabou sendo alvo de um protesto de passageiro durante voo na semana passada e achou por bem lhe dar voz de prisão, em um sinal de prepotência exacerbada. Logo ele, que acha a prisão preventiva um abuso, repudia o recolhimento do condenado após segunda instância e considera absurda a condução coercitiva, não hesita em mandar reter de imediato alguém que lhe contraria publicamente. Um contrassenso. Lewandowski é o verbo da lei em pessoa, ainda que suas palavras circunstancialmente possam soar flácidas. Ao se prestar ao papel de exercer a toga, sem cerimônia, diante de um mero protesto, ele constrange a instituição que representa. Faça-se justiça, seu colega de tribunal Gilmar Mendes, também em inúmeras ocasiões provocado em público, ignorou os apupos, a entender que eles são democraticamente legítimos. 

Afinal, o sarau da democracia não é uma ação entre amigos, que se desenvolve no avarandado dos poderosos. Na particular noção de liberdade que ela evoca, cabe a todos o direito de exercê-la. Enquanto a democracia for considerada no Brasil uma espécie de condomínio fechado dos luminares da ciência jurídica, e não um patrimônio a ser erigido pela própria sociedade, ela não passará de mera quimera. No caso de Lula e de outros criminosos de quilate no âmbito do colarinho branco, trata-se de uma estranha patologia nacional, essa de bater à porta de meia dúzia de notáveis autoridades da Lei para conseguir benesses fora do habitual. A Suprema Corte não pode prestar vassalagem a salafrários desse calibre, nem cair na armadilha de servir como instrumento de eternas procrastinações.

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três - IstoÉ

 

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