Presidente do Sindicato Rural de Rio Maria (PA) foi assassinado no final da tarde de terça-feira passada
O presidente do Sindicato Rural de Rio Maria (PA), Carlos Cabral
Pereira, foi assassinado no final da tarde de terça-feira passada,
abatido com um tiro na cabeça quando voltava de moto para casa. Cabral é
o terceiro sindicalista morto na cidade desde 1985. Todos perderam a
vida em razão de questões fundiárias. Ele próprio já havia sido objeto
de um atentado, em 1991, quando foi alvejado na perna. Rio Maria fica na
região conhecida como Bico do Papagaio, que abrange o norte do
Tocantins, o leste do Pará e o sudoeste do Maranhão, onde se acumulam
histórias de violência no campo.
Apesar de ser parte de uma estatística macabra que comove o Brasil desde
1988, quando o seringueiro e sindicalista Chico Mendes foi assassinado
em Xapuri, no Acre, a morte de Cabral quase passou despercebida. Dos
poderes constituídos, apenas o Ministério Público Federal se manifestou.
Por dever de ofício, anunciou que vai acompanhar as investigações da
morte do sindicalista. Não se ouviu uma palavra sequer do presidente da
República ou de seus ministros da Justiça, da Agricultura e dos Direitos
Humanos. [na semana passada morreram assassinados mais de 500 pessoas - fato que, infelizmente, é rotina no Brasil;
o número elevado de mortes impede que o presidente da República e seus ministros se manifestem - por uma questão da tão decantada igualdade, teria que haver uma manifestação por cada morte ocorrida.]
De Jair Bolsonaro não devia se esperar qualquer manifestação mesmo. O
presidente defende um campo armado para que os proprietários possam
defender suas terras a bala. [o direito à propriedade é garantido pela Constituição e os proprietários podem e devem defender suas propriedade de invasores usando os meios necessários e eficazes.] Mas por que as ministras Damares Alves e
Tereza Cristina não se manifestaram? Damares é ministra da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos, e Tereza chefia a pasta da Agricultura.
Também nada se ouviu de Sergio Moro. Talvez porque o ex-juiz estivesse
no meio do seu inferno particular, que começou a arder no domingo com as
revelações de seus diálogos com o procurador Deltan Dallagnol.
O Estado brasileiro sempre se manifestou em assassinatos de outros
sindicalistas, líderes e ativistas rurais e religiosos, como o padre
Josino Tavares e a irmã Dorothy Stang. O governo mudou, o Estado mudou,
tem outro caráter. Mas o que se verificou agora, com a morte de Carlos
Cabral, é que ONGs também mudaram, assim como os partidos políticos que
sempre se posicionaram a favor do sindicalismo rural e, obviamente,
contra a violência no campo.
O PT praticamente ignorou o assassinato. Apenas o senador Paulo Rocha
(PT-PA) foi à tribuna falar. Talvez porque seja paraense como o
sindicalista morto. Mesmo assim, ele se referiu a dois fatos ocorridos
no seu estado no mesmo dia. Em primeiro lugar, segundo o portal Senado
Notícias, Rocha fez referência a uma ordem de despejo contra 212
famílias que ocupam fazendas em Eldorado dos Carajás. Só depois
referiuse ao sindicalista morto. Talvez o silêncio do PT deva-se ao fato
de Cabral ter apoiado Bolsonaro na eleição do ano passado.
De ONGs que apoiam trabalhadores rurais também pouco se ouviu nestes
últimos dias. Pode ser que estas organizações não tenham dado a atenção
que o caso merecia porque Carlos Cabral estava envolvido em uma ocupação
ilegal das terras indígenas dos apyterewa, que também estão invadidas
por outros grupos. Mas era uma ocupação coletiva, feita por
trabalhadores sem espaço para plantar. Sua morte pode estar ligada a
esta invasão.
Apesar de liderar trabalhadores sem-terra, somente o MST regional se
manifestou lamentando a morte de Carlos Cabral em nota assinada pela
“coordenação estadual” da organização no Pará. Não aparece nenhum nome
para se associar ao do ruralista morto. Da mesma forma, nenhuma palavra
se ouviu de João Pedro Stedile, o líder nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Outros tempos, outra orientação
política. Sete ruralistas foram assassinados na região de Rio Maria desde o início
do ano por questões fundiárias. [questões fundiárias é uma denominação que na maior parte das vezes disfarça a resistência de um proprietário aos invasores de sua terra.] O silêncio em torno dessas mortes é
quase profano.
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