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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Cinco trilhões de dólares - Eugênio Bucci

O Estado de S.Paulo


O que produzem a Apple, a Amazon, o Google ou o Facebook para valerem tanto?

Em janeiro foi noticiado que as empresas Apple, Amazon, Alphabet (dona do Google), Microsoft e Facebook valiam, juntas, cinco trilhões de dólares. Em junho, quando a Apple sozinha atingiu o valor de US$ 1,5 trilhão, apenas quatro delas dariam conta de bater a marca dos US$ 5 trilhões (o Facebook ficava um pouquinho para trás).

Cinco trilhões de dólares!
Essa cifra é três vezes maior que o PIB brasileiro. Três vezes. Quer dizer: se nós, os 210 milhões de habitantes destas terras convertidas em jazigos, quiséssemos comprar a Apple, a Amazon, a Alphabet e a Microsoft, pelos preços de junho, teríamos de trabalhar por três anos sem descanso e não nos sobraria troco para o pão, para o aluguel e para os impostos. E mesmo assim poderíamos chegar no fim da jornada sem caixa para saldar a fatura, pois, enquanto as ações dessas companhias sobem sem parar, o PIB brasileiro afunda, junto com o PIB mundial. Lá de cima, incólumes e luminescentes, as big techs contemplam a peste, a fome, a violência, a miséria e a ruína.

Só o PIB da China e dos Estados Unidos superam a casa dos US$ 5 trilhões. Pense bem: o que produzem a Apple, a Amazon, o Google ou o Facebook para valerem tanto?

Se formos contentar-nos com as respostas oficiais, acreditaremos que o segredo de tamanha fortuna está na inovação tecnológica dessas marcas, na genialidade dos seus criadores e na pertinácia de seus CEOs. Acreditaremos que, graças a chips, bits e bytes, as big techs dominaram o e-mail, o e-commerce, o e-government e o e-scambau, deixando seus donos biliardários. Acreditaremos, enfim, que dinheiro não nasce em árvore, mas bem que brota em máquina.

Agora, se quisermos ir além das quimeras da carochinha, buscaremos explicações em teorias menos rasas, como aquela da “economia da atenção”. A tal “economia da atenção” consiste em mercadejar com os olhos dos consumidores. Primeiro, o negociante atrai a “atenção” alheia e, ato contínuo, vai vendê-la por aí – mas vai vendê-la (detalhe crucial) com zilhões de dados individualizados sobre cada um e cada uma que, no meio da massa, deposita seu olhar ansioso sobre as telas eletrônicas. Em resumo, os conglomerados da era digital elevaram o velho negócio do database marketing à enésima potência, com informações ultraprecisas sobre as pessoas, e desenvolveram técnicas neuronais que magnetizam os sentidos da plateia. O negócio deles é o extrativismo dos dados pessoais.

Isso aí: extrativismo virtual.
Na primeira semana de maio de 2017, a capa da revista The Economist anunciou que os dados pessoais eram o novo petróleo. Em plena era do Big Data, algoritmos e fórmulas insondáveis cruzam os dados e antecipam as partículas infinitesimais do humor e do destino dos bilhões de fregueses. Os dados não mentem jamais. Sabem se o cidadão vai desenvolver Alzheimer, e quando, sabem que ele relaxa com a voz de Morgan Freeman, sabem que massageia o lóbulo da orelha direita quando pensa em queijo do tipo Pont l’Évêque.

O “novo petróleo” teria sido o responsável pelos cinco trilhões e pela enorme reviravolta do mercado global, que fez o dinheiro mudar de mãos em duas décadas. Em 1998 as cinco empresas mais caras do mundo eram a GE, a Microsoft, a Shell, a Glaxo e a Coca-Cola. No grupo, quatro companhias eram fabricantes de coisas palpáveis (motores, eletrodomésticos, gasolina, fármacos, bebidas gasosas); só uma era uma empresa “de tecnologia”. Hoje, no pelotão dos conglomerados mais caros do mundo, todos se valem da tecnologia (um notebook ou um site de busca) para extrair e comercializar nossos dados pessoais.

Isto posto, e com todo o respeito à Economist, é preciso dizer que também essa explicação é insuficiente. Para entender de fato por que o valor de mercado das big techs subiu tanto é preciso levar em conta algo que as teorias correntes não costumam registrar. De meados do século 20 para cá, o capitalismo passa por uma estonteante mutação: as mercadorias corpóreas (coisas úteis) ficaram em segundo plano, enquanto a fabricação industrial de signos assumiu o centro da geração de valor. O capital virou um narrador, um contador de histórias, tanto que uma famosa marca de produtos esportivos pode muito bem terceirizar a fabricação de tênis de maratona, mas não pode abrir mão de controlar obsessivamente a gestão da marca e a publicidade.

