O uso político da seca é tão antigo quanto suas vítimas
Seca é coisa remota, cíclica, inevitável e previsível. É o maior desastre ambiental do Brasil. No Nordeste há pelo menos 208 anos imagina-se a redenção com o “encanamento” do rio São Francisco para o sertão. O uso político da seca é tão antigo quanto suas vítimas. “Cavar e atirar a terra para os lados pouco custa”, discursava o deputado paraibano França Leite em 1846. Trinta e dois anos mais tarde, Pedro II percebia as vantagens. Nas “Falas do Trono”, no Senado de 1878, se apoiou no “flagelo da seca” para evocar algum sentido de unicidade política em torno do Império no país em formação.Foram mais de 74 mil dias até à abertura do primeiro canal, ano passado, para travessia das águas do rio São Francisco rumo ao sertão.
Banharam vida à volta da reta cimentada de 220 quilômetros. Mas isso é só fração de toda a terra ressequida onde cabem oito países como o Uruguai, e se estende por oito estados.
Dentro do pedaço semiárido de Alagoas sonha-se com algo mais simples do que a faraônica transposição do São Francisco. Um milhão de pessoas, em 38 cidades, aguarda o fim da obra do Canal do Sertão. Ela segue à conta-gota.
É recordista de irregularidades nas últimas três décadas. A água imaginária já atravessou a eleição de seis presidentes e governadores, entre eles Jair Bolsonaro e Renan Filho, que assumem em janeiro. Demorou 26 anos para se chegar ao 90º dos 250 quilômetros de canalização prometida. No ritmo atual poderá ser inaugurada em mais 48 anos. Talvez, no Natal de 2.066.
José Casado, jornalista - O Globo
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