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sexta-feira, 10 de maio de 2019

A volta de Temer à prisão é uma soma de aberrações; eis o caminho do abismo

A cassação do habeas corpus concedido ao ex-presidente Michel Temer é uma aberração legal a endossar outra. Dois dos três integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região resolveram manter a prisão preventiva de Temer, decretada no dia 19 de março pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio. A prisão aconteceu no dia 21 daquele mês e se estendeu até o dia 25, quando, então, o desembargador Ivan Athié concedeu uma liminar libertando o ex-presidente. Na votação desta segunda, Athié reafirmou o seu voto, mas foi vencido por Abel Gomes e Paulo Espírito Santo. Temer volta para a prisão nesta terça. Agora, sua defesa tem de entrar com um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Um sinal da tragédia destes tempos: os dois juízes que cassaram a liminar reconheceram que a prisão não tem amparo na lei. Tratar-se-ia, como deixaram claro, de uma satisfação à sociedade. Creiam: como país, vamos sorrindo para o abismo.

Quando Bretas decretou a prisão preventiva de Temer, ele já mandou às favas o Artigo 312 do Código de Processo Penal. Sua decisão está aqui. Como afirmei, então, é uma leitura porca do texto legal que tem permitido essas prisões arbitrárias. O que diz mesmo a lei? Terei de relembrar:

"A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria"

Para decretar uma prisão preventiva, é preciso que, dada a circunstância, então, do crime comprovado e do indício de autoria, esse possível autor esteja incidindo NO PRESENTE, NO TEMPO EM QUE SE DECRETA A PRISÃO, em ao menos uma das quatro transgressões
a) praticando crime contra a ordem pública,
b) contra a ordem econômica, 
c) tentando dar sumiço a provas ou assediando testemunhas ou, ainda, 
d) dando indícios de que pretende fugir, o que impediria a aplicação da lei penal.

Como já destaquei neste blog, das 46 páginas do despacho em que manda prender Temer e outros, Bretas gasta ao menos 34 tentando explicar a prisão. Sem conseguir. Afrontou gostosamente o direito, a língua e a lógica. Não tendo como justificar o ato arbitrário, Bretas apela, então, à condição social do preso, o que tem se tornado prática corriqueira na Lava Jato. Escreveu:

"Avaliando os elementos de prova trazidos aos autos, em cognição sumária, considero que a gravidade da prática criminosa de pessoas com alto padrão social, mormente políticos nos mais altos cargos da República, que tentam burlar os trâmites legais, não poderá jamais ser tratada com o mesmo rigor dirigido à prática criminosa comum."

Aí está admitido, então, o que ele mesmo considera um rigor incomum. Mas notem: Bretas continua apegado apenas à suposta existência do crime com indício de autoria. Nem Ministério Público nem juiz foram capazes de apontar que risco Temer representaria à sociedade e à investigação se estivesse livre.  Estamos diante do mais escancarado e desastroso populismo judicial. Observem: eu, pessoalmente, acho ridículas as acusações contidas contra Temer no pedido de prisão preventiva apresentado pelo Ministério Público. Não custa lembrar: o MP o acusa de pertencer a uma organização criminosa que estaria em vigor há, pasmem!, 40 anos, que já teria se envolvido com operações da ordem de R$ 1,8 bilhão entre propinas pagas e prometidas. Há 40 anos, ele era professor de direito em Itu e nem tinha iniciado carreira da vida pública. Como é que se chegou a esse cálculo estúpido? A propósito: como se faz a conta, ao longo de quatro décadas, de propinas pagas e prometidas?

Acontece, meus caros, que havia a disposição para prender. E ponto. Na absurda entrevista coletiva que se seguiu à prisão, em que MPF e PF acusaram Temer de práticas criminosas que não estavam no pedido de prisão nem no despacho de Bretas, o coordenador da Lava Jato no Rio, Jorge El-Hage, afirmou a seguinte pérola:

"É preciso deixar claro aqui que estranho seria se Michel Temer não tivesse sido preso. A prisão dele é decorrência lógica de todos os crimes que ele praticou durante uma vida inteira, pertencendo a uma organização criminosa muito sofisticada"

PRISÃO PREVENTIVA NÃO É JULGAMENTO 
Notem: vocês podem até estar entre aqueles que acham que todas as acusações são verdadeiras. Ocorre que estamos falando sobre prisão preventiva. Se o crime aconteceu ou não, se há provas ou não, isso tudo tem de ficar para o julgamento, quando, então, se dá a sentença. Para prender alguém preventivamente antes da condenação, é preciso que a pessoa esteja cometendo crimes no presente, que esteja atrapalhando a instrução criminal ou que esteja prestes a fugir.

Bretas admite que o ex-presidente não está fazendo nada disso e que mandou prendê-lo por ser uma pessoa de "alto padrão social". Abel Gomes e Paulo Espírito Santo mantiveram a decisão para dar uma satisfação à sociedade. Vale dizer: manda-se alguém para a cadeia, ao arrepio da lei, porque um monte de gente que faz barulho na Internet acha ser i
sso o certo.

Blog do Reinaldo Azevedo


A volta de Temer à prisão é uma soma de aberrações; eis o caminho do abismo ... - Veja mais em https://reinaldoazevedo.blogosfera.uol.com.br/2019/05/09/a-volta-de-temer-a-prisao-e-uma-soma-de-aberracoes-eis-o-caminho-do-abismo/?cmpid=copiaecola

sábado, 23 de março de 2019

Prisão de Temer é uma aberração legal

Temer foi preso não pelas razões que a lei exige, mas por ser quem é

A prisão do ex-presidente Michel Temer e de outros, dados dos termos do despacho do juiz Marcelo Bretas, é uma aberração. O lava-jatismo arreganha os dentes mais uma vez. E numa hora difícil para a turma do Tribunal do Santo Ofício. Leiam a decisão. Para justificar o ato atrabiliário, ele desenvolve uma espécie de tese-manifesto sobre o artigo 312 do Código de Processo Penal, a saber: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. Para que fique claro: são quatro os motivos, não cinco. Haver “prova do crime e indício de autoria” não é um quinto. Essa é a circunstância necessária. Existindo, é preciso que esteja dada ao menos uma das quatro razões. E não está.

