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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

“Eu ganho, você perde”: a matemática moral de Luís Roberto Barroso - Flávio Gordon

Gazeta do Povo - VOZES
 

 Aborto

A despeito das proporções que esses crimes finalmente atingiram, ficou evidente que eles partiram de pequenos começos. 
De início, esses começos consistiram numa mera mudança de ênfase nas atitudes básicas dos médicos. Começou com a aceitação da premissa, fundamental ao movimento pró-eutanásia, de que há vidas indignas de serem vividas. 
Em seus estágios iniciais, essa atitude dizia respeito apenas aos doentes graves e crônicos. 
Gradativamente, ampliou-se a esfera dos que deveriam ser incluídos nessa categoria, passando a abarcar os socialmente improdutivos, os ideologicamente indesejáveis, os racialmente desprezíveis e, por fim, todos os não alemães.” (Dr. Leo Alexander, investigador nos Julgamentos de Nuremberg e um dos maiores especialistas nos aspectos médicos do Holocausto, The New England Journal of Medicine, 1949)

Depois que Rosa Weber proferiu o seu voto favorável à legalização do aborto, no contexto do julgamento da ADPF 442 no STF, o agora presidente da casa, Luís Roberto Barroso, suspendeu a votação com o argumento de que o tema “ainda não está maduro” para ser debatido. Demonstrando toda a sua condescendência, qualificou o aborto como uma questão delicada, “porque envolve sentimentos religiosos respeitáveis”. Mas, levando-se em conta o fato de que Barroso já se declarou várias vezes favorável à legalização do aborto, e de que, dentre todos os ministros da corte, ele é quem menos esconde o seu ativismo judicial, podemos supor tratar-se aí de um recuo estratégico.

Alheio ao aspecto cômico e quase quixotesco dessa extemporânea autoidentificação, Barroso costuma apresentar-se como um iluminista orgulhoso, como alguém que, por haver cruzado em primeiro a linha de chegada na maratona humana rumo ao progresso, é capaz de estender um olhar de enternecida compaixão aos retardatários. E nesse sentido, de fato, parece que sua concepção de sociedade é similar às de Diderot – para quem “a massa genérica de homens não foi feita para promover, e sequer compreender, essa marcha progressiva do espírito humano” – e Voltaire, segundo quem os sábios iluministas jamais tiveram “a pretensão de levar as luzes a sapateiros e serviçais”, sendo esse “um trabalho para os apóstolos”.

Sua prática, por outro lado, lembra a dos burocratas internacionais herdeiros do elitismo iluminista, conforme admitida certa vez por Jean-Claude Juncker, ex-presidente da Comissão Europeia: “Nós primeiro decidimos algo, e então lançamos a ideia, aguardando um pouco para ver o que acontece. Se não houver grandes rebeliões e gritos de protesto, porque a maioria das pessoas sequer entendeu o que foi decidido, nós vamos em frente – passo a passo, até não haver mais volta”. 
Como a legalização do aborto no Brasil é rejeitada por 70% da população, e uma vez que, tendo entendido perfeitamente o que estava sendo decidido, uma parcela dessa população organizou protestos contra o encaminhamento iniciado por Rosa Weber no caso da ADPF 442, Barroso julgou conveniente aguardar até que a sociedade fique mais “madura”. Leia-se: até que os estrategistas pró-aborto criem artimanhas mais eficazes ou que, alternativamente, a sociedade esteja menos capacitada a reagir.

Barroso costuma apresentar-se como um iluminista orgulhoso, como alguém que, por haver cruzado em primeiro a linha de chegada na maratona humana rumo ao progresso, é capaz de estender um olhar de enternecida compaixão aos retardatários

Como sei que Barroso vai tentar novamente? Porque o aborto é um dos itens fundamentais em seu projeto de “empurrar a história”, e a fundamentação teórica para o caso da ADPF 442 é essencialmente obra sua. 
Descobri-o há algumas semanas, lendo uma excelente análise da juíza dissidente Ludmila Lins Grilo.  
Postado em seu perfil no Locals, o comentário consiste numa especulação sobre os eventuais precedentes abertos pela referida ADPF, uma verdadeira Caixa de Pandora que, partindo da questão do aborto até a 12.ª semana, pode subsidiar toda sorte de aberração moral, incluindo o aborto até o nono mês, o infanticídio, a eutanásia e, eventualmente, até mesmo a eliminação física dos inválidos e dos inimigos do regime.  
Tudo isso com base numa relativização da ideia de dignidade da pessoa humana, e numa mal dissimulada recusa do princípio cristão da sacralidade da vida (sobre a qual já escrevi nesta coluna).
 
