Ex-governador agora se dedica à terapia da palavra
Já foram mais de 800 dias encarcerado. Em tese, ainda restam 70.410 dias
para sair da cadeia. Aos 56 anos de idade, precisaria renascer por três
outras vidas para cumprir as condenações: 197 anos e 11 meses de
prisão. E vem mais aí, ele sabe. Tendo perdido a perspectiva de vida fora das grades, além dos US$ 100
milhões que escondeu no circuito bancário Nova York-Londres-Zurique, o
ex-governador Sérgio Cabral agora se dedica à terapia da palavra.
Resolveu aliviar a depressão, como fez Bertha Pappenheim, a “Anna O.” do
método catártico que Josef Breuer lapidou com Sigmund Freud em 1893 (as
conversas de Bertha e Breuer terminaram na cama). Ontem, Cabral passou o dia no presídio de Bangu conversando com
procuradores sobre um aspecto de seus 24 anos na política do Rio:
corrupção no Judiciário. Incitou-os na sexta-feira passada, em
depoimento solicitado por seu advogado.
O ex-governador disse que, como no Rio, a corrupção institucional se
espraiava pelos estados. “O senhor tem conhecimento ou acredita pela
experiência?”, quis saber o juiz, com uma ponta de ironia. “Parte
conhecimento, parte informação”, respondeu Cabral. Perguntado se
existiria uma “rede de proteção”, foi enfático: “Acredito. O Rio de
Janeiro não é diferente de Pernambuco, Rio Grande do Norte, da Paraíba,
do Amazonas, do Rio Grande do Sul...” Suspense na sala. “A proximidade entre os poderes contribui para que a
independência não seja efetiva?” Ouviu-se um seco “sim”. “Dificulta
investigações e facilita corrupção?” Seguiu lacônico: “Sem dúvida,
dificulta.”
O juiz insistiu: “Havia isso na sua época, como governador?” Cabral não
resistiu: “Havia. Inclusive, eu posso esclarecer ao Ministério Público
Federal o entendimento de uma empreiteira com o Judiciário.” O ex-governador do Rio se tornou o primeiro político a registrar em
juízo a disposição para contar e indicar provas de corrupção no
Judiciário, de que teria participado.
Ele parece ter encontrado na catarse uma forma de transcender as três
vidas que, em tese, ainda teria na cadeia. Sendo assim, fala Cabral!
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