Em sua mutação, o capitalismo aprendeu a confeccionar e a entregar, com imagens e palavras sintetizadas industrialmente, os dispositivos imaginários de que o sujeito precisa para aplacar o desejo. Isso é uma novidade. Por trás do negócio da extração dos dados existe outro negócio, mais determinante, que é a industrialização da linguagem. Hoje o capital trabalha para o desejo, não mais para a necessidade. Os conglomerados digitais dominaram a industrialização da linguagem (voltada para o desejo), monopolizaram o olhar do planeta e puseram o olhar do planeta para trabalhar a seu favor.

Nesse meio tempo, o mundo distanciou-se da razão e do espírito. Mas essa é outra conversa.

 Eugênio Bucci, jornalista, professor - O Estado de S.Paulo

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Intervenção militar, o próximo passo?

Após entrega de ajuda à Venezuela fracassar, opção de ação militar pode ressurgir

Por volta de 11 horas de sábado, quatro caminhões, cada um carregado com 20 toneladas de alimentos, suprimentos médicos e produtos de higiene pessoal, chegaram às pontes Simón Bolívar e Francisco de Paula Santander, que ligam a cidade fronteiriça colombiana de Cúcuta com a Venezuela.  

Na passagem Simón Bolívar, no sul da cidade, usada por milhares de pessoas em um dia normal, a polícia colombiana instalou a barricada de metal que havia sido erguida e milhares de venezuelanos passaram, na esperança de liberar uma via para que os suprimentos chegassem à Venezuela. Cantando "liberdade", eles foram em direção à polícia antimotim, que se abrigou atrás de escudos transparentes no lado venezuelano da ponte. Minutos depois, a primeira granada de gás lacrimogêneo caiu sobre os venezuelanos. Eles fugiram. E muitas pessoas 
ficaram feridas. 

A tentativa de entregar ajuda humanitária à Venezuela, orquestrada pelo líder opositor Juan Guaidó, que foi reconhecido como presidente interino do país pelo Legislativo controlado pela oposição e pela maioria das democracias ocidentais e latino-americanas, tinha três objetivos: o primeiro era publicamente envergonhar o regime de Nicolás Maduro. Sua corrupção e incompetência infligiram anos de dificuldades aos venezuelanos; o segundo era aliviar essas dificuldades, entregando cerca de 600 toneladas de ajuda, a maior parte fornecida pelos Estados Unidos; o terceiro e mais importante era derrubar o regime, criando uma barreira entre seus líderes e as várias forças armadas que o mantêm no poder.   

 
A operação teve sucesso em sua primeira meta, mas até agora não conseguiu alcançar os outros dois. O movimento começou no dia anterior com um concerto no estilo Live-Aid em Cúcuta, patrocinado por Richard Branson, um empresário britânico. Maduro contra-atacou com o seu próprio show, pouco frequentado, do outro lado da fronteira. As pessoas na plateia dizem que foram levadas até lá de ônibus e recompensadas com arroz e feijão por aparecerem.  No próprio dia da entrega da ajuda, Guaidó, formalmente impedido de deixar a Venezuela, juntou-se em Cúcuta com os presidentes de Colômbia, Chile e Paraguai (os figurões passaram o dia monitorando os eventos de um prédio perto da ponte Tienditas, sem uso, entre as duas outras passagens). Centenas de jornalistas chegaram para acompanhar os acontecimentos. Um mês depois de assumir o cargo de presidente interino da Venezuela em um comício em Caracas, Guaidó novamente chamava a atenção do mundo.

Mas pouca ou nenhuma ajuda passou. Houve relatos de que alguns suprimentos chegaram à Venezuela pela fronteira sul com o Brasil, onde a ajuda também estava armazenada. A maior parte sequer avançou até um posto de controle aduaneiro no lado venezuelano. Na fronteira colombiana, as forças venezuelanas repeliram as entregas. Dois caminhões conseguiram entrar na Venezuela através da ponte Francisco de Paula Santander, mas foram detidos no lado venezuelano. Algo, talvez uma granada de gás lacrimogêneo, os incendiou. Os defensores do governo afirmam que os manifestantes foram responsáveis. Depois que os primeiros cartuchos de gás lacrimogêneo foram disparados pelos guardas na fronteira, alguns manifestantes correram em direção ao Rio Táchira, seco em grande parte, e arremessaram pedras contra eles. Mais gás lacrimogêneo foi lançado. A maioria dos manifestantes recuou, mas algumas centenas continuaram a atirar pedras contra os guardas venezuelanos, que foram posteriormente substituídos pela polícia nacional.

Logo após o recuo dos manifestantes, as forças venezuelanas começaram a atirar gás lacrimogêneo contra o território colombiano, atacando manifestantes, jornalistas e observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), que pensavam estar em segurança. Os manifestantes que mais se aproximaram da Venezuela foram recebidos com balas de borracha e munição real. Eles dizem que foram atacados por grupos paramilitares leais ao regime (conhecidos como coletivos), e não pela polícia antimotim, que não carregava armas.
A polícia colombiana, os paramédicos e os médicos cuidavam das vítimas na ponte Simón Bolívar e nas tendas médicas bem atrás dela. Os médicos confirmaram que alguns foram baleados com munição real. Os mais gravemente feridos foram transferidos para hospitais. Ao todo, quase 300 pessoas ficaram feridas nas travessias de Cúcuta. Quatro pessoas teriam morrido na fronteira da Venezuela com o Brasil.