No texto, a juíza faz referência a um artigo de Luís Roberto Barroso intitulado “Aqui, lá, e todo lugar: a dignidade humana no direito contemporâneo e no discurso transnacional”, cujo objetivo prático declarado é “contribuir para a estruturação do raciocínio jurídico e para a fundamentação das escolhas judiciais nos casos difíceis, tais como aborto, união homoafetiva e suicídio assistido”. 
No que diz respeito ao aborto, o argumento central de Barroso é estabelecer o que chama de “conteúdo mínimo da ideia de dignidade humana”, que seria composto por três elementos: 
1. valor intrínseco; 
2. autonomia;  
3. valor comunitário
Pelo fato de que a dignidade humana da mulher abortista contém os três elementos, ao passo que a do feto contém apenas um deles – o “valor intrínseco” –, os interesses da mulher devem prevalecer sobre os do feto, que obviamente não possui autonomia, e cujo “valor comunitário” é menor que o da mãe. Como resume Grilo: “Barroso reconhece que ambos, mãe e feto, são humanos (ufa!), mas apresenta um argumento numérico para privilegiar a mãe em detrimento do feto. Ele diz que há apenas um argumento pró-vida e dois argumentos pró-mãe abortista, e, por isso, a mãe ganha! Não é um raciocínio magnífico?”  
E a juíza conclui sobre a ADPF:
 
“A ADPF 442 é o movimento da Janela de Overton para a esquerda, que não parará de se movimentar até atingir os fins não confessados. Perceba que a tese fala que, para haver dignidade constitucional, o humano nascido deve ter autonomia (autodeterminação). 
Assim, por essa tese, um inválido, entrevado em uma cama em estado vegetativo, não consegue se autodeterminar. 
Ao contrário: ele dá trabalho aos outros, não produz nada, precisa de alguém que lhe coloque comida na boca, dê-lhe banho e lhe limpe as partes. 
Por essa teoria sinistra, esse inválido perdeu o status de pessoa constitucional e a dignidade para existir. Consequentemente, perdeu o direito à vida.”
 
Tomando conhecimento dessa excêntrica matemática utilitarista, lembrei-me de que Barroso já abordara o assunto de maneira similar, de modo que a imagem de uma disputa entre a mãe e o seu filho em vias de ser abortado parece ser contumaz, talvez de forma subconsciente, na sua argumentação. 
 Em palestra proferida no Rio de Janeiro em 3 de agosto de 2018, na qual defendia justamente a proposta de legalização do aborto até a 12.ª semana de gestação, Barroso apresentou uma justificativa alarmante. Respondendo a uma pergunta da então ativista pró-vida (e hoje deputada federal) Chris Tonietto, disse o magistrado: “Admitindo que haja vida – e, portanto, trabalhando sobre a sua premissa –, se você se mover, como eu me movo, por uma ética kantiana, e se a sua vida depende do sacrifício da minha liberdade individual, e eu não quero sacrificar minha liberdade individual, você perde”.

Comentando sobre a declaração, escrevi aqui na Gazeta:

“O mais perturbador da cena é a estranha sensação de que, embora num primeiro plano esteja se dirigindo à interlocutora da plateia, Barroso pareça mirar através desta, falando diretamente ao feto, receptor elíptico e silencioso da declaração: ‘Se a sua vida depende do sacrifício da minha liberdade individual’ – afirma desavergonhadamente o civilizadíssimo jurisconsulto, como que olhando diretamente nos olhos da futura vítima –, você perde’. Perde o quê? A vida, bem entendido.”

