Na nossa história recente, o criminoso que aflige a sociedade é amplamente protegido por um certo garantismo penal que se generalizou no Judiciário. Estranhamente, porém, o mesmo garantismo não se aplica ao cidadão que se manifesta, pacificamente, de um modo que desagrada o Estado.
No Brasil,
nada é mais realista do que o completo absurdo, caro leitor. Nesta terra
de bandido solto, com mandato, decidindo sobre nossas vidas e acesso
aos recursos públicos, disparate é a sensatez! Mais dia, menos dia,
vamos colocar tornozeleira na Polícia, algemar os promotores e
estabelecer quota máxima de sentenças condenatórias por magistrado.
Excedo-me na ironia?
Toda vez que
passo na rua por um desses pobres catadores de papel que, como se fossem
animais de tração, puxam as próprias cargas para os locais de
reciclagem, me vem à mente a questão da criminalidade.
A mesa do catador
é escassa, o agasalho pouco, a habitação precária, a vila não é salubre
e o trabalho duríssimo.
Ao lado, bem perto, operam traficantes e suas
redes. Têm do bom e do melhor. Mas ele segue puxando seus fardos e
contando centavos porque prefere ganhar a vida trabalhando.
Combater a
criminalidade, agilizar os processos, eliminar a impunidade e endurecer
as penas é sinal de respeito a essa referência moral emergente no país! É
por ele, pelo catador de papel, que escrevo este artigo. E também
porque sou portador de uma anomalia que me faz ser a favor da sociedade,
desconfiar do Estado e me opor à bandidagem.
No entanto, a
cada dia, aumenta o número daqueles que estendem o dedo duro para nós, o
povo, indigitando-nos como principais culpados pelos males que a
insegurança nos impõe.
Nós, você e eu, leitor, seríamos vítimas da nossa
própria perversidade e os grandes responsáveis, tanto pela situação do
papeleiro quanto pela opção do traficante, do ladrão, do assaltante, do
homicida e até dos corruptos porque muitos de nós os elegem, sabendo ou
não sabendo.
Por isso, falando em nome de muitos, de poucos ou apenas
no meu próprio, gostaria de conhecer a natureza do delito que nos
imputam, dado que estamos sendo novamente desarmados pelas exigências
que cercam a posse de qualquer arma, encarcerados por grades de proteção
e temos as mãos contidas pelas algemas da impotência cívica. Nós só
queremos que nos permitam progressão para o semiaberto, puxa vida!
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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