The Economist viu quatro membros das forças armadas venezuelanas cruzando a ponte Simón Bolívar e o próprio rio para se unir ao governo interino de Guaidó. Eles foram saudados como heróis e correram para a segurança da polícia. Até o final do dia, mais de 60 membros das forças armadas e da polícia haviam desertado, de acordo com o serviço de migração da Colômbia. Mas eram exceções. A maioria permaneceu fiel ao regime de Maduro. Os coletivos parecem ser os mais comprometidos e os mais perigosos. Victor Navas, um participante, disse que quando os manifestantes desafiaram a polícia de choque, os coletivos estacionados no lado venezuelano do rio dispararam gás lacrimogêneo e tiros. Um desertor cruzando a ponte Francisco de Paula Santander disse que o governo havia ordenado que os paramilitares "massacrassem as pessoas". Habitantes de San Antonio del Táchira, no lado venezuelano do rio, dizem que esses grupos atacaram os manifestantes e invadiram apartamentos. Há relatos não confirmados de que eles fizeram reféns entre as famílias de alguns desertores.


Em  Caracas, capital da Venezuela, Maduro não deu qualquer sinal de rendição. Em uma manifestação pró-regime no sábado, ele dançou com a muçher, Cilia Flores, e insistiu repetidamente que continua como o presidente legítimo da Venezuela. A maioria dos observadores independentes acha que sua reeleição em maio passado foi fraudulenta. A única pista de que ele poderia ter alguma preocupação era o colete à prova de balas, que parecia estar usando sob sua camisa vermelho escura. A Venezuela agora rompeu relações diplomáticas com a Colômbia. Fechou suas fronteiras com a Colômbia e o Brasil e sua fronteira marítima com três ilhas do Caribe, incluindo Curaçau, onde está localizado outro estoque de ajuda. A Venezuela, portanto, cortou suas principais conexões de transporte de superfície com seus vizinhos.

Guaidó e a oposição dizem que continuarão buscando meios de obter ajuda. Quantas sanções ainda serão necessárias, além das impostas pelos Estados Unidos ao petróleo da Venezuela, para que sua principal fonte de divisas estrangeiras comece a causar problemas? Guaidó apoia as sanções como forma de forçar o fim do regime. Até agora, eles tiveram pouco efeito visível. Mas espera-se que agravem uma situação já desesperada. "Se essas sanções forem implementadas em sua forma atual, estamos olhando para a inanição", disse Francisco Rodríguez, do Torino Capital, um banco de investimentos, ao New York Times.
Com poucos sinais de que o regime esteja preparado para ceder, crescem especulações de que a oposição da Venezuela e os Estados Unidos adotarão medidas mais drásticas. Guaidó tuitou que, depois dos acontecimentos de sábado, ele "proporá formalmente à comunidade internacional que mantenha todas as opções em aberto" para libertar a Venezuela. Marco Rubio, senador americano influente na formulação da política dos Estados Unidos em relação à Venezuela, afirmou que "os graves crimes cometidos hoje pelo regime de Maduro abriram as portas para várias potenciais ações multilaterais que não estavam na mesa antes. 

Estas soam como ameaças para dar apoio a algum tipo de intervenção militar na Venezuela, opção que o presidente Donald Trump descartou repetidamente. A hashtag #IntervencionMilitarYA (intervenção militar agora, em tradução livre) ficou em destaque no Twitter, mas seria uma medida extremamente arriscada. Muitos venezuelanos podem encarar como libertadores soldados estrangeiros com a ajuda e a promessa de uma democracia restaurada. Mas muitos outros certamente consideram a sua chegada como uma confirmação das declarações de Maduro de que a oferta de ajuda é um disfarce para uma conspiração "imperialista" contra o país. A crise da Venezuela está longe de terminar.

The Economist - Tradução de Claudia Bozzo  - O Estado de São Paulo

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Charge de jornal holandês ironiza eleição de Bolsonaro

[muitos não suportam ver os que  consideram adversários vencerem - este jornaleco holandês tem tudo a ver com Calabar.

o que os jornais estrangeiros, que criticam a escolha soberana da maioria do eleitorado brasileiro tem a ver com isto?

aliás, não é da conta de ninguém, a decisão soberana do eleitorado brasileiro.]

Ilustração do diário 'de Volkskrant' relaciona vitória do capitão com a ascensão da ideologia nazista no Brasil

O jornal holandês de Volkskrant publicou em sua edição desta segunda-feira (29) uma charge ironizando a eleição de JairBolsonaro. Na imagem, uma suástica nazista é representada nas cores da bandeira do Brasil e construída com os tradicionais chinelos Havaianas.

A charge faz refercia às muitas críticas recebidas pelo capitão de seus oponentes, que o acusam de ser o rosto da extrema-direita no Brasil e que o ligaram à ideologia fascista durante a campanha eleitoral. A ilustração foi assinada pelo cartunista Bas van der Schot e publicada no site e na edição impressa do de Volkskrant, um diário de Amsterdã considerado de centro-esquerda.

