Liminar que derrubou Alexandre Ramagem tem qualidades, mas traz também problemas por não se encerrar em si
No Brasil, em meio à polarização que vivemos nos últimos anos, é
normal que as pessoas analisem qualquer coisa de forma taxativa como
certa ou errada, independentemente de eventuais vícios que mesmo
decisões corretas podem ter. É o caso da decisão do ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a posse do
delegado Alexandre Ramagem na diretoria geral da Polícia Federal. A
decisão não é estapafúrdia como gritam os bolsonaristas, mas tampouco
perfeita como os adversários podem dizer.
Em primeiro lugar é bom dizer que, embora inusual, a suspensão de nomeações feitas pelo presidente da República acontece. Como já suficientemente lembrado, assim se deu com a indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Casa Civil, no governo de Dilma Rousseff, e na escolha de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho do governo de Michel Temer. Então, não tem razão o presidente ao dizer que tudo não passa de uma tentativa do STF de emparedá-lo criando uma crise institucional. Não é do que se trata.
De outro lado, é fato que a indicação do diretor da Polícia Federal é atribuição do presidente, e que uma eventual interferência de um ministro do Supremo nessa atribuição do Executivo só deve se dar em caso extremo e de forma muito bem embasada. Na decisão de Alexandre de Moraes, ele realça o desvio de finalidade da nomeação de Ramagem, que estaria exposta nas mensagens de Bolsonaro ao então ministro Sergio Moro, e no próprio discurso presidencial em que ele afirma que precisava tirar Valeixo pois queria alguém que lhe pudesse enviar relatórios de investigação e com quem ele pudesse falar diretamente.
Pois muito bem. A argumentação seria perfeita e completa para determinar que Valeixo pudesse continuar no cargo. Ocorre que obrigar um presidente a manter um auxiliar com quem não concorda seria ato autoritário demais. Então, a solução foi dizer que Ramagem, por ser amigo da família Bolsonaro, feria o princípio da impessoalidade e não poderia assumir a PF.
Só que isso deixa em aberto o debate da questão, de forma perigosa. Oras, se a argumentação se baseia nos motivos para a demissão de Valeixo, qualquer nome que Bolsonaro indicar poderá ser contestado. Haverá uma caça a cada detalhe da vida do sujeito para saber qual a ligação dele com o grupo no poder e, feito isso, uma análise absolutamente discricionária sobre se ele é ou não é compatível com a independência do cargo.
Além do mais, de nada impediria que Bolsonaro escolhesse um nome até então sem proximidade com seu núcleo familiar ou político e que fizesse com ele um acordo que privasse a PF da independência necessária. De modo que, como posta, a decisão interfere no poder presidencial sem qualquer garantia de eficácia. Também é preciso dizer, e nesse ponto concordo com o presidente, que o caso precisa ser levado rapidamente ao plenário para análise dos demais ministros. Pelo tamanho da decisão, que toma a caneta das mãos do presidente, ela deveria depender do voto dos 11 ministros da Corte. Alguns vão lembrar que o caso de Lula, por exemplo, só foi julgado três anos depois. Um erro, porém, não justifica outro.
Ricardo Corrêa, editor de política - O Tempo
Em primeiro lugar é bom dizer que, embora inusual, a suspensão de nomeações feitas pelo presidente da República acontece. Como já suficientemente lembrado, assim se deu com a indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Casa Civil, no governo de Dilma Rousseff, e na escolha de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho do governo de Michel Temer. Então, não tem razão o presidente ao dizer que tudo não passa de uma tentativa do STF de emparedá-lo criando uma crise institucional. Não é do que se trata.
De outro lado, é fato que a indicação do diretor da Polícia Federal é atribuição do presidente, e que uma eventual interferência de um ministro do Supremo nessa atribuição do Executivo só deve se dar em caso extremo e de forma muito bem embasada. Na decisão de Alexandre de Moraes, ele realça o desvio de finalidade da nomeação de Ramagem, que estaria exposta nas mensagens de Bolsonaro ao então ministro Sergio Moro, e no próprio discurso presidencial em que ele afirma que precisava tirar Valeixo pois queria alguém que lhe pudesse enviar relatórios de investigação e com quem ele pudesse falar diretamente.
Pois muito bem. A argumentação seria perfeita e completa para determinar que Valeixo pudesse continuar no cargo. Ocorre que obrigar um presidente a manter um auxiliar com quem não concorda seria ato autoritário demais. Então, a solução foi dizer que Ramagem, por ser amigo da família Bolsonaro, feria o princípio da impessoalidade e não poderia assumir a PF.
Só que isso deixa em aberto o debate da questão, de forma perigosa. Oras, se a argumentação se baseia nos motivos para a demissão de Valeixo, qualquer nome que Bolsonaro indicar poderá ser contestado. Haverá uma caça a cada detalhe da vida do sujeito para saber qual a ligação dele com o grupo no poder e, feito isso, uma análise absolutamente discricionária sobre se ele é ou não é compatível com a independência do cargo.
Além do mais, de nada impediria que Bolsonaro escolhesse um nome até então sem proximidade com seu núcleo familiar ou político e que fizesse com ele um acordo que privasse a PF da independência necessária. De modo que, como posta, a decisão interfere no poder presidencial sem qualquer garantia de eficácia. Também é preciso dizer, e nesse ponto concordo com o presidente, que o caso precisa ser levado rapidamente ao plenário para análise dos demais ministros. Pelo tamanho da decisão, que toma a caneta das mãos do presidente, ela deveria depender do voto dos 11 ministros da Corte. Alguns vão lembrar que o caso de Lula, por exemplo, só foi julgado três anos depois. Um erro, porém, não justifica outro.
Ricardo Corrêa, editor de política - O Tempo
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