As ações do Fed e a desvalorização do dólar deixam o BC brasileiro mais confortável para seguir reduzindo os juros
A catástrofe econômica provocada pelo coronavírus obrigará os EUA a
manter as taxas básicas de juros encostadas no zero pelo menos até 2022,
apontou ontem, por unanimidade de seus membros, o Federal Reserve. A
economia está afundando no segundo trimestre, embora haja sinais de que
deixou o fundo do poço, e o banco central manterá a alta dose de
estímulos dados, e se precisar, acrescentará outros para que o país
consiga fazer uma travessia que Jerome Powell, presidente do banco,
acredita que será “longa”, marcada por “um grau extraordinário de
incertezas”. Powell não fez qualquer menção, sequer hipotética, sobre
quando começaria a retirar o apoio monetário em curso, que poderia
motivar perigosa reversão de expectativas nos mercados de ações.
Pela primeira vez desde a pandemia o Fed apresentou projeções sobre o
desempenho econômico e o retrato é tão pessimista quanto ou até mais do
que as dos investidores. Para o Fed, os EUA vão se retrair 6,5% na
média, mas pode ser um pouco pior - as previsões variaram entre -5,5% e
-7,5%. Em 2021, a expectativa é de avanço de 5%. Uma pesquisa com 42
enquetes, feita pelo Fed da Filadélfia, indica que os analistas estão um
pouco mais otimistas que o banco central no curto prazo - recuo de 5,5%
- e menos no médio prazo, com o crescimento projetado de 2,2% a 4,1%
nos próximos três anos.
O desemprego não será revertido logo, na visão dos membros do Fed.
“Saímos da taxa mais baixa em 50 anos para a maior em 90 anos”,
ressaltou Powell. O desemprego deve fechar o ano em 9,3%, cair para 6,5%
em 2021, 5,5% no ano seguinte e 4,1 em 2022. A inflação, no índice
cheio, fica abaixo de 1% agora (0,8%) e só chega à meta de 2% em 2022.
Com isso, a taxa de juros se arrasta em 0,1% pelo menos até lá, quando
apenas dois dos 17 membros do Fed acreditam que precisará ser elevada.
A dose cavalar de medidas monetárias, maior do que na crise de 2008,
conseguiu fazer melhorar a oferta de crédito na economia, após o choque
da parada súbita. O balanço do Fed ultrapassa US$ 6 trilhões - e pode
chegar aos US$ 9 trilhões. Condições financeiras mais folgadas foram o
único efeito positivo perceptível no comunicado do banco após a reunião.
A pandemia atua “pesadamente” sobre a atividade econômica, afirma o
Fed, e traz “consideráveis riscos para a perspectiva econômica no médio
prazo”. O tamanho do tombo dado pela pandemia em várias frentes é inédito. A
oferta de crédito anualizada recuou 19,5% em abril, com encolhimento de
US$ 825,4 bilhões, ante um estoque de US$ 4,13 trilhões. A produção
industrial no mesmo mês diminuiu 11,2%, a maior queda em 101 anos.
Diante disso, Powell reafirmou, sem meio tons, que o Fed “estará
fortemente empenhado” em usar todos os instrumentos de que dispõe, no
montante de recursos que for preciso e “pelo tempo que for necessário
para que a recuperação da economia seja a mais robusta possível”. A
dúvida sobre se o banco indicaria uma meta para a injeção de recursos
foi esclarecida: segundo Powell, seu piso será pelo menos o montante
atual (US$ 80 bilhões de títulos do Tesouro, US$ 40 bilhões em títulos
lastreados em hipotecas, mensalmente), e pode ser aumentada se houver
necessidade.
Powell enfatizou várias vezes que neste ambiente “extraordinariamente
incerto” o trabalho do Fed será fazer de tudo para evitar “danos
permanentes” no potencial de crescimento do país. Daí a rede
extraordinária de apoio a empresas, cujo último instrumento, remodelado,
é o “Main Street”, destinado a pequenas empresas, no qual o Fed bancará
95% do risco, com prazos de carência para pagamentos de juros e
principal ampliados, que se estendem por 5 anos. O Fed estuda incluir
neles as Ongs. Powell acredita que tudo vai dar certo. “Vamos superar
isso”, disse.
O presidente do Fed pôs a queda do desemprego em maio e a forte alta das
bolsas na qualificação de “imprevisíveis”. Após a reunião, os mercados
acionários nos EUA recuaram (exceto Nasdaq), enquanto o dólar se
desvalorizou. Ante os dados atuais, as ações podem ter poucos motivos
para subir, e os investidores algumas razões para realizar lucros. No
entanto, os juros ficarão por muito tempo a 0% e o dólar perde ímpeto
até que a economia americana dê sinais de renovada vitalidade,
possivelmente no terceiro trimestre. As ações do Fed e a desvalorização do dólar deixam o BC brasileiro mais
confortável para seguir reduzindo os juros, depois que o IPCA de maio
consolidou um quadro de deflação de 0,16% nos cinco primeiros meses do
ano.
Editorial - Valor Econômico
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