Bolsonaro (PSL) venceu neste domingo o segundo turno das eleições presidenciais com 55% dos votos, contra 44% de Fernando Haddad (PT).

Além do de Volkskrant, grandes veículos da imprensa estrangeira repercutiram a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais. Boa parte dos sites se dedicaram a publicar matérias explicando aos leitores detalhes sobre quem é Bolsonaro, desde sua formação militar, passando por suas declarações controversas. Também descrevem a polarização no Brasil, até sobre como o resultado das urnas reflete as insatisfações da população com o Partido dos Trabalhadores.

A revista liberal The Economist, que chegou a publicar uma capa chamando Bolsonaro de ameaça, começa seu texto sobre a vitória com a sucinta frase: “Os brasileiros fizeram uma péssima escolha”.

O texto aponta que Bolsonaro é um “apoiador de ditadores e de armas, que incita a polícia a matar suspeitos, que ameaça banir oponentes e diminui as mulheres, os negros e os gays”. [quem bancava com dinheiro público os piores ditadores era o presidiário Lula.] Em seguida, a revista explica como o PT colaborou para o crescimento do conservador PSL, com os  escândalos de corrupção, o desejo de se manter no poder e a depressão econômica que a política de Dilma Rousseff provocou no país.

O jornal The New York Times seguiu o caminho dos concorrentes, lembrando falas polêmicas de Bolsonaro e apontando para o crescimento do conservadorismo da extrema-direita no mundo. “Bolsonaro, que vai conduzir o maior país da América Latina, é o mais à direita entre todos os presidentes da região, onde recentemente os países elegeram líderes mais moderados. Ele engrossa o movimento da extrema-direita que tem crescido no mundo, juntamente com a Itália e a Hungria.”

O britânico The Guardian, que acompanhou a apuração dos votos em uma longa reportagem atualizada em tempo real, foi às ruas no Brasil retratar as celebrações dos eleitores de Bolsonaro. Após destacar diversas frases de entrevistados, como a de um estudante de fisioterapia de 40 anos, que disse ter agora o “presidente que sempre esperamos, que teme a Deus e é genuinamente de direita”, o jornal ressaltou ao fim que o triunfo de Bolsonaro deixou milhões de brasileiros progressistas “profundamente perturbados e com medo da intolerância que vai tomar o país”.

Muitos veículos também compararam Bolsonaro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A emissora britânica BBC lembrou que as declarações do futuro presidente brasileiro, consideradas racistas, homofóbicas e misóginas por muitos, têm um tom muito parecido com as declarações do presidente americano. 

Veja
 

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O desafio do liberalismo



O liberalismo é demonizado por forças retrógradas e antidemocráticas. Os liberais precisam urgentemente se mostrar à altura das graves demandas atuais

O triunfo do pensamento liberal, que concilia o livre mercado, as liberdades políticas e o Estado de Direito, possibilitou, a partir do século 19, um extraordinário salto de bem-estar e progresso para a humanidade. Como lembrou a revista britânica The Economist em edição comemorativa de seu 175.º aniversário, o predomínio do liberalismo no Ocidente desde então ajudou a elevar a expectativa de vida mundial de cerca de 30 anos para mais de 70 anos, a reduzir o contingente populacional abaixo da linha de pobreza de 80% para 8% e a multiplicar por cinco a taxa de alfabetização, enquanto mais e mais pessoas se tornaram conscientes da importância do império da lei para o desenvolvimento social e a prosperidade econômica.

A despeito de tudo isso, no entanto, parece que está em curso neste momento uma “rebelião popular contra as elites liberais”, como diagnosticou a Economist – um fenômeno, diz a revista, diretamente relacionado à impressão, cada vez mais disseminada, de que essas elites são “egoístas” e não podem ou não querem “resolver os problemas das pessoas comuns”. No momento em que o processo eleitoral brasileiro está polarizado entre candidaturas francamente demagógicas, que exploram esse sentimento difuso de frustração popular com a chamada ordem liberal, tal exame não poderia ser mais oportuno.

A rigor, o Brasil raras vezes viveu, de fato, uma ordem liberal. Aqui predomina há tempos o princípio de que o Estado deve tudo poder e prover, de onde deriva a presunção de que nada funciona fora dessa ordem estatal — e, se assim é, cria-se uma cultura da acomodação, seja de cidadãos que esperam direitos e benefícios do Estado, seja de empreendedores que se comportam como se tivessem direito natural a incentivos e privilégios oficiais.

Resta claro, portanto, que a evidente insatisfação dos eleitores brasileiros não é em relação a uma “ordem liberal”, mas, antes, à mera possibilidade de que esta venha a se instalar de fato no País. Não à toa, o atual governo, apenas por ter flertado com o liberalismo econômico, ao impor um teto para os gastos públicos, realizar uma abrangente reforma trabalhista e tentar reformar a Previdência, tornou-se o mais impopular da história brasileira. O liberalismo é demonizado dia e noite por forças retrógradas e antidemocráticas, muito influentes em diversos segmentos sociais, de tal forma que, mesmo quando não deveria haver dúvida de que o atual desastre econômico brasileiro foi fruto da ideologia do Estado balofo e perdulário, a responsabilidade pela crise é atribuída ao “neoliberalismo” das “elites”.

