Não foi pelas armas que a Lava Jato rendeu muitos elogios e prestígio internacional
Não posso dizer que o ministro Sergio Moro me surpreenda, porque não o
conheço bem. Nem posso avaliar o êxito de sua escolha, pois o governo
apenas começa, apesar de tantos episódios cheios de som e fúria,
significando nada. Nos últimos meses, o Brasil vem reduzindo o número de assassinatos. A
queda foi de 12,5% em 2018. Leio que em fevereiro a queda dos
assassinatos no Ceará foi de 58%. Já analisei a situação do Ceará em
artigos anteriores. Parte da derrocada do crime se deve à suicida
ofensiva militar das facções. Derrotadas, tiveram de unir objetivos e
parou a matança mútua. [redução acentuada em todo o Brasil, apesar das medidas a favor da concessão aos BRASILEIRO DO BEM do acesso a meios para se defender dos bandidos;
o criminoso ser obrigado a considerar que existe a possibilidade - esperamos que no futuro mais real ainda - de sua possível futura vítima estar armada e reagir atua como fator dissuasório. Afinal, os bandidos preferem trabalhos mais leves, com menor risco.
No recente decreto facilitando o porte de armas, Bolsonaro acertou em cheio, o único erro - mais de seus assessores, foi deixar as portas abertas para a turma dos direitos humanos, dos DIREITOS DOS MANOS, ingressar com alegações de altamente prováveis inconstitucionalidades - um decreto jamais pode mudar uma lei, apesar dessa aberração ter ocorrido no governo da escarrada ex=presidente Dilma - no decreto que regulamenta a LEI DE ACESSO A INFORMAÇÃO - com o aval do ex-ministro Ayres Britto.]
Mas houve trabalho também por trás dessa redução. Do governo petista e
de Moro. Um dos fatores foi a apreensão rápida dos carros roubados,
graças às câmeras que identificam as placas e acionam o alarme. Carros
roubados são fundamentais em ações criminosas. Era o momento de dizer: o índice de assassinatos está caindo, é possível
reduzi-los, vamos discutir o que aconteceu e traçar os rumos do próximo
avanço.
Moro parece-me indiferente a esses dados. É provável que, no caso do
Ceará, exista um pequeno incômodo: o sucesso parcial se deve a um
trabalho conjunto com o governo petista. Reconhecer as vantagens de uma
ação republicana não repercute bem nas hostes radicais governistas. Mas,
no meu entender, existe outro fator que condena o pequeno sucesso ao
anonimato. Ele se deve também à tecnologia. Assim como em Guararema
(SP), são as câmeras que fazem o trabalho – um trabalho decisivo. Num governo preocupado com espingardas e trabucos, a grande expectativa é
a posse de armas para todos. O sucesso não interessa porque ele é
resultado do avanço tecnológico, não comprova a ideologia oficial que vê
nas armas a única salvação.
Moro assistiu meio constrangido à assinatura de um decreto claramente
ilegal para a liberação das armas. É uma espécie de estatuto próprio de
Bolsonaro, atropelando o Congresso e a lei. De que adianta ser ministro da Justiça e concordar com esse amadorismo
bélico? De certa forma, Moro lembra a obra mestra da literatura alemã:
Fausto, de Goethe. Bolsonaro sabe que Moro engole sapos no governo e tende a ser derrotado
no Congresso. E relembra a compensação para tantos transtornos: um lugar
no Supremo Tribunal Federal.
Com todo o respeito pelo Supremo e pelos juízes que querem chegar lá
como ápice de suas carreira, isso é um enredo modesto e provinciano diante das oportunidades que se abrem de construir uma eficaz política
de segurança pública no Brasil. As afirmações de Bolsonaro sobre o
compromisso de levar Moro ao Supremo, entre outras coisas, apenas
reduzem a dimensão do que parecia ser até para ele um tema de grande
importância. Isso sem contar o absurdo de indicar um ministro para o Supremo com mais
de um ano de antecedência, abstraindo as condições da Corte e os
potenciais candidatos, algo que só pode ser levado em conta no momento
da escolha.
Moro tem um pacote anticrime e se empenha em aprová-lo, o que acho
improvável em curto prazo e na integridade do texto. Mas isso não esgota
o trabalho. Há muita coisa a fazer no campo da segurança pública e nem
tudo está contido no pacote. Uma das coisas mais lamentáveis nos políticos é ocuparem um cargo
pensando em outro. Alguns são derrotados por causa disso. Outros escapam
pela tangente, como é o caso do governador de São Paulo. Essa história do Supremo acabou colocando Moro no mesmo patamar das
pessoas que estão fazendo de seus postos apenas uma espécie de alavanca
para o que consideram um salto maior.
E nem sempre consideram com precisão. De fato, seria uma bela carreira
começar como juiz no interior do Paraná, conduzir importantes processos e
conquistar ainda jovem uma cadeira no Supremo. Mas isso é um capítulo
do livro “pessoas que deram certo”, que realizaram seus sonhos. Muitos podem achar que a soma de pessoas que deram certo faz um país
vitorioso. Mas é um engano. É preciso um trabalho específico de
recuperação do Brasil, que independe de promoções, promessas
compensatórias.
Uma política de segurança pública é algo essencial. No entanto, apesar
de eleito com essa bandeira, Bolsonaro confia apenas nas armas e aponta
os dedos como se estivesse atirando. Ao seu lado, numa foto meio
patética, políticos e aspones apontam o dedo também como se estivessem
atirando. A base deixada por Temer e implementada por Jungmann precisa ser
desenvolvida. Visitei no Ceará um centro de informações que será vital
para o Nordeste. Agora foi inaugurado de vez. Inteligência e tecnologia,
aos poucos, vão transformando o caos na segurança pública em algo
administrável. Movidos por sua ideologia bélica, os dirigentes atuais seguem apontando
os dedos como se atirassem. Não há provas da eficácia dessa visão. É um
pouco como as cerimônias religiosas dos antigos para garantir a chuva e
fertilidade.
É preciso problematizar a solução pelas armas e Moro até agora não se
dispôs a fazê-lo. Não foi pelas armas que a Lava Jato rendeu muitos
elogios e prestígio internacional. Apoiei a operação por considerá-la a única capaz de desatar o nó da
impunidade no Brasil, unindo instituições, estabelecendo a cooperação
internacional, usando da melhor forma os recursos tecnológicos. Se
alguém me dissesse que o sonho de Moro era fazer tudo isso para ganhar
uma cadeira no Supremo Tribunal, perguntaria: mas só isso?
Moro decidiu entrar no governo para completar seu trabalho, uma vez que a
Lava Jato dependia de novas leis. Agora, corre o risco de retrocesso e
tudo o que lhe prometem é uma compensação, um cargo de ministro, uma
capa preta, lagosta com manteiga queimada, vinhos quatro vezes premiados
e espaço na TV para falas intermináveis. Mesmo o Doutor Fausto queria
mais.
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