Com efeito, essa mania de confrontar o feto com a matemática macabra de sua iminente derrota – que, no caso, significa a sua eliminação – parece-me bastante perturbadora. Mas é uma decorrência natural da visão utilitarista de Barroso (que, apesar de seu autodeclarado kantismo ético, deriva muito mais de Bentham que de Kant). 
O pulo do gato de sua ética está na ideia de hierarquização entre a dignidade pessoal da mãe e a do feto, com base na noção de “valor comunitário” da vida humana. 
Assim que topei com o argumento, fiquei com a sensação de já tê-lo visto antes. 
Com algum esforço de memória e consultas à minha biblioteca pessoal, encontrei a mesma ideia num contexto que, conquanto distinto, guarda incômodas similaridades com as racionalizações contemporâneas da bioética, usadas frequentemente (inclusive por Barroso) para relativizar a sacralidade da vida humana e, gradativamente, criar o clima de opinião favorável à aceitação do aborto, da eutanásia e até mesmo do infanticídio, práticas que implicam na eliminação de vidas consideradas de menor valor, ou – na clássica formulação de Binding e Hoche por mim discutida anteriormente – “indignas de serem vividas”.

Sim, eu já vira muitas vezes o argumento do “valor comunitário” em minhas pesquisas sobre a história do movimento eugenista. Encontrara-o, por exemplo, no livro The passing of the Great Race (“A passagem da Raça Superior”), escrito em 1916 pelo então presidente da Sociedade Zoológica de Nova York, o eugenista e darwinista Madison Grant. Na obra – cuja tradução para o alemão, aliás, constava na biblioteca de Hitler –, lê-se que:

“O respeito equivocado pelo que se acredita serem leis divinas e a crença sentimental na santidade da vida humana tendem a impedir tanto a eliminação de bebês defeituosos quanto a esterilização de adultos sem valor comunitário. As leis da natureza exigem a obliteração dos mal-adaptados, e a vida humana só tem valor quando é útil para a comunidade ou a raça”.

A imagem de uma disputa entre a mãe e o seu filho em vias de ser abortado parece ser contumaz, talvez de forma subconsciente, na argumentação de Barroso

Quando Grant escreveu The passing of the Great Race, a eugenia era provavelmente a ideia mais influente entre as elites intelectuais e científicas euroamericanas. E, embora nem todo eugenista fosse também abertamente racista como ele, todos partilhavam da mesma premissa: a ciência darwinista provocara uma verdadeira revolução nos campos da ética e da política, fornecendo uma nova perspectiva de reforma social que, até então, havia sido interditada pela moralidade tradicional (judaico-cristã), com sua valoração absoluta e igualitária da vida humana. Dos marxistas aos nazistas, passando pelos socialistas fabianos, todos queriam aplicar o darwinismo para o aprimoramento da espécie e o progresso da sociedade.

Sem compartilhar do entusiasmo dos da geração intelectual subsequente à sua, e antes pelo contrário, foi ninguém menos que Adam Sedgwick, mentor de Darwin em Cambridge, que anteviu as implicações filosóficas do darwinismo. Em carta enderaçada ao pupilo, escrevera ele em 24 de novembro de 1859, ano da publicação de A Origem das Espécies:

“Na natureza, há uma parte moral e metafísica, tanto quanto uma parte física. Um homem que nega isso chafurda no lamaçal da loucura. É a coroa e a glória da ciência orgânica o fato de ela, por meio da causa final, vincular o material à moral. Você ignorou essa ligação. E, se compreendi bem o seu sentido, esforçou-se para rompê-lo em um ou dois casos significativos. Mas, fosse possível rompê-lo (o que, graças a Deus, não é), creio que a humanidade sofreria um dano capaz de brutalizá-la, afundando a espécie humana num grau de degradação ao qual, em toda a sua história registrada, ela ainda não baixou.”

Sedgwick não teve de esperar muito para ver confirmados os seus temores. Na virada do século 19 para o 20, muitos darwinistas aplicaram o princípio da seleção natural às questões éticas, inclusive as relativas ao valor da vida humana. Robby Kossmann, por exemplo, um zoólogo alemão que se tornaria professor de Medicina, foi bastante sincero e representativo ao escrever num ensaio de 1880, intitulado A importância da vida de um indivíduo segundo a visão de mundo darwinista:

“A visão de mundo darwinista considera superestimada a presente concepção sentimental sobre o valor da vida de um indivíduo humano, que impede o progresso da humanidade. Assim como qualquer comunidade animal de indivíduos, também o Estado humano deve alcançar um grau cada vez maior de perfeição, se assim for possível, mediante a destruição dos indivíduos menos aptos, de modo a abrir espaço para que os mais aptos possam expandir a sua prole... O Estado deve ter como único interesse a preservação da vida mais excelente em detrimento da menos excelente.”

