A
reputação de uma instituição é a soma dos palavrões que ela é capaz de inspirar
nas esquinas. Em Guadalupe, na zona oeste do Rio de Janeiro, ocorre uma
incoerência: o Exército acha que é uma coisa e sua reputação nas esquinas é
outra. "O Exército matou meu filho", disse Aparecida Macedo, ao
enterrar nesta sexta-feira o filho Luciano Macedo Moraes. Trata-se do catador
de material reciclável alvejado pela mesma chuva de 83 tiros com que uma
patrulha do Exército executou o músico Evaldo Rosa.
Na véspera, o comandante militar do Sudeste, general Luiz Eduardo Ramos,
comentou as mortes do catador Luciano e do músico Evaldo. "Foi uma
fatalidade", disse o general, após participar de almoço com Jair
Bolsonaro, em São Paulo. "O pessoal tem colocado 'assassinatos', mas não
é", acrescentou o general. "Os soldados que estavam em missão tinham
sido emboscados. Quem, como eu, já teve numa situação dessa Tensão, é
difícil." Na semana passada, após cinco dias de silêncio, o próprio
Bolsonaro dissera: "O Exército não matou ninguém. O Exército é do povo. A
gente não pode acusar o povo de ser assassino." Para Bolsonaro, o que
houve foi "um incidente". Fatalidade, a palavra usada pelo general,
significa uma consequência inevitável do destino. Incidente, o vocábulo
empregado pelo capitão, é um fato que desempenha papel secundário, incidental.
As duas expressões desrespeitam a dor das famílias de Luciano e Evaldo.
Ironicamente, o catador Luciano morreu levando consigo uma noção sobre a
reputação do Exército que sua mãe já não consegue cultivar. Ao enterrar
Luciano, Aparecida relatou um diálogo que mantivera com ele: "Ainda falei
para ele: 'Vai fazer barraco aí?'. Ele disse: 'Fica calma coroa, o Exército
está ali. A gente está seguro'. O Exército matou meu filho. O Exército matou
meu filho", declarou Aparecida. Luciano morreu por ter tentado ajudar os
familiares de Evaldo, que estavam com o músico no carro que a patrulha do Exército
fuzilou. Ferido, ele não foi socorrido pelos soldados.
Hospitalizado, não
mereceu nenhuma atenção do Exército. Morto depois de duas cirurgias, tornou-se
uma fatalidade, um incidente. Gente que não tem nada a dizer, como o general
Luiz Ramos e o capitão Jair Bolsonaro, deveria se abster de demonstrar em
palavras a sua falta de respeito com os mortos. Só o Exército pode salvar a
reputação do Exército. Mas a instituição, com a ajuda de Bolsonaro, parece
determinada a assassinar também a própria imagem.
[dois assuntos dignos de destaque:
- já passa da hora do incidente lamentável ocorrido em Guadalupe e que resultou na morte de duas pessoas, ser deixado por conta da Justiça Militar que já está realizando com o acompanhamento do Ministério Público Militar e da Polícia Judiciária Militar as investigações cabíveis;
- como bem disse o general Luiz Eduardo Ramos, a situação de tensão dos soldados que estavam em missão e que tinham sido emboscados é algo que só quem viveu tal situação pode falar com autoridade - Freirice Forsyth é um excelente escritor, mas, nem ele consegue descrever tal situação;
- até que prove o contrário (não por palpites da Polícia Civil, que sequer deveria ter adentrado a cena do crime e se o fez foi se aproveitando das condições de tensão em que estavam os militares envolvidos, permitindo o ingresso de estranhos na cena do crime e até mesmo sua provável alteração, ainda que involuntária) não pode ser descartada a possibilidade do incidente ter como causa relevante alguma manobra do condutor do veículo envolvido;
de igual modo, a morte do catador Luciano pode ter sido consequência do mesmo, por inexperiência e também por espírito de solidariedade humana, decidiu entrar na área do incidente para socorrer a vítima quando tiros ainda eram disparados (algo também que será apurado).
Agora um assunto que deveria ser apurado, comentado e resultar em punição imediata do tagarela (demissão sumária, sem direito a sequer a famosa ressalva: ' a pedido'), é a indiscrição do boquirroto ainda ministro Lorenzoni, que sem atentar para a liturgia do cargo passa a prestar informações 'privilegiadas' para terceiros, no caso um caminhoneiro, diretamente envolvido no assunto discutido.
Certamente o dono do Blog e milhões de brasileiros ainda lembram do incidente havido com o ministro Ricupero no Governo Itamar Franco, também conhecido por 'escândalo da parabólica' e que resultou na demissão imediata do mesmo.
Lorenzoni já deveria ter sido demitido - além de tagarelar sobre assuntos de Estado, ainda o faz com parte interessada na questão.]
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