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sexta-feira, 11 de novembro de 2022
A novilíngua da transição - Revista Oeste
Augusto Nunes
Fake news de bom tamanho é a história da Folha contada pelo próprio jornal
A
velocidade com que foi servida avisa que a metamorfose estava no forno
faz tempo —provavelmente, desde o fim do primeiro turno. E as mudanças
foram produzidas para que tudo ficasse essencialmente igual, informaram
as edições da Folha de S.Paulo já na primeira semana de novembro.
Até 30 de outubro, o jornal fez o diabo para que Luiz Inácio Lula da
Silva vencesse o duelo travado com Jair Bolsonaro.
Agora, faz o que pode
e o que é proibido para garantir ao ex-presidiárioque promoveu a gênio
da raça uma posse de monarca e um majestoso início de mandato— o
terceiro e certamente o último. Para facilitar as coisas, o jornal luta
para varrer da face do país Jair Bolsonaro e seus mais de 58,2 milhões
de eleitores.
Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Aos olhos de quem preza o convívio dos contrários, essa imensidão de gente equivale à metade dos brasileiros habilitados a escolher diretamente qualquer dos candidatos à Presidência da República(e tem todo o direito de fazer o que lhe der na telha).
Na cabeça despótica da seita que se lixa para o Mensalão e o Petrolão, fora o resto, os inimigos encarnam o que há de mais tenebroso no planeta:o bolsonarismo, que seria o fascismo em sua versão mais medonha.
Pertencem a uma subespécie que apoia o vírus chinês, o negacionismo científico, o negacionismo eleitoral, o golpismo, a distribuição de armas entre bebês de colo, a misoginia, a homofobia, o machismo, a canonização dos milicianos homicidas, a proclamação da escravatura.
Um bolsonarista merece prisão perpétua. E Jair Bolsonaro não merece menos que a morte.[já tentaram e se houver chance tentarão de novo]
É com isso que sonham publicamente dois colunistas da Folha.Os demais torcem para que o sonho se concretize.
Não existe no bunker do jornal alguém que se atreva a digitar um único e escasso circunflexo que pareça favorável a Bolsonaro.
Se algum distraído de nascença entrar nesse campo minado, e sussurrar algo semelhante às falas do contraponto imposto pelo PT e pelo TSE à Jovem Pan, não escapará do linchamento ao som do Lula Lá.
Os militantes acampados nas páginas do jornal defendem sem disfarces a censura à imprensa.
Liberdade de expressão não se aplica à desinformação, miam os democratas de picadeiro.
Sem explicações aos leitores, o jornal substituiu “Orçamento secreto” por “emendas do relator” no dia em que Lula topou manter a gastança intocada
Há semanas, um editorialista desavisado pediu a Lula que revelasse logo o nome de quem será seu ministro da Economia.
Foi repreendido pelo ombudsman.
Incomodar com tal cobrança a reencarnação de Nelson Mandela, comparou um colunista, é como exigir do técnico espanhol Pep Guardiola que divulgue antes do jogo a escalação do time.
Guardiola, que aliás costuma antecipar os nomes de quem jogará, jamais promoveria a capitão da equipe um José Dirceu, como fez Lula no primeiro mandato.
Só jornalistas de baixíssimo calibre poderiam parir as mudanças que aperfeiçoaram a novilíngua da transição.
Até o fim de outubro, por exemplo, o atual presidente foi chicoteado por um aluvião de vogais e consoantes que lhe atribuíam a paternidade do crime de lesa-pátria: o “Orçamento secreto”, como a Folha sempre denominou o bilionário balaio de verbas distribuídas entre parlamentares pelo relator do Orçamento da União. Sem explicações aos leitores, sem sequer uma nota na seção Erramos, o jornal substituiu “Orçamento secreto” por “emendas do relator” no dia em que Lula topou manter a gastança intocada em troca da ampliação do bando de parceiros na Câmara Federal.
Também subitamente a “PEC Kamicaze” virou “PEC da Transição”. O conteúdo é o mesmo: trata-se de um conjunto de medidas destinadas a bancar despesas adicionais sem que o governo se exponha a punições reservadas a quem ultrapassa o teto de gastos. O nome mudou depois que os dribles nas restrições legais ganharam a benção do presidente eleito.Lula é um estadista. Quem rima com kamicaze é Bolsonaro.
Tanto assim que nunca inspira manifestações de rua promovidas por seus eleitores. Na visão estrábica da Folha, ocorrem invariavelmente “atos antidemocráticos”, ou “mobilizações de viés golpista”.
Também por isso, teve o mandato encurtado por outra invencionice dos linguistas de galinheiroque abundam na turma pautada por Alexandre de Moraes. Bolsonaro deixou de ser um presidente no exercício do cargo. Foi rebaixado a “incumbente”. Aprendi no dicionário que o palavrão quer dizer “titular de um cargo político”. Há um outro significado: “Algo que se inclina para baixo”. Foi decerto a segunda acepção que apressou sua anexação ao repertório vocabular do matutinocuja tiragem diária agoniza pouco acima de 60 mil exemplares.
“Combater fake news não é censura”, recitam de meia em meia hora os reinventores da imprensa. E só é considerado jornalista quem milita na Folha ou em redações controladas por esquerdistas que confundem O Capital com Brasília. Os outros são blogueiros bolsonaristas, apresentadores bolsonaristas ou difusores de mentiras a serviço do Gabinete do Ódio.
Merecem o silêncio ordenado por Alexandre de Moraes e seus Vigilantes da Suprema Verdade. Devem ser banidos das redes sociais, como exige a “agência de checagem” criada pelo jornal em adiantado estado de decomposição. É preciso exterminar a qualquer preço os propagadores de mentiras. Haja cinismo: uma das maiores fake news difundidas desde Gutenberg é a história da Folha contada pela Folha.
Nessa versão de Sessão da Tarde, o jornal nasceu de verdade em março de 1983, no primeiro comício da campanha das Diretas Já, que reivindicava a volta da eleição do presidente da República pelo voto popular. Essa fantasia conveniente apaga o passado sombrio da empresa surgida há 100 anos. Desaparece, por exemplo, a fortuna extraída do terminal rodoviário instalado ilegalmente numa praça de São Paulo.Somem os veículos cedidos aos órgãos de repressão política pelo diretor de um vespertino pertencente ao mesmo grupo empresarial. E são enterrados em cova rasa fatos que deixariam envergonhado o mais inescrupuloso rufião da Boca do Lixo.
A Folhaacaba de noticiar com o distanciamento de quem registra uma queda de temperatura no Alasca a proposta apresentada a Lula por Alexandre de Moraes:o ministro acha indispensável a aprovação, em regime de urgência urgentíssima, de um projeto de lei que submeta à censura o Google e outros espaços da internet.
O fairplay faz sentido. Entre 1968 e 1975, a revista Veja, o Estadão e o Jornal do Brasil enfrentaram com bravura, altivez e inventividade a censura praticada por censores federais numa sala da redação. A Folha nunca soube o que é isso. Graças à autocensura praticada pelos próprios jornalistas, nunca foi publicada uma única vírgula que aborrecesse os donos do poder.
É o que acontecerá se as algemas que ameaçam a internet se estenderem a toda a imprensa. A Folha não vai precisar de censores externos. Os editores serão mais eficientes.
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