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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A confissão de Toffoli - Editorial

Gazeta do Povo

Quase um ano e meio depois de afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) atua como “editor de uma nação inteira” no abusivo inquérito das fake news, o ministro Dias Toffoli atribuiu uma nova função à corte e que, assim como a de “editor”, não vem nem das leis, nem da vontade popular. Durante o 9.º Fórum Jurídico de Lisboa, o ex-presidente do Supremo afirmou que hoje o Brasil vive um “semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”.

A discussão sobre semipresidencialismo – um sistema em que o presidente da República divide formalmente poderes com o Legislativo, embora não a ponto de se falar na adoção do parlamentarismo – já vem de alguns anos e sempre retorna quando se observam impasses entre poderes, especialmente entre Executivo e Legislativo. Se há a constatação de que o Brasil de hoje já funciona em parte de modo semipresidencialista, é porque a Constituição de 1988, embora afirme que o Brasil é uma república presidencialista escolha ratificada pela população no plebiscito de 1993 –, teve entre seus redatores muitos adeptos do parlamentarismo, e que acabaram deixando sementes espalhadas pelo texto constitucional. Resultado disso é o dito “presidencialismo de coalizão”, em que o governante de turno precisa montar uma maioria parlamentar à base de muitas negociações, nas quais se recorre ao fisiologismo e à corrupção pura e simples. O que mais assusta na frase de Toffoli, no entanto, não é a menção à solução fora de lugar representada pelo semipresidencialismo, mas a um papel que o Supremo concedeu a si mesmo ao arrepio de qualquer previsão legal.

O passado recente bem demonstra a que ponto o Supremo se arrogou o papel de “superpoder”

Não existepoder moderador” de nenhum tipo no Brasil, e quem o afirma é o próprio Supremo. Em 2020, a corte havia sido chamada a esclarecer o papel das Forças Armadas na ordem institucional brasileira, e em liminar o ministro Luiz Fux (hoje presidente da corte) afirmou expressamente queinexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização. O conceito de poder moderador, fundado nas teses de Benjamin Constant sobre a quadripartição dos poderes, foi adotado apenas na Constituição Imperial outorgada em 1824. Na conformação imperial, esse quarto Poder encontrava-se em posição privilegiada em relação aos demais, a eles não se submetendo. 
No entanto, nenhuma Constituição republicana, a começar pela de 1891, instituiu o Poder Moderador. 
Seguindo essa mesma linha e inspirada no modelo tripartite, a Constituição de 1988 adotou o princípio da separação de poderes, que impõe a cada um deles comedimento, autolimitação e defesa contra o arbítrio, o que apenas se obtém a partir da interação de um Poder com os demais, por meio dos mecanismos institucionais de checks and balances [freios e contrapesos] expressamente previstos na Constituição”.

Mais adiante, na mesma liminar, Fux afirma que “considerar as Forças Armadas como um ‘poder moderador’ significaria considerar o Poder Executivo um superpoder, acima dos demais”; ora, se é assim, não estaria Toffoli querendo fazer do Supremo esse “superpoder, acima dos demais”? E podemos perguntar mais ainda: não estaria o STF realmente agindo desta forma, acima dos demais poderes e acima das próprias leis, extrapolando completamente o seu papel de guardião e intérprete da Constituição Federal?

 
VEJA TAMBÉM:     Supremo sem freios (editorial de 14 de agosto de 2021)
    O apagão da liberdade de expressão no Brasil (editorial de 30 de agosto de 2021)
    A insegurança jurídica e o descrédito do Supremo (editorial de 11 de março de 2021)
    Vergonha para o STF, luto para o Brasil (editorial de 23 de março de 2021)


O passado recente bem demonstra a que ponto o Supremo se arrogou o papel de “superpoder”. Não bastando as inúmeras e constantes interferências nas funções dos poderes Executivo e Legislativo, a corte vem rasgando a Constituição e as leis ao promover um apagão da liberdade de expressão no Brasil, instaurar inquéritos abusivos nos quais o devido processo legal é ignorado, criar crimes sem previsão legal (como na recente equiparação da homofobia ao racismo), anular processos e decisões judiciais realizadas em completo respeito às leis penais e processuais, e inventar suspeições. Como afirmamos neste espaço em março de 2021, “quando a Constituição, a lei, a jurisprudência, os princípios legais e a coisa julgada são ignorados, entra em ação o voluntarismo. Já não existe uma única Constituição, mas tantas Constituições quanto magistrados.  
Já não existe jurisprudência, mas apenas as convicções e as conveniências de cada julgador. E, no Brasil atual, poucas instituições têm representado esse caos judicial de forma tão intensa quanto aquela que deveria ser a principal guardiã da Carta Magna e da segurança jurídica”.
 
