Toffoli e Moraes deveriam renunciar não só ao inquérito como aos próprios cargos
[sábias palavras; o recente açodamento e/ou a falta do saber jurídico desautoriza a permanência nos cargos.]
É uma semana que começa com o foco na reforma da Previdência, mas
dificilmente esquecerá a crise aberta com a ação dos ministros Toffoli e
Alexandre de Moraes. O inquérito aberto em março era visivelmente nulo. Digo visivelmente
porque até eu, que não sou especialista em leis, previa que seria
legalmente derrubado. Não deu outra. Raquel Dodge decidiu fulminá-lo. Não sei se ela podia decidir sozinha, ou se deveria passar pelo Supremo.
Sei apenas que os argumentos jurídicos dela apenas confirmam a
ilegalidade do inquérito. Para o leigo havia tantos equívocos
grosseiros, uma vez que todos sabemos que existem instituições para
conduzir o processo legal. Foi uma carteirada, escrevi na época. Surpreendi-me com o fato de dois
ministros articulados abrirem um inquérito e começar a fazer buscas e
apreensões até o desatino final em censurar a revista “Crusoé” e o site
“O Antagonista”.
Dizem que Toffoli não passou em concurso de juiz. Mas, pelo que vejo em
seus votos, tem cultura jurídica e certamente vai apresentá-la quando
tiver de defender sua escapada além dos limites democráticos, seu ato de
censura. O que sei apenas é analisar a qualidade política de sua decisão, como
presidente do Supremo Tribunal Federal. Nesses critérios, ele não
passaria num psicotécnico. A notícia que o constrangia acabou sendo multiplicada pelas emissoras de televisão e todos os jornais e rádio do país.
A notícia ainda um pouco nebulosa de que o amigo do amigo do pai nos
códigos de Marcelo Odebrecht não continha uma denúncia aberta de
corrupção. Ao investir autoritariamente sobre os veículos que a publicaram, Toffoli
estimulou também a desconfiança de que há algo importante a esconder. O pior desdobramento diante do qual acho que Toffoli deveria deixar a
presidência é, no fundo, essa disposição de fazer justiça com as
próprias mãos, de que despreza os mecanismos legais.
Num país onde nem todos são preparados para exercer sua autoridade, o
exemplo de Toffoli e Moraes é uma sinalização negativa. É um estímulo
aos pequenos tiranos, uma possibilidade até de multiplicá-los. No meio da semana, Toffoli e Moraes decidiram, apesar de Dodge, seguir com o inquérito por mais 90 dias. O interessante é como dois homens da elite fazem uma interpretação tão
distante do Brasil real. Tornaram-se uma piada nas redes onde se trocam
mensagens assim: por ordem do Supremo Tribunal Federal seu WhatsApp foi
bloqueado.
Talvez o tempo tenha passado rápido demais diante de Toffoli e Moraes.
Não perceberam que a liberdade de expressão tem um enorme potencial de
unir as pessoas. Nem se deram conta de que a transparência é a melhor maneira de lidar com denúncias, falsas ou verdadeiras. Na verdade criaram uma situação inesperada. Diante do resultado
eleitoral, o Supremo era visto como um poder moderador num sistema de
pesos e contrapesos.
O Supremo pulou a cerca. Fragilizou o jogo democrático. O aspecto
positivo de tudo isso foi a demonstração de um apoio amplo à liberdade
de expressão. Não só, como no passado, uma defesa do trabalho
jornalístico. Nos dias atuais, como todos têm a possibilidade de se expressar, a
liberdade de expressão é sentida mais diretamente como um direito
pessoal não apenas de receber notícias, mas de opinar.
Quando ministros do Supremo se transformam num guarda de esquina nem
sempre cuidadoso com os ritos democráticos, é sinal de que entramos numa
fase perigosa, e isso precisa ser tratado com seriedade. Toffoli e Moraes deveriam renunciar não só ao inquérito como aos
próprios cargos. Certamente não farão isso, mas serão apenas mais dois
fantasmas numa cidade onde já circulam tantos outros.
Unidos podem tentar transformar o país num grande fantasma do passado ,
um lugar das carteiradas, do sabe com quem está falando, do prendo e
mando prender, do comigo ninguém pode, do cala a boca que sou
autoridade. É difícil dizer para grandes juristas que estão delirando.
Espero que a realidade dos fatos cumpra esse papel. De preferência, o
mais rápido possível.
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