Repete-se, mais uma vez, o tema do maior ou menor valor comunitário de determinadas vidas humanas. Muito embora a linguagem tenha mudado, e as categorias de pessoas incluídas no grupo de “vidas indignas de serem vividas” já não sejam as mesmas (a princípio, pelo menos, o critério “racial” já não faz mais parte dessa discussão), a bioética contemporânea mantém a premissa fundamental segundo a qual a sacralidade da vida humana é um princípio ético ultrapassado, sendo válida – tanto do ponto de vista dos direitos individuais quanto da perspectiva do bem comum – a hierarquização entre as vidas humanas, sobretudo no campo da saúde pública. A ética absoluta da sacralidade da vida é substituída pela ética relativista da qualidade de vida. O agradável e o conveniente passam a ser confundidos com o certo.

Em 2014, por exemplo, o proeminente bioeticista canadense Udo Schuklenk – adepto da ética da qualidade de vida – defendeu que crianças doentes, cujas vidas fossem consideradas indignas de serem vividas, deveriam sofrer eutanásia: “Uma ética da qualidade de vida requer que nosso foco recaia sobre a presente e a futura qualidade de vida do recém-nascido como critério relevante para a tomada de decisões. Devemos fazer perguntas como: o bebê tem capacidade de desenvolvimento que lhe permitirá ter uma vida, antes que apenas sobreviver? Se a resposta for negativa, teremos razão em concluir que a sua vida não é digna de ser vivida”.

Assim como, um século antes, fizeram Binding e Hoche em Permissão para destruir a vida indigna de ser vivida, Schuklenk apela ao custo socioeconômico como justificativa para o infanticídio médico:

“Em circunstâncias como essas, emerge sempre a questão sobre se seria uma decisão sábia alocar recursos escassos de saúde necessários ao tratamento. Prolongar a atenção médica para a crianças seria fútil, consistindo num desperdício de recursos escassos. Os recursos de saúde devem ser alocados onde possam efetivamente beneficiar os pacientes e melhorar sua qualidade de vida.”

É à ideologia bioeticista que Barroso e outros magistrados de palanque têm recorrido para justificar as suas decisões em favor do aborto, da eutanásia, do suicídio assistido e demais itens da agenda desse macabro humanismo

Mas a coisa vem de longa data. Já em 1971, o editorial de um jornal californiano de medicina antecipava o que viria, ao afirmar, a exemplo dos darwinistas sociais de um século antes, que “a ética ocidental tradicional sempre pôs grande ênfase no valor intrínseco e igualitário de cada vida humana”. Essa “ética da sacralidade da vida”, continuava o editorial, tem sido “a base da maioria das nossas leis e das nossas políticas públicas, bem como a pedra angular da nossa medicina”. Resta que “essa tradução ética tem sido erodida em seu cerne, e pode eventualmente ser abandonada… Escolhas difíceis terão de ser feitas, escolhas que fatalmente violarão e destruirão a ética ocidental tradicional. Será necessário e aceitável atribuir um valor relativo antes que absoluto a coisas como a vida humana”.

Nota-se que, tanto quanto para os eugenistas e os darwinistas sociais, a ética dos bioeticistas contemporâneos também é utilitarista. Como escreve Anne Maclean em The Elimination of Morality: Reflections on utilitarianism and bioethics, “todos os principais bioeticistas esposam alguma versão de utilitarismo”. E tanto quanto os eugenistas, os bioeticistas contemporâneos também têm contribuído para a formação de um sistema de valores que pretere os doentes mais graves e os incapacitados, cujas vidas são tidas por “indignas”; que enxerga como um desperdício de dinheiro a manutenção de tratamento médico para essas pessoas; que, em última instância, aceita a sua morte – e, cada vez mais, até mesmo o seu assassinato – como resposta legítima às dificuldades causadas por sua doença ou deficiência.