A confissão de Toffoli pode fazer corar Montesquieu, o grande teórico iluminista da tripartição de poderes, mas já fora prevista muitos séculos antes pelo poeta romano Juvenal, que nas suas Sátiras questionava: quis custodiet ipsos custodes?, o que poderia ser traduzido como “quem vigia os vigilantes?”, ou “quem guardará os guardiões?”.  
Sem os limites que o bom uso dos freios e contrapesos traria, a tendência dos ministros do Supremo é realmente se tornarem um superpoder que decide como bem entende, sem ter de prestar contas a ninguém. E então a ressalva de que “presidir o Brasil não é fácil” soa ainda mais sarcástica, já que agir como um superpoder, decidindo como se bem entender, sem precisar negociar nada com ninguém ou sem prestar atenção a lei alguma, é a coisa mais fácil que há.


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Editorial - Gazeta do Povo


sexta-feira, 17 de julho de 2020

O Supremo Tribunal Federal e o consequencialismo jurídico - O Estado de S.Paulo - Ives Gandra da Silva Martins


Tem-se discutido ultimamente com mais intensidade quais seriam os limites da atuação da Suprema Corte no Estado Democrático de Direito brasileiro, ou seja, se seria um superpoder com o direito de impor suas decisões mesmo além dos limites definidos pela Lei Maior, ou se seria um Poder como os demais, submetidos às atribuições outorgadas pela Carta da República.

Corrente doutrinária do Direito Constitucional que ganhou força nas universidades, nas instituições de classe e no Poder Judiciário tem hospedado vertente de pensamento segundo a qual o século 19, com a introdução do parlamentarismo inglês de 1689 em muitos países europeus e no Segundo Império brasileiro, foi o século do Poder Legislativo; o século 20 foi o século do Poder Executivo; e o século 21 será o do Poder Judiciário, à luz do denominado princípio consequencialista.


Por consequencialismo entende-se a adaptação das decisões às suas consequências na realidade para as quais são destinadas, com flexibilização do entendimento teleológico das normas, na busca de uma justiça transcendente. O neoconstitucionalismo trilha linha semelhante, ao admitir uma relativização do texto a ser examinado pelo Judiciário com considerável margem para a busca da justiça dentro desse quadro alargado da hermenêutica.

Tanto o consequencialismo quanto o neoconstitucionalismo provocam uma politização do Judiciário que, não poucas vezes, invade competências próprias de outros Poderes, com a judicialização da política, levando as correntes minoritárias a buscar no Judiciário forma de suprir sua incapacidade de fazer prevalecer suas opiniões ou ideologias. Quanto mais o Judiciário age politicamente, tanto mais os políticos buscam o Judiciário para utilizá-lo como instrumento contra suas derrotas no Legislativo ou no Executivo.

Pessoalmente, entendo que a Constituição de 1988 não albergou nenhuma dessas formas de ação do Poder Judiciário, como de resto em artigos e livros tenho procurado demonstrar, embora reconhecendo que com limitado êxito.Um exame mais detido do texto constitucional demonstra que a Lei Superior brasileira tem claros e escuros, princípios constitucionais relevantes, normas e regras sem densidade constitucional, excessiva generalização, adiposidade desnecessária e um longo rol de disposições que se pretendia fossem de aplicação imediata, embora de difícil implantação.

Dois pontos, todavia, tornaram-se importantes no novo texto da Carta da República: o equilíbrio entre os Poderes, desejado pelo constituinte, e a inserção de uma lista apreciável de garantias e direitos individuais. Esses pontos passaram a balizar o comportamento dos Poderes a partir de 1988. Acontece, todavia, que desde 2003quando, num único mês, três ministros que marcaram história na Suprema Corte se aposentaram: Moreira Alves, Sydney Sanches e Ilmar Galvão – a Suprema Corte perdeu aquela característica de um colegiado com a função maior de ser o guardião da Constituição e a função decorrencial de dar estabilidade às instituições.

