Há um limite depois do qual uma tradição pode transformar-se em
maldição. Nos últimos 30 anos, todos os presidentes submetidos à Constituição
de 1988 exercitaram seus pendores humanitários por meio do indulto de Natal.
Sob Michel Temer, o que parecia natural virou imoral, pois o ato de clemência
foi estendido em 2017 a presos condenados por corrupção. Submetido a
contestação judicial, Temer decidira não editar o decreto de indulto neste
final de 2018. Diante de apelos da Defensoria Pública, voltou atrás. Espera-se
que não se atreva a reincidir no escárnio. Graças a um pedido de vista do
ministro Luiz Fux, o julgamento sobre o indulto decretado por Temer no ano
passado continua em aberto no Supremo Tribunal Federal. A liminar
anti-corruptos ainda está de pé.
Mas se quiser encrespar, Temer pode reeditar
em 2018 o mesmo indulto tóxico do ano passado. Afinal, já se formou no plenário
da Suprema Corte uma maioria —seis votos num total de 11— a favor da tese
segundo a qual o presidente tem poderes discricionários para regulamentar a
concessão do indulto como bem entender.
Se tiver restado a Temer um pingo de compostura, ele excluirá os
corruptos da fila do indulto por bom senso, não por respeito aos prazos do
Supremo. A corrupção no Brasil é uma endemia. Quem olha ao redor só enxerga
podridão. Vale a pena listar, por eloquentes, alguns dos podres:
- A seis dias de se tornar uma caneta sem tinta, o próprio Temer foi
denunciado três vezes —duas por corrupção passiva e uma por obstrução de
justiça. Responde a um inquérito. E há pedidos de abertura de mais cinco. [as denúncias contra Temer se destacam por dois excessos:
- excesso de denúncias - duas poderiam ter sido consolidadas em uma; e,
- excesso de falta de provas.]
- Geddel
Vieira Lima, o ex-ministro que cuidava da coordenação política do governo
Temer, foi em cana depois que a Polícia Federal estourou o bunker de Salvador,
onde ele guardava R$ 52 milhões acondicionados em malas.
- Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Está
preso há oito meses. A segunda condenação pode chegar junto com as águas de
março. Dilma Rousseff, sua antecessora, foi enviada ao banco dos réus no inquérito
batizado de "quadrilhão do PT."
(...)
Nesse contexto, qualquer decreto de indulto que incluísse no rol dos
beneficiários da clemência presidencial os criminosos de colarinho asseado
ultrapassaria em muitos quilômetros o limite depois do qual uma tradição transforma-se
em maldição. Sem condições de dar continuidade à sua carreira política, Michel
Temer inspiraria nome de rua. Assim como há a Rua Voluntários da Pátria,
passaria a existir a Rua Traidores da Pátria.
Blog do Josias de Souza
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