A bioética segue hoje o mesmo caminho trilhado pela eugenia há mais de um século. Partindo de um secto acadêmico, espalha-se rapidamente pela intelligentsia de todo o mundo, desembocando num tipo de sociedade na qual o ato de matar se confunde com beneficência; o suicídio torna-se “racional”; a morte natural, quase uma imoralidade; e cuidar compassiva e adequadamente de idosos, prematuros, deficientes e doentes terminais é considerado um “fardo” calculado em custo financeiro e emocional. Tendo abandonado a ética da sacralidade da vida humana, que proclama o valor moral intrínseco de cada indivíduo, os bioeticistas estão construindo um ambiente no qual os direitos das pessoas serão baseados numa explícita hierarquização da vida humana.

De fato, ao rejeitarem a excepcionalidade da espécie humana na ordem das coisas, esses ideólogos afirmam que a qualidade de ser humano é algo relativo, e que, em termos morais, o que importa é o pertencimento a uma “comunidade moral”, um título conquistado mediante o cumprimento de certos requisitos – usualmente ligados a “um conteúdo mínimo” que inclui, prioritariamente, a autonomia e a autoconsciência –, os quais os bioeticistas consideram necessários para a aquisição das prerrogativas atribuídas à pessoa, incluindo aí o direito à vida. Como veremos com mais detalhes na semana que vem, é à ideologia bioeticista que Barroso e outros magistrados de palanque têm recorrido para justificar as suas decisões em favor do aborto, da eutanásia, do suicídio assistido e demais itens da agenda desse macabro humanismo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Um tribunal para os crimes de guerra da Rússia – mas como?

Na Ucrânia estão sendo cometidas atrocidades que exigiriam a instauração de tribunal de crimes de guerra. Mas justiça requer paciência. Leia aqui nosso boletim informativo sobre a guerra na Ucrânia.

 Explicando: crimes internacionais e a guerra da Ucrânia

Ben Ferencz nunca pensou que voltaria a ver uma guerra na Europa. O jurista americano de 102 anos de idade é o último procurador dos julgamentos de Nuremberg ainda em vida, que reuniu provas dos crimes de guerra nazistas após o fim do conflito. Ferencz nos explica como vê a guerra na Ucrânia. “É difícil dizer quem é o criminoso”, respondeu Ferencz, “mas invadir outro país é certamente um crime de guerra”. Vladimir Putin deve ser julgado? “Qualquer pessoa que inicia uma guerra ilegal, por megalomania ou qualquer outra razão, merece ser tratada como um criminoso.”

A brutalidade da guerra contra a Ucrânia é difícil de suportar. Tais crimes podem ficar impunes? Os perpetradores poderão ser punidos algum dia? E pode haver paz sem justiça? A jornalista Elena Servettaz, da swissinfo.ch, questionou personalidades internacionais.  A ex-procuradora internacional Carla Del Ponte atuou no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) e de Ruanda. Ela confirma o que diz Ferencz. “Seu maior crime é a invasão. Ele é um criminoso de guerra, sim, com certeza”, diz. Mas a jurista suíça vê grandes desafios em levar o presidente russo à Justiça. Afinal, um tribunal especial da ONU dificilmente seria realizável frente ao poder de veto da Rússia no Conselho de Segurança da ONU.

Beth Van Schaack aponta para outro desafio. Ela é a embaixadora dos EUA para a Justiça Internacional e diz: “Os responsáveis por essa campanha de atrocidades estão na Rússia. Eles só podem ser pegos quando deixarem o país.”

Algo que levará muito tempo. E esta é a percepção de especialistas: a justiça requer paciência para ser executada. Pois a base de toda acusação é a evidência. Como diz o advogado Philippe Currat: “Crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio são delitos extremamente complexos. São o resultado de um grande número de atos cometidos por muitas pessoas.”

A Suíça coleta testemunhas de refugiados ucranianos desde junho de 2022 a fim de estar preparada para qualquer processo criminal ou pedido de assistência. A Procuradoria Geral da Suíça também criou um grupo de trabalho relacionado à Ucrânia e Rússia, com foco no direito penal internacional. “Claro que chegará a hora da lei, mas quando e perante qual tribunal?” se questiona François Zimeray. Esse advogado no Tribunal Penal Internacional de Haia já lidou com vários crimes de guerra. 
No momento também vê poucas chances de punir a Rússia em um julgamento internacional. 
A Ucrânia, por outro lado, está legitimada e predestinada a assumir essa tarefa.