Nada obstante a qualidade indiscutível de todos os seus integrantes, o protagonismo individual que assumiram passou a permear muitas decisões, promovendo o avanço da insegurança jurídica, sempre que a competência de atribuições de outros Poderes foi invadida. Com isso, a comunidade jurídica encontra-se permanentemente em suspenso, temerosa de que, em algum momento, tal invasão venha a deflagrar um conflito que resulte no acionamento dos freios e contrafreios expostos no texto supremo.

Acresce que o Ministério Público que não é Poder –, nada obstante o nível e a qualidade de seus membros, tem, muitas vezes, envergado vestes próprias de um Poder, causando, também, instabilidade, visto que o parquet é apenas uma função essencial à administração da justiça, como o é a advocacia. À evidência, manter quadros institucionais em que os representantes dos três Poderes, em vez de agirem com harmonia e independência entre si, invadem competências uns dos outros, deixa desprotegidos os direitos individuais, que deveriam ser assegurados na tríplice função montesquiana de respeito entre os três Poderes. Ficam tais direitos e garantias, repetidas vezes, tisnados, principalmente o direito de defesa, cada vez mais atingido na sofrida República brasileira, que deveria nele ter o alicerce maior da democracia.

É de lembrar que o artigo 1.º da Constituição federal declara que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e o 2.º, que os Poderes são harmônicos e independentes. São os dois primeiros artigos que fundamentam os oito títulos, as Disposições Gerais e Transitórias e as 112 emendas constitucionais do processo revisional e ordinário. Uma democracia só é plena se cada Poder, no âmbito de suas atribuições, cumprir sua missão com pleno respeito às competências alheias, colaborando com a sociedade na construção de uma nação poderosa e estável institucionalmente. E, na minha opinião, o consequencialismo jurídico não foi albergado pela nossa Lei Suprema.

 Ives Gandra da Silva Martins, jurista - professor da ECEME e ESG - O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Papai, quero ser juiz do Supremo - Folha de S. Paulo

Vinicius Mota

Quem tem mais poder: Super-Homem ou um ministro do STF do Brasil?

Quem tem mais poder: Super-Homem, Thor, Mulher Maravillha, Aquaman ou um ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil? A presidente da República nomeia um político para o ministério, mas um juiz da corte desfaz o ato numa canetada. O Congresso aprova um projeto nas duas Casas, arregimentando maiorias, e o chefe de Estado o sanciona, mas o super-herói da capa preta é capaz de suspender a norma numa fração de segundo. Sozinho. E que tal impedir jornalistas de entrevistar um político preso? Ele pode. Sentar sobre um processo o quanto quiser, até que o clima esteja bom para o resultado que deseja? Pode. Inventar o impeachment sem perda de direitos? Sim, senhor.

O herói plenipotenciário também excele na conversa e tentará nos convencer de que nunca age por iniciativa própria. Só quando provocado. Não tem faltado provocador sobre tudo quanto é assunto, no entanto. De uns tempos para cá, apareceu um novo superpoder, o da autoprovocação. O presidente da Casa quis investigar fake news contra os membros da corte, mas não confiava na via normal de acionar o Ministério Público. Então designou ele mesmo um colega para tocar o inquérito.

Raios, trovões, tornados e terremotos começam a jorrar do dispositivo, que está para as prerrogativas judiciais quase como as joias do infinito estão para Thanos na série dos Vingadores. Ai de quem publique algo desabonador sobre nossos heróis. Corre o risco de ser censurado. Outra tendência na Liga da Justiça do cerrado é o supremo ministro requisitar informações sensíveis da República que circulem por aí. Foi assim com os arquivos dos hackers da Lava Jato e, agora, com os dados sigilosos de transações financeiras de 600 mil pessoas do antigo Coaf.

É a capacidade de enxergar o que ocorre em outras dimensões, invisíveis ao mortal comum, que se agrega às habilidades do campeão togado. Antigamente meninos sonhavam em ter os poderes do Batman ou do Ultraman. Hoje, data vênia, devem ter outras aspirações de supremacia.
 
Vinicius Mota, colunista -  Folha de S. Paulo