Essa indisposição com o liberalismo não se limita ao âmbito econômico. A popularidade de tipos como Jair Bolsonaro e Lula da Silva, que representam, cada um à sua maneira, o pensamento autoritário, demonstra que uma parte importante do eleitorado admite ou mesmo deseja o fim da democracia, cujos pressupostos políticos são a alternância no poder e o respeito ao contraditório. Para esse contingente de brasileiros, as desejadas mudanças sociais não se darão de baixo para cima, por meio do amplo e constante debate de ideias, como na democracia liberal, mas sim de cima para baixo, ditadas por iluminados líderes, como nos regimes autocráticos.

Ao comentar as razões pelas quais o pensamento liberal perdeu terreno nas últimas décadas, a Economist considera que “os liberais se acomodaram no poder” e, “como resultado, perderam sua ânsia por reformas”. O discurso sobre a “meritocracia”, um dos pilares liberais, vem se prestando apenas a proteger as elites econômicas, que, no entender da revista britânica, “vivem numa bolha”. Uma das consequências disso é o esvaziamento dos partidos tradicionais, vistos como extensões dessas elites, com a consequente fragmentação da política e a ascensão de líderes populistas que investem na polarização social.

Está claro, assim, que os liberais precisam urgentemente se mostrar à altura das graves demandas atuais, deixando sua zona de conforto e voltando a defender com vigor as reformas, para demonstrar aos eleitores que é somente por meio do fortalecimento das instituições democráticas e da constituição de um eficiente Estado regulador que a prosperidade estará ao alcance de todos.

O Estado de S. Paulo - Editorial 

 

quarta-feira, 3 de maio de 2017

O que o brasileiro espera do fim da vida

Como a religião influencia os desejos da população sobre o atendimento hospitalar em seus últimos dias 

A última edição da revista The Economist traz na capa aquele assunto que não combina com o café da manhã: a morte. Na maioria dos lares brasileiros, os dilemas de fim de vida também são indigestos no almoço, no jantar, no verão, no inverno, de dia, de noite. Não há tempo nem lugar para conversar sobre a única certeza da vida. Fingir que somos imortais é uma péssima escolha. Como lembra a revista, a morte é inevitável, mas a morte ruim não é. Melhor falar sobre ela.


 Paciente monitorado na disputada UTI Central do Hospital São Paulo, na Universidade Federal de São Paulo (Foto: Ricardo Correa/ÉPOCA)

O paradoxo da medicina moderna é que a notável expansão da longevidade alcançada nas últimas décadas não veio acompanhada de qualidade de vida até os últimos dias. Doenças se acumulam e são remediadas ao custo de efeitos colaterais sobrepostos. A morte raramente é rápida e indolor. Ela ocorre em hospitais remunerados segundo uma lógica perversa que valoriza a insistência em medidas invasivas. Manobras inúteis para os doentes; caras e traumatizantes para a família.

A intensidade desse fenômeno no país foi flagrada pela publicação em uma pesquisa realizada em parceria com a Kaiser Family Foundation em quatro países: Estados Unidos, Japão, Itália e Brasil. Pessoas acima de 18 anos foram entrevistadas por telefone. A maioria havia perdido amigos próximos ou familiares nos cinco anos anteriores. No Brasil, participaram mais de 1.200 moradores de todas as regiões e com diferentes níveis de escolaridade.

Quando convidados a refletir sobre o próprio fim em um hospital, 50% dos brasileiros disseram que prolongar a vida o máximo possível seria extremamente importante um índice muito superior ao encontrado nos demais países (19% nos Estados Unidos, 13% na Itália e 9% no Japão). Os brasileiros dão mais valor ao prolongamento dos dias do que à redução da dor, do desconforto e do estresse. Um padrão verificado apenas no Brasil.

Segundo a análise dos investigadores, a fé ajuda a explicar o resultado. Entre os brasileiros, 83% disseram que a religião influencia fortemente a concepção que eles têm sobre os cuidados que gostariam de receber no final da vida. Nos Estados Unidos, 50% fizeram essa afirmação. Na Itália, 46%. No Japão, apenas 13%.


O retrato capturado pela The Economist é percebido diariamente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) brasileiras. A forte religiosidade leva as famílias e os médicos a insistir em tentativas fúteis de evitar o curso natural da morte. A insistência nesse caminho contribui para o mau uso dos leitos disponíveis na rede pública de saúde. Grande parte das vagas fica ocupada por longo tempo por pessoas sem possibilidade de recuperação.

