Pai permissivo detesta enfrentar seus filhos. Desde muito cedo faz todos
os gostos dos meninos, mesmo quando racionalmente reconheça que deveria
agir de modo contrário. Teme que as crianças se irritem com a negativa,
façam uma cena e lhe tirem a tranquilidade. Esse homem é um egoísta que
não quer problema e faz qualquer concessão para evitar conflito. Seus
filhos são mimados e crescem com uma autonomia inadequada para suas
idades e capacidades cognitivas. São meninos-problema e serão
homens-problema. O pai permissivo é um covarde por natureza. No fundo, ele tem medo dos
filhos. No começo, é medo de se incomodar com o que julga ser bobagem, e
vai deixando os filhos agirem como bem entenderem. Com essa lógica
medrosa, permite que esses jovens cresçam sem controle e se tornem
homens que desrespeitam limites. Daí, o pai começa a ter medo físico dos
filhos.
Como o pai permite tudo, ou não se importa com nada, os filhos acabam
tendo seu desenvolvimento psicoemocional descompensado. Sua capacidade
de interagir em casa e na rua, sobretudo na rua, é balizada por essa
permissividade. Esses meninos ficam autoritários, brigões, não aceitam
não como resposta. Suas habilidades sociais são reduzidas, qualquer
faísca é capaz de provocar reações bruscas, burras e algumas vezes
brutais. Esses meninos são normalmente arrogantes. Acham que podem tudo, afinal
cresceram num ambiente em que tudo podiam. Muitos filhos de pais
permissivos já quebraram empresas que herdaram da família. Como qualquer
coisa que fizessem era abençoado pelo pai, envelheceram sem conhecer as
suas próprias limitações e, acreditando saber mais do que de fato
sabem, acabaram destruindo patrimônios. Esse é apenas um dos muitos
problemas de arrogância gerada desde o berço.
Se meninos mimados podem quebrar a empresa do pai permissivo, imaginem o
que serão capazes de fazer com uma nação se forem filhos do seu
presidente. O modo com que o filho Carlos Bolsonaro age no governo do
pai sugere ter tido esse tipo de criação permissiva. Ele faz o que lhe
dá na telha e que se danem os incomodados. E, pior, o pai passa a mão na
sua cabeça. No primeiro dia de governo aquela carona patética que pegou no
Rolls-Royce presidencial já mostrava até onde poderia ir. Um pai não
permissivo diria: “Sai daí, menino. Que bobagem é essa?” Mas, não, Jair
Bolsonaro fez nada e desfilou sorridente ao lado da mulher com aquela
criatura estranha sentada sobre o encosto do banco traseiro do carro.
O ataque ao ministro Gustavo Bebianno na véspera de o governo enviar ao
Congresso sua proposta de reforma da Previdência poderia ser tomado como
sinal de demência. Mas, na verdade, parece tratar-se da tão banal
quanto burra arrogância de filho de pai permissivo. E pior, se deu na
hora em que o presidente voltava para o Palácio, no momento de maior
tranquilidade de um governo que já havia começado conturbado com a
bagunça de outro filho.
É difícil acreditar que Carlos agiu orientado pelo pai. A menos que o
pai seja ainda mais cego e tapado que o filho. Não acredito. O fato é
que, graças a desenvoltura desmedida de uma pessoa que sempre pôde tudo,
o presidente Jair Bolsonaro se deixou engolfar por uma crise. Uma crise
criada por uma birra de um filho mimado.
Ascânio Seleme - O Globo
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