Irwin Cotler, ex-advogado de Nelson Mandela, então promotor federal do Canadá, trabalha atualmente com uma rede da ONU parar criar um tribunal para julgar os crimes cometidos na Ucrânia. Ele espera que a Suíça desempenhe um papel nesse sentido. “A comunidade internacional não interveio quando a Rússia invadiu a Chechênia e a Geórgia. Também não tomou posição com a anexação da Crimeia e os bombardeamentos na Síria”, acusa Cotler, considerando que essa passividade possa ter encorajado Putin a invadir a Ucrânia.

Cotler é o único dos especialistas entrevistados que vê a agressão russa como um possível crime humanitário, dentre outros, devido ao apelo direto e público de genocídio.”

Mas afinal o que é genocídio? 
E qual é um crime de agressão segundo o direito internacional? 
Sua classificação é difícil devido à complexidade da questão. Nossa jornalista explica as diferenças.

Leia Também:

Explicando: crimes internacionais e a guerra da Ucrânia

 

Geopolítica - DefesaNet

 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Quem é Alexander Dugin, o pensador que inspira Vladimir Putin - Gazeta do Povo

Tiago Cordeiro

Influência no Kremlin

Há duas décadas, o filósofo russo Alexander Dugin defende publicamente que a Rússia invada a Ucrânia. Por isso mesmo, desde 2006, sua entrada no país é proibida. Durante os conflitos de 2014, quando ativistas pró-Rússia lideraram protestos ao leste e ao sul do território vizinho, enquanto Moscou anexava a Crimeia, Dugin pediu a erradicação completa da identidade nacional ucraniana. Na época, ele se declarou desapontado com o fato de o presidente russo Vladimir Putin não ter aproveitado a oportunidade para realizar uma invasão completa.

Em 2022, enquanto a possibilidade real de um ataque militar frontal volta à pauta e Putin parece disposto a seguir, finalmente, a recomendação insistente de Dugin, o pensador russo mostra novamente o tamanho de sua influência sobre o Kremlin.

Nos discursos e nas atitudes do presidente, que governa a Rússia com mãos de ferro desde 1999, parece clara a disposição para cumprir o “destino manifesto” do país, na visão do pensador: formar um novo império, composto pelo Leste Europeu e pela Ásia, capaz de se contrapor, política, militar, econômica e culturalmente, à zona de influência dos Estados Unidos.

Esse plano se traduziria em uma espécie de nova União Soviética, não comunista, mas não necessariamente democrática, e aliada próxima da China. Para ele, os Estado Unidos representam e defendem uma série de valores que ele não considera naturais à humanidade, mas sim invenções do Ocidente, como o individualismo e os direitos humanos.

Frequentemente citado como o Grigori Rasputin de Putin, em referência ao místico que influenciou fortemente a família real russa no início do século 20, Alexander Dugin seguiu uma trajetória inconstante até se firmar como referência intelectual a partir da década de 90. Desde então, inspirou até mesmo a criação de um grupo de seguidores no Brasil, e protagonizou um famoso debate público com o filósofo Olavo de Carvalho.

Influência do nazismo
Nascido em Moscou, a 7 de janeiro de 1962, Aleksandr Gelyevich Dugin era filho de um militar e de uma médica. Com seis anos, foi batizado na Igreja Ortodoxa Russa – posteriormente, se tornou membro de um grupo que pratica a religião seguindo as regras anteriores a uma série de reformas realizadas nos ritos, entre 1652 e 1666.

Aos 19 anos, Aleksandr matriculou-se Instituto de Aviação de Moscou, mas não concluiu o curso. Acabaria realizando graduação e mestrado em filosofia, com dois PhDs, um em sociologia e um em ciências políticas. Aprendeu também, de forma autodidata, a falar italiano, francês, inglês, alemão e espanhol.

Na década de 80, participou de um grupo de ocultistas, os Yuzhinsky, que flertava com o satanismo. Começou a estudar religiões pagãs, especialmente as do Leste Europeu e da Ásia. Também adotou provisoriamente o pseudônimo de Hans Siever, em homenagem a Wolfram Sievers, ex-diretor da organização nazista Ahnenerbe, que nos anos 30 realizou pesquisas arqueológicas a fim de confirmar a suposta superioridade da raça ariana.