Na rede privada, ocorre o inverso. Como há excesso de leitos, os hospitais têm interesse em mantê-los ocupados para cobrar diárias dispendiosas dos planos de saúde. Não é incomum que pacientes em condições de ser acompanhados fora da UTI sejam mantidos na unidade por mais tempo. Ou que haja um estímulo das instituições para que os médicos insistam em procedimentos capazes de prolongar a internação, ainda que o doente não seja recuperável. Os cuidados paliativos, que poderiam trazer conforto e dignidade aos doentes, raramente recebem a mesma valorização.


As difíceis decisões que envolvem os últimos dias poderiam ser menos dolorosas se as pessoas se preocupassem em fazer um testamento vital. Essa é uma declaração que qualquer cidadão acima de 18 anos pode registrar em cartório, sem necessidade de advogado. O documento orienta a família e os médicos a respeito dos procedimentos que o indivíduo gostaria de receber, em caso de doenças crônicas ou acidentes graves sem possibilidade de recuperação. 

Em 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM) determinou que os médicos respeitem a vontade do paciente incapacitado de se manifestar, caso ele tenha se preocupado em deixá-la registrada previamente. Poucos deixam – o que pode significar a renúncia a uma morte digna. É preciso romper a conspiração do silêncio e conversar sobre o assunto. Que tal hoje? 

Por: Cristiane Segatto, repórter especial de ÉPOCA 
cristianes@edglobo.com.br

>> Especial multimídia: Quando a UTI prolonga o sofrimento

 

domingo, 12 de março de 2017

O tamanho do estrago

Ter consciência do tamanho do buraco causado pelo lulopetismo é importante para evitar a ingenuidade de imaginar que a economia já deveria estar decolando com o novo governo

Qualquer dúvida de que o Brasil terá mais uma década perdida, depois daquela dos anos 80 do século passado, ficou para trás na terça-feira, quando o IBGE divulgou os números do Produto Interno Bruto de 2016: a economia do país regrediu 3,6%, mas o número, isoladamente, não dá conta do tamanho do estrago. O PIB já tinha recuado 3,8% no ano anterior, e o Brasil não via dois anos seguidos de retração desde o biênio 1930-1931, quando as quedas foram de 2,1% e 3,3% – portanto, mais brandas que a recessão atual. O PIB per capita, resultado da divisão do produto pelo número de brasileiros, caiu pelo terceiro ano consecutivo.

Um desempenho desastroso cuja causa tem nome e sobrenome: Nova Matriz Econômica, a política capitaneada por Guido Mantega nos anos finais da era Lula e nos mandatos de Dilma Rousseff, marcada pelo afastamento das práticas que, nos anos 90, livraram o Brasil da hiperinflação e promoveram a estabilização econômica, não sem alguns solavancos característicos de um país ainda vulnerável a crises internacionais – desculpa que Dilma sempre usou para a recessão atual, mas que já não cola hoje, quando o Brasil figura como a única nação a ter queda no PIB, em ranking da revista britânica The Economist (só não estamos oficialmente piores que a Venezuela porque a falida ditadura bolivariana já não divulga seus números).

A causa do desempenho desastroso tem nome e sobrenome: Nova Matriz Econômica 
Quando o governo decidiu que o consumo seria o motor da economia, passou a adotar todo tipo de medida para que os brasileiros gastassem como nunca, com crédito amplamente facilitado, juros reduzidos na marra e isenções fiscais para diversos setores (normalmente, os que choravam mais alto ou os que tinham bons contatos no Planalto). Dilma usou a Petrobras para manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos, o que, ao lado da corrupção que a Lava Jato revelou ao país, criou um rombo naquela que era uma das maiores empresas do mundo. Com a MP 579, Dilma baixou o preço da energia elétrica com uma canetada que desestabilizou todo o setor elétrico e nem foi tão eficaz assim, pois logo os preços voltaram aos patamares anteriores. E, quando começou a ficar evidente que a estratégia estava levando o país ao abismo, a “contabilidade criativa” tentou manter alguma aparência de normalidade diante do mercado nacional e internacional.

Como diz a famosa frase atribuída a Abraham Lincoln, no entanto, é impossível enganar a todos o tempo todo. Mas antes fosse apenas questão de mascarar a realidade: o preço que a Nova Matriz Econômica cobrou não foi baixo, e foi pago pelos brasileiros. Mais diretamente, pelos quase 13 milhões de desempregados; e mesmo os que conseguiram manter seu trabalho amargaram taxas de inflação que superaram os 10% em 2015 e só agora dão sinais de desaceleração.

Ter consciência do tamanho do buraco causado pelo lulopetismo é importante para evitar ilusões e a ingenuidade de imaginar que em apenas alguns meses de governo Temer a economia já deveria estar de vento em popa. É preocupante ver que no terceiro e quarto trimestres de 2016 o PIB também recuou (0,7% e 0,9%, respectivamente), mas outros indicadores permitem ver que a reversão da tendência está próxima, como mostrou a Gazeta do Povo em reportagem recente. E, nesta quarta-feira, o IBGE divulgou outro dado positivo: a produção industrial subiu 1,4% em janeiro de 2017 na comparação com janeiro de 2016, interrompendo uma sequência de 34 meses de queda.

