Flávio Bolsonaro questiona legalidade das informações obtidas por investigadores do caso Queiroz
A reclamação do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) de que o Ministério Público do Rio de Janeiro violou o seu sigilo bancário ao solicitar informações ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) não encontra respaldo na lei e na jurisprudência brasileira. Ao questionar no STF (Supremo Tribunal Federal) a investigação envolvendo movimentações atípicas em seu gabinete, o filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL) justificou que esses dados só poderiam ser obtidos com autorização judicial.
[nosso 'protesto' é bem mais modesto e menos abrangente;
entendemos justo e necessário que órgãos governamentais que atuam no controle de tributos, fiscalização, combate à corrupção, lavagem de dinheiro possam se comunicar entre si - Polícia Federal, pode e deve, trocar informações com o Coaf e vice-versa, com o MP, com a Receita Federal, com os bancos, devendo ser evitado (para dificultar vazamentos) a solicitação verbal = um simples ofício é mais que suficiente, até mesmo um e-mail oriundo e recebido por computadores oficiais;
o que criticamos é que as informações sobre as movimentações financeiras sejam fornecidas, de forma parcial ou total, para órgãos de imprensa, tudo a indicar sem autorização - toda noite se tem ciência de uma parte de um relatório do Coaf (entendemos que isso é crime, mesmo que caindo na vala comum de 'divulgação de documento oficial sigiloso');
estranhamos que os 'vazamentos' ainda não tenham sido investigados e seus autores punidos.]
Não é bem assim. A lei brasileira permite a comunicação entre o Ministério Público e o Coaf, e questionamentos similares ao de Flávio foram rejeitados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Em 2017, ao julgar um caso de suspeita de lavagem de dinheiro envolvendo um jogador do São Paulo, o STJ decidiu que “o mero fato de o Ministério Público ter efetuado solicitação de manifestação do Coaf sobre eventuais irregularidades nas movimentações financeiras de pessoa investigada, por si só, não constitui, necessariamente, risco de obtenção de informações protegidas por sigilo fiscal e, portanto, independente de prévia autorização judicial”.
A decisão é dos ministros Felix Fischer e Reynaldo Soares da Fonseca. O relatório que o Coaf produz informa as movimentações bancárias suspeitas, o nome de eventuais depositantes, valores e datas, mas não trazem os extratos bancários, essenciais para uma ação judicial. No julgamento do STJ sobre o caso do jogador Iago, o Ministério Público paulista defendeu que as informações do Coaf não equivalem à quebra de sigilo: “A consulta ao Coaf não guarda qualquer relação com o sigilo bancário ou financeiro, pois através dela não se obtém extratos de instituições financeiras, informações que permanecem preservadas sem serem violadas, obtendo-se exclusivamente informação pertinente à inteligência financeira”.
Para ter acesso aos extratos dos bancos, aí sim o promotor ou procurador precisa pedir autorização para a Justiça. Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP e autor de um livro sobre lavagem de dinheiro em parceria com Pierpaolo Bottini, diz que relatório do Coaf não equivale à quebra de sigilo bancário. Ele ressalva que, pelo fato de Flávio Bolsonaro ser deputado estadual à época do pedido, o Ministério Público do Rio só pode pedir ao órgão informações adicionais sobre o parlamentar por meio do procurador-geral de Justiça. “Só o procurador-geral de Justiça do Rio pode investigar deputado estadual”, diz Badaró.
A investigação sobre o caso de Fabrício Queiroz, suspensa pelo Supremo, estava a cargo de um grupo designado pelo procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, para apurar suspeitas daqueles que têm foro especial. Heloisa Estellita, professora da escola de direito da Fundação Getulio Vargas, também afirma que o comunicado do Coaf, em si, não tem quebra de sigilo bancário. “A lei autoriza o Coaf a compartilhar as informações suspeitas com o Ministério Público. Não há violação de sigilo aí.”
Nem sempre o Coaf teve o poder de fazer relatórios com nomes e valores. Entre 1998, quando o órgão foi criado junto com a lei de lavagem de dinheiro, e 2001 os relatórios do órgão não traziam nomes, o que os tornava inúteis. As autoridades brasileiras perceberam que essa norma era um disparate em relação a outros países que tinham tradição de combate à lavagem, como os Estados Unidos. Em 2001, o Congresso brasileiro aprovou uma emenda à lei de lavagem que liberava o Coaf para incluir nomes e valores nos relatórios. O entendimento que prevaleceu é que as esferas da administração pública envolvidas no combate à lavagem (Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários e Coaf) podiam trocar informações sem passar por um juiz.
Essa mudança foi questionada no Supremo pelo PTB, que alegava ser inconstitucional a lei aprovada. Em 2016, a dúvida foi sanada de vez.
O ministro Dias Toffoli, relator do caso, defendeu que a declaração de inconstitucionalidade seria um retrocesso diante dos compromissos que o Brasil havia assumido com organismos internacionais como as Nações Unidas de combate à lavagem e essa posição foi vitoriosa, por nove votos a favor e dois contra. Foi considerada uma decisão histórica na luta contra a lavagem de dinheiro.
Supremo irá decidir sobre o caso
Na quinta (17), o ministro Luiz Fux, que está de plantão no STF, concedeu liminar (decisão provisória) suspendendo a investigação do Ministério Público do Rio, até que Marco Aurélio volte do recesso e decida sobre a competência da corte. A defesa de Flávio Bolsonaro argumenta que o Supremo tem de analisar se cabe assumir o caso, pois ele foi eleito e diplomado senador, tendo direito a foro especial em algumas investigações criminais.Além disso, sustentou que o Ministério Público produziu provas ilegalmente ao solicitar ao Coaf seus dados bancários depois de confirmada sua eleição e sem autorização judicial. A Promotoria, porém, pediu as informações sobre Flávio em 14 de dezembro e foi atendida no dia 17 —um dia antes de ele ter sido diplomado senador, o que pode enfraquecer essa alegação. Em entrevista ao Jornal da Record exibida na noite desta sexta (18), Flávio reiterou os argumentos usados contra o Ministério Público na petição acolhida pelo STF.
"Quando tive acesso aos autos, descobri o seguinte: que o Ministério Público já estava me investigando ocultamente desde meados do ano passado. E além disso, usando vários atos ilegais ao longo desse procedimento. E pior, descobri que meu sigilo bancário havia sido quebrado de foram ilegal."
Flávio afirmou à Record que é contra o foro especial, mas que o reivindicou ao STF para que fossem cumpridas as obrigações legais. "O STF é o único órgão que pode falar qual é o foro. Não estou me escondendo de nada nem defendendo foro privilegiado para mim. Vou onde tiver que ir para esclarecer qualquer coisa." A entrevista foi gravada antes de o Jornal Nacional, da TV Globo, mostrar que o relatório do Coaf apontou movimentações suspeitas de Flávio.
Segundo a reportagem, ele recebeu em sua conta bancária 48 depósitos em dinheiro entre junho e julho de 2017. Os 48 depósitos em espécie na conta do senador eleito foram feitos no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) sempre no valor de R$ 2.000.
Procurada, a defesa de Flávio Bolsonaro disse que irá se pronunciar em momento apropriado.
Folha de S. Paulo
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