Siever também participou de experimentos com prisioneiros de campos de concentração e foi condenado à morte durante os Julgamentos de Nuremberg. Na época, Dugin dizia que era possível adotar do nazismo e do fascismo práticas válidas para resgatar a antiga grandeza do império russo.

Em 1992, já no cenário de desmonte da União Soviética, o filósofo atuou de forma decisiva na formação da Frente Nacional Bolchevique, cujo símbolo eram uma foice e um martelo dentro de um círculo branco rodeado por uma bandeira vermelha – o resultado, visualmente, era bastante semelhante à bandeira nazista.

O grupo ficaria conhecido por realizar protestos violentos em que os integrantes, muitas vezes munidos com granadas, propunham boicotes a produtos de origem ocidental. O filósofo continua, até hoje, a defender o uso da violência: para ele, o atirador norueguês, Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em 2011, é um exemplo a ser seguido, porque representa um sintoma da decadência da civilização ocidental. “O fim está chegando para a Europa. Deixemos todo o multiculturalismo, a maçonaria e orgulho gay. Deixemos toda a sujeira da Europa acabar com ela. Quanto mais Breiviks, melhor”.

Após romper com o grupo em 1998, em 2001 Dugin participou da criação do Partido pela Eurásia. Em 2005, assumiu a frente da criação de um braço do partido para jovens – há anos ele advoga pela importância de formar lideranças desde a juventude. Em 2009, lançou o mais influente de seus muitos livros: A Quarta Teoria Política, que propõe a superação do liberalismo, do comunismo e do fascismo, pela ordem.

Ainda que Dugin e Putin não sejam vistos juntos, e o presidente russo sequer mencione nominalmente o filósofo, sua influência é clara sobre as ações do governo. Seu livro Fundações da Geopolítica é leitura obrigatória na Academia Militar do Estado-Maior Geral da Rússia. Ainda assim, a abordagem agressiva rende a Dugin algumas restrições em suas atividades. Depois de pedir o genocídio dos ucranianos em 2014, ele chegou a ser afastado de seu posto na Universidade Estadual de Moscou.

Relação com o Brasil
No Brasil, existe um grupo, fundado em 2015 no Rio de Janeiro, seguidor do pensamento de Dugin. Trata-se da Nova Resistência, que se define como “uma organização política de orientação nacional-revolucionária, composta por trabalhistas, distributistas, tradicionalistas, nacionalistas de diversas vertentes e adeptos da Quarta Teoria Política que defende uma resistência ampla e em vários níveis às políticas econômicas neoliberais, ao imperialismo atlantista, à agenda globalista e ao lobby sionista nas mídias e nos governos”.

A Nova Resistência é um reduto antiliberal e anticapitalista, afirma a entidade em sua página oficial. “Aceitamos uma certa diversidade de posicionamentos políticos, desde que estejam pautados em um antiliberalismo/anticapitalismo, político e econômico, que seja profundo e consistente”. Para o Brasil, a organização propõe “um Estado forte, economicamente soberano e politicamente independente, centralizado em relação a todas as questões estratégicas e de segurança nacional e descentralizado nas bases, em relação a maioria das outras questões”.

Constantemente comparado ao americano Steve Bannon e ao brasileiro Olavo de Carvalho, o filósofo russo chegou a protagonizar um debate com Olavo – que chegou a postar vídeos em que lê suas respostas ao colega. O brasileiro não concordava com as críticas de Dugin à civilização ocidental. A troca de réplicas e tréplicas, intensa, foi reunida num livro, Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial. Quando Olavo faleceu, Dugin utilizou sua conta do Facebook para publicar uma foto de Olavo e Bannon.

Tiago Cordeiro - Ideias - Gazeta do Povo 

 

segunda-feira, 31 de maio de 2021

A versão cangaceira do Inspetor Clouseau - Augusto Nunes

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Fúnebre marcha dos 100 mil - Fernando Gabeira

Em Blog


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Namorando a cultura - Regina Duarte, a Namoradinha do Brasil - Alexandre Garcia

A atriz Regina Duarte

A atriz Regina Duarte sempre demonstrou apoio a Bolsonaro

Regina Duarte, a Namoradinha do Brasil, aceitou ser Ministra ou Secretária da Cultura com a condição que começasse com um noivado, até que passasse o medo com o tamanho do desafio.  Não precisaria ter medo quem há 50 anos frequenta o serpentário onde crepitam as chamas da fogueira de vaidades que é o meio das artes, onde fervem egos. O setor cultural estatal talvez seja ainda mais perigoso, porque junta uma rima: a da vaidade com autoridade. A Namoradinha do Brasil vai ocupar a cadeira de um exemplar dessa combinação, que ficou sem assento por causa do pronunciamento em que parecia estar no estádio de Nuremberg, com Goebbels e Wagner. Homem de teatro, incorporou a persona.