Fala-se em aumento de 0,5% no PIB de 2017 – um número não muito animador, até porque a base de comparação já está bastante deprimida. O governo ainda não completou a própria lição de casa e tem muita gordura a cortar. Mas as reformas propostas por Temer podem lançar as bases para um crescimento sustentado por décadas, ainda que sem desempenhos espetaculares como os 7,5% de 2010. Já será melhor que depender de políticas econômicas insensatas cujos resultados iniciais causam euforia, mas que logo dá lugar à triste realidade.

Fonte: Editorial Gazeta do Povo - PR

quinta-feira, 24 de março de 2016

A imprensa estrangeira descobriu que caiu no conto do Brasil Maravilha, aplicado pelo bando de incapazes capazes de tudo

Lula elogia imprensa internacional e diz que ela é fiel aos fatos, informou em 2 de dezembro de 2010 o título da reportagem do Globo sobre a entrevista coletiva concedida pelo ainda presidente a correspondentes estrangeiros baseados no Rio e repórteres vindos de outros países. Antes que as perguntas começassem, o entrevistado contemplou os presentes com afagos que sempre negou à imprensa nacional.

“Temos acompanhado as informações que têm saído na imprensa internacional e elas têm correspondido exatamente ao que tem acontecido no Brasil”. começou a rasgação de seda com o elogio que cutucava a mídia reacionária, infestada de reacionários a serviço da elite golpista. “A cobertura favorável também é responsável pela boa imagem que o Brasil goza no exterior”, foi em frente o palanque ambulante.

Só publicações em outros idiomas, por exemplo, haviam captado o clima de euforia reinante no País do Carnaval. “O otimismo do brasileiro é o mais extraordinário entre todos os países”, recitou. “Acabou o complexo de vira-lata, porque hoje somos respeitados no mundo inteiro. Só não enxergam isso aqueles que torcem pelo fracasso do governo que governa para os pobres".

A lengalenga prosseguiu nos anos seguintes, em dueto com Dilma Rousseff e o endosso entusiasmado dos colunistas estatizados, blogueiros de aluguel, artistas dependentes de patrocínio federal e escritores que brilham no ranking dos mais comprados pelo MEC. “Neste país, o principal partido de oposição é a imprensa”, declamou em outubro de 2012 o padrinho que não lê nem sabe escrever. “Pra saber o que acontece aqui é preciso ler o que sai nos jornais lá fora”, concordou em março de 2013 a afilhada que ou não sabe o que diz ou não diz coisa com coisa.

Neste começo de outono, o que estão achando o chefe supremo, a sacerdotisa doidona e o resto da seita do que os principais jornais e revistas do planeta têm publicado sobre o Brasil? Desconfiam que as redações passaram ao controle de coxinhas poliglotas, financiados por capitalistas selvagens decididos a conferir dimensões internacionais à conspiração contra o governo do PT?

O que não podem admitir é que, como tantos milhões de brasileiros, a imprensa estrangeira enfim descobriu que caiu no conto do Brasil Maravilha, aplicado pelo bando de incapazes capazes de tudo. Há poucos dias, por exemplo, The New York Times publicou um editorial com o título “A crise no Brasil se aprofunda”. Entre outras observações desmoralizantes, o texto qualificou de “ridículas” as explicações gaguejadas por Dilma para fingir que Lula se refugiou no ministério não para fugir da cadeia, mas para servir à nação.

No domingo, um editorial do jornal inglês The Guardian aconselhou a governante desgovernada a renunciar ao comando do barco saqueado e à deriva. Nesta quarta-feira, a presidente que já não preside coisa alguma virou a senhora da capa da revista The Economist. Uma Dilma com cara de demitida por justíssima causa desvia os olhos para a esquerda, como se quisesse escapar da leitura de três palavras penduradas sobre a sua cabeça: TIME TO GO. Hora de ir. Ir embora, ir para casa ─ pela simples e boa razão de que já não há como ficar.

“Fiel aos fatos”, como disse há cinco anos o dono do sítio que não é dele, a publicação inglesa apresenta aos leitores um cortejo de verdades perturbadoras: o escândalo do Petrolão, a relevância histórica da Operação Lava Jato, o desempenho sem precedentes do juiz Sérgio Moro, as bandalheiras milionárias protagonizadas por Lula, a destrambelhada patifaria forjada para transformá-lo em ministro, as portentosas manifestações de rua, a incompetência do governo que produziu a maior crise econômica enfrentada pelo Brasil desde 1930.

Fica claro que chegou a hora de Dilma ir embora ou com as próprias pernas, pelo caminho da renúncia, ou arrastada pela trilha do impeachment. Antes que o drama chegue ao desfecho, a criatura e seu criador deveriam convidar os representantes da imprensa internacional para outra entrevista coletiva, e explicar-lhes que os culpados são inocentes.

Se forem convincentes, os gringos talvez até saiam do local da entrevista avisando aos berros que não vai ter golpe. Caso contrário, os jornais e revistas estrangeiros vão transferir o noticiário sobre o Brasil para a seção reservada a casos de polícia.

