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domingo, 15 de novembro de 2020

Tempestade numa proveta - Elio Gaspari

 Folha de S. Paulo - O Globo

Um dia se saberá o que aconteceu na Anvisa entre as 15h e as 21h25m de segunda-feira, quando ela suspendeu os estudos clínicos que avaliavam a Coronavac

Instituto Butantan alertou no dia 6 de novembro que morte de voluntário não tinha a ver com o teste da vacina

Uma rede de computadores fora do ar e uma comemoração de Jair Bolsonaro transformaram um suicídio numa lastimável tempestade de proveta. [a rede de computadores fora do ar é FATO - tendo em vista invasão por hackers a diversos computadores - no DF algumas empresas do GDF para não deixar o público sem acesso aos seus serviços, tiveram que migrar do .gov.br para o .com.br;
A regra na pandemia tem sido a de seguir a ciência, os protocolos científicos e os especialistas (a estes fazemos restrições, nunca acertam nada). A ciência e os protocolos científicos estabelecem que em testes de medicamentos, especialmente vacinas, qualquer ocorrência anômala com um voluntário no programa de testes, deve implicar na imediata suspensão do programa, até que se tenha definição do que ocasionou o evento - no caso a morte de um voluntário. 
É regra, é um protocolo e tem que ser seguido - seja pela vacina do Doria, "adido comercial da China", ou um vacina defendida pelo presidente Bolsonaro (a verdade tem que ser destacada: o capitão não defende nenhuma, o que impede que o considerem adido comercial de algum país.)
 
A informação de suicídio foi atribuída a fontes policiais, burocráticas  - identificar causa mortis é competência do IML, após autópsia, especialmente não havendo marcas exteriores no cadáver - portanto, sem credibilidade oficial. 
A Anvisa agiu corretamente: evento adverso grave é causa determinante de imediata suspensão até que sejam apuradas as causas reais - caso tenham relação com os testes, mantém-se a suspensão até posteriores estudos; não havendo relação, cancela-se a proibição.
São os FATOS e por eles é que a Anvisa será avaliada. 
Nos parece que o médico Jorge Venâncio exorbitou de sua competência. ]

A polícia achou o corpo do voluntário na tarde de 29 de outubro. No dia seguinte, uma sexta-feira, o centro de pesquisas do Hospital das Clínicas informou à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep, e ao Instituto Butantan. O médico Jorge Venâncio, coordenador da Conep, disse à repórter Constança Tasch que conversou com pesquisadores “duas vezes por dia” e decidiu não suspender os testes. Ele explicou o motivo: “O voluntário tomou a segunda dose da vacina 22 dias antes, não tinha nenhum problema de saúde e chegou a fazer um check-up particular, com uma batelada de exames, pouco depois.”

Numa outra pista, correu a notificação do Instituto Butantan à Anvisa. Ela foi emitida no dia 6 de novembro, informando na sua parte conclusiva que a morte do voluntário não tinha a ver com o teste da vacina. [o Butantan é respeitado pelas vacinas que produz, especialmente o soro antiofídico, mas não é credenciado legalmente para realizar autópsias.] Segundo a Agência, seu sistema de computadores estava fora do ar e a comunicação do dia 6 não havia sido lida. Às 15h do dia 9, segunda-feira da semana passada, a Anvisa pediu ao Butantan informações sobre os “eventos adversos graves inesperados” ocorridos desde 30 de outubro.

Segundo uma cronologia divulgada pelo Butantan, às 18h13m o pedido foi reiterado e 11 minutos depois as informações que haviam sido mandadas no dia 6 foram reenviadas. Os fatos que subsidiaram a decisão da Conep estavam todos lá. Só faltava a palavra suicídio. Segundo uma linha do tempo da Anvisa, ela chegou “sem nenhum detalhe”. Às 20h47m a Anvisa convocou a equipe do Butantan para uma reunião de emergência no dia seguinte, sem agenda especificada.

No entanto, 13 minutos depois, em outra mensagem a Anvisa suspendeu os testes daquilo que Bolsonaro chama de “a vacina chinesa do governador João Doria”.  Às 21h25m a Anvisa informou que suspendera os estudos clínicos da Coronavac. Por motivos que podem ser compreensíveis, durante três dias a Anvisa ficou fora do lance, mas, como ela revelou, sabia “por meio de contato informal com o Ministério da Saúde e com a Conep” que um “evento adverso grave teria ocorrido”. Entre as 15h e as 21h25m criou-se uma crise sanitária, alavancada no dia seguinte pelo capitão, que viu na sua decisão “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Na sua entrevista de terça-feira o contra-almirante Antonio Barra Nunes, que é médico, repetiu à exaustão que fez tudo de acordo com o manual e que a decisão foi dos técnicos, funcionários de carreira. O diretor do Butantan, Dimas Covas [cabo eleitoral do Doria, demissível 'ad nutum']. reclamou: “Um telefonema teria resolvido”. Juntando-se as peças, a Anvisa revelou que soubera “informalmente” da ocorrência de um “evento”. Ela, que estivera fora do ar, decidiu suspender os testes sem não falar com o Butantan e muito menos com a Conep, que avaliara o caso. Barra Nunes fez tudo pelo manual, que não prevê telefonemas. 

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Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, colunista

 

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