Ainda que todas as imputações feitas ao ex-presidente fossem verdadeiras, não há uma só evidência de que esteja pondo em risco a ordem pública ou econômica” —isto é, cometendo crimes—; constrangendo testemunhas ou eliminando provas, o que ameaçaria a instrução criminal, ou dando sinais de que pretende fugir, o que impediria a aplicação da lei penal. E só por essas razões se pode prender alguém preventivamente. As que motivaram a denúncia devem ser avaliadas na hora do julgamento, acompanhadas de provas.

O despacho de Bretas tem 46 páginas. Está à disposição. O autor consome nada menos de 34 delas tentando justificar por que pediu a prisão preventiva de Temer e de outros investigados. Repete as acusações feitas pelo Ministério Público, apela a tratados internacionais em favor do combate à corrupção, mas sem conseguir dizer por que, agora, o ex-presidente e outros representariam risco à sociedade ou à investigação. No momento em que mais se aproxima de fazê-lo, escreve: “Considero que a gravidade da prática criminosa de pessoas com alto padrão social, mormente políticos nos mais altos cargos da República, que tentam burlar os trâmites legais, não poderá jamais ser tratada com o mesmo rigor dirigido à prática criminosa comum”.
Vale dizer: Temer foi preso não porque esteja dada ao menos uma das quatro razões para fazê-lo, como exige a lei, mas por ser quem é.

O Partido da Polícia vinha amargando algumas derrotas na Justiça nos últimos dias. Sua mais fulgurante estrela, o ex-juiz Sergio Moro, apagou-se no governo, restando-lhe, como ficou claro no embate de quinta com Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, falar uma linguagem abertamente populista e eleitoreira. E olhem que 2022 ainda está longe. Moro foi à Câmara dar pitaco no andamento dos trabalhos da Casa. Levou um chega pra lá de Maia e reagiu com uma nota em que diz: “Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”. E encerrou sua mensagem com um “Que Deus abençoe esta grande nação”. Como se percebe, Deus também foi capturado.

Sei o que me custou, e me custa ainda, quando, já em 2014, no ano de nascimento da Lava Jato, comecei a perguntar em que documento legal se baseavam as prisões preventivas. Apontei os abusos. Carimbaram em mim a pecha de “inimigo da força-tarefa” e, ora vejam!, até de petista. Alguns bobos de esquerda e as hostes bolsonaristas comemoram a prisão de Temer. É a prova de que não aprendem nada nem esquecem nada e de que se estreitam num abraço insano. Aplaudiram também a de Beto Richa, decretada pela Justiça Estadual do Paraná. Nesse caso, escreveu o juiz Fernando Bardelli Silva Fischer, depois de reconhecer que fazia uma leitura, digamos, pessoal do artigo 312 do Código de Processo Penal: “Cabe ao Poder Judiciário [...] deixar de entoar os velhos mantras, e, em um processo de resistência ética, repelir os altos precedentes que não se alinhem aos ideais de uma justiça equânime para, enfim, construir um direito mais democrático e assentando no intersubjetivismo refletido”.

Dito de outro modo: Bretas, Fisher e outros, a exemplo do que já fez Moroque serve a Bolsonaro e o aterroriza—, prendem quem lhes der na telha, pouco importando o artigo 312 do Código de Processo Penal. Quem não concorda com eles estaria apenas entoando “velhos mantras” a serviço da corrupção. Reformas? O Brasil tem coisa mais urgente a fazer: prender pessoas ao arrepio da lei.

“Que Deus abençoe esta grande nação”, como disse o nosso Salvador.

Podem entrar na fila da guilhotina.
 
Reinaldo Azevedo - Coluna na Folha de S. Paulo
 
 
 
 

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Mendes acerta e impede absurda transferência de Cabral. Lá vêm bueiro e Priscilas com bobagens

Está em curso uma nova era, em que alguns juízes não querem mais ser protegidos pelas sólidas garantias de que goza a magistratura brasileira. Eles querem ser divinizados. Já não basta a lei. É preciso também a reverência

O ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu uma liminar impedindo a transferência de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, para um presídio federal de segurança máxima, conforme havia determinado o juiz Marcelo Bretas. Leia a íntegra aqui.

Sempre foi uma besteira tentar intimidar o ministro, venha essa pressão do bueiro do capeta em que se transformaram as redes sociais ou apenas de formações nada olorosas na própria grande imprensa, onde se vende e se compra o chamado “fontismo”. O pagamento, nesse caso, não é feito diretamente em dinheiro. O que se busca é a reputação de “Priscila, a Rainha do Deserto” dos bastidores da política. Erram todas. Erram tudo. Mas sempre estão com a fofoca na ponta da língua.

Bem, Gilmar não é do tipo que precisa se desculpar ou cair em lágrimas porque, sem querer, distraidamente, diz coisas como “negro de primeira linha”. Até porque sabe o que é ser alvo de brancos e brancas de terceira linha, né?  Eu nunca chamei Cabral de santo.
Eu nunca pensei em lançar seu então secretário de Segurança, para o Nobel da Paz.  Eu nunca tive de puxar o saco de Cabral por causa de Copa do Mundo e Olimpíadas.  Eu nunca tratei no noticiário o então