Quando se soube do plágio de Goebbels, na sexta-feira pela manhã, pensei que fosse a frase aplicadíssima no Brasil, por mentirosos contumazes: “A mentira repetida mil vezes, vira verdade”. Se fosse, não seria novidade, pois são velhos conhecidos esses mitômanos que primeiro se convencem da própria mentira, para depois mentirem convincentemente. Mas não era a frase. Foi um parágrafo inteiro de Goebbels, uma enrolação verborrágica que o Senhor Alvim exumava.

Para conseguir almoçar naquela sexta no Clube Naval, o presidente primeiro teve que demitir o secretário. Alvim flagrado, disse que não sabia da origem do parágrafo plagiado, o que levou a suposições de conspiração para atingir o presidente com a fala nazista. Mas depois, Alvim afirma que assume tudo, isentando assessores. Difícil entender uma mente assim. Tomara que jornalismo investigativo abra a caixa-preta desse episódio, para apurar se guarda mera coincidência com o enredo de “Especialista em Crise”, com Sandra Bullock.

LEIA TAMBÉM"Lúcio Vaz - Deputados descobrem como ser “digital influencer” com dinheiro público"

O episódio Goebbels-Alvim serve para chamar a atenção do povo, povão brasileiro, que existe uma fonte de consumo de seus impostos, chamada Secretaria ou Ministério da Cultura.
Porque o setor não tem servido ao titular da cultura brasileira, que é o povo, mas a alguns selecionados, que adoram fácil dinheiro público, para não correr riscos com seus empreendimentos. [esses selecionados são alguns aztistas, com produções medíocres, em sua maioria falsificando a verdade do que dizem contar ou produzir - meros mamadores das tetas da 'viúva' que querem um órgão federal da cultura, não para ser à CULTURA  e sim a cultura do patrimônio pessoal dos selecionados.
Ao presidente resta ou fundir de vez a tal 'secretaria' ao Ministério da Educação - justificando MEC - ou transformá-la em uma subseção de uma vice-secretaria de alguma coisa.
Assim, o dinheiro público estará sustentando uma estrutura mínima que, mesmo assim, é maior do que a cultura que querem produzir.]

Tenho visto gente financiada pelo imposto de todos, que cobra alto por ingressos de seus espetáculos, vistos só por quem tem dinheiro para alcançar a bilheteria. Tenho visto falta de critério, financiando obras que nada dizem ao povo. Vejo grandes centros urbanos centralizando recursos culturais, a despeito de haver um interiorzão forte, rico de cultura, de tradições, distante do estímulo estatal, e perdendo suas raízes, esmagado pela cultura industrial massificada, alheia a seus valores. Serve para gente lembrar que a cultura é do povo, não tem dono, muito menos grupos de donos. E não está jungida ao estado, como sugeriram Goebbels e Alvim, mas é solta e livre, porque não aceita imposições. Um povo não pode perder seu passado, ou não terá identidade no futuro.

As raízes de um país são como as raízes de uma famíliapaíses e famílias precisam honrar e preservar seus nomes. [não tem sentido que o contribuinte financie uma cultura centrada em  "aztistas", a maioria  em final de carreira, cujas obras primas são ofensas à JESUS CRISTO, aos VALORES CRISTÃOS, à MORAL, aos BONS COSTUMES.]   Há uma cultura da Humanidade que perpassa fronteiras: são os grandes nomes da música, da literatura, das artes cênicas e plásticas. [que a depender dos "cultureiros" de agora será censurada - já começaram por Wagner.] E há uma cultura nacional, como a nossa, rica, diversificada, cheia de cores e nuances, que deve ser preservada com o zelo do estado – e diferente do show-business, do entretenimento industrial, que é uma atividade de risco, como tantas outras atividades comerciais.

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