Fonte: Coluna do Augusto Nunes


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O Carnaval do trá-trá-trá



Nesse triplex tem elevador/Dona Marisa foi quem decorou/Se Lula não quer morar, eu vou
Pode ser nossa última chance de brincar para valer ou de comer frango, que aumentou 36% em um ano e forçou o brasileiro a comprar só coxinha (sem trocadilho) e asinha. Por que, então, essa gente mal-humorada critica o Carnaval como se fosse o ópio do povo? E se for? Deixa o pessoal rir da maior queda na produção industrial em 13 anos. Puxa vida. Esta semana a gente esquece os “pobremas” e lava a jato para baixo da consciência todas as preocupações.  

Vamos cantar a marchinha de um bloco de Olinda: Nesse triplex tem elevador/Dona Marisa foi quem decorou/A OAS também reformou/Se Lula não quer morar, eu vou (ô revisão, por favor não coloque acento em “triplex”, me dá um descanso, porque ninguém fala nem canta com acento no “i”, isso é palavra oxítona em prosa e verso). Vamos rir com o carro alegórico de uma escola de samba de Vitória, que mostrou Lula, Dilma e Cunha presos. O troféu mais cobiçado deste Carnaval serão as algemas de ouro. As tornozeleiras esgotaram.

Não deixe o samba morrer./Não deixe o samba acabar. Só nostálgicos têm saudade de quando a voz de Alcione nesse sambão era o “hit” do verão momesco, em vez dessa porcaria de estribilho trá-trá-trá, do “Paredão metralhadora”, com a Banda Vingadora, que saiu de Itabuna, na Bahia, para o mundo. Um fenômeno parecido com o da zika, produto de exportação que leva ao Primeiro Mundo a marca do Brasil e de sua absurda negligência com a vida.

O sucesso do trá-trá-trá tem tudo a ver com os novos tempos. “Tudo haver” – como se escreve nas redes sociais. Além de cair a produção industrial, cai de forma alarmante o nível do idioma e da música. Cai tudo, menos a inflação e o desemprego. Mas, gente, vamos esquecer tudo isso, caramba. Ô colunista, que tal sair nos blocos e cair na folia? Com pouca fantasia, claro, para entrar no clima de 2016. Este é o Carnaval dos acessórios. Ninguém tem dinheiro para comprar fantasia inteira. Igual ao frango, vamos nos contentar com partes.

Mas tem um Estado que se rebelou contra as festas: Sergipe! O presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Clóvis Barbosa, em pleno recesso, acatou a solicitação do procurador Eduardo Côrtes, do Ministério Público de Contas, e proibiu 53 municípios de festejar o Carnaval enquanto não pagarem aos professores, com salários atrasados desde outubro do ano passado.

Por que essa preocupação com os professores num país que desmoralizou a honestidade e o lema Pátria Educadora? Num país onde o mau exemplo vem de cima e cria máfias da merenda escolar. Num país em que a presidente Dilma Rousseff, em seu mais importante pronunciamento para o Congresso, não menciona a palavra Educação em nenhum momento.

Dilma pede “pacto” fazendo um coraçãozinho com as mãos. Pacto implica sacrifícios de ambos os lados. Implica confessar que mentiu tanto que poderia ser enquadrada em crime de “falsidade ideológica”, pior que o do branco que se passou por negro para entrar na universidade por sistema de cotas. Pior porque levou a população à beira do abismo.
“Apesar da alegada crise”, disse o procurador Côrtes, de Sergipe, “diversos municípios continuam a realizar festividades e despesas com publicidade desnecessárias, gastos não essenciais se comparados às obrigações com a educação”. E o município que desobedecer e programar festejos e propagandas terá de pagar multa de R$ 60 mil “por ocorrência”. Que desplante falar em educação em férias de 40 graus. Ou será que Sergipe é uma inspiração para o país anestesiado pela crise? Menos festa e mais trabalho.

O Tribunal de Contas sergipano deve ter lido a reportagem da revista britânica The Economist, intitulada “Festejando à beira do precipício”, dizendo que, depois do Carnaval, ninguém vai conseguir relaxar no Brasil – nem Dilma nem os congressistas. Isso é muito sério, seria inédito, porque a presidente parece sempre calma e otimista, vivendo do dinheiro público e alheio. “Quando os políticos retornarem aos trabalhos”, diz a revista, “podem se arrepender do tempo que passaram sem tentar resolver os problemas”. Zika, Saúde em frangalhos, desemprego, alta desabalada dos alimentos, crise econômica e política.

Assim me disse um apavorado dono de marcenaria, prestes a demitir e a falir: “Está pior que nos tempos do Collor. Porque a crise, desta vez, pegou todo mundo muito endividado. Mandaram o povão consumir, consumir, consumir, abriram o crédito, prometeram mundos e fundos, criaram um país de fantasia, um paraíso, e agora os altos juros pegaram as famílias de classe média, que não têm como saldar as dívidas. É uma reação em cadeia na economia. Um derruba o outro. Não sei para onde a gente vai”.

Ora, a gente vai para a avenida.

Fonte: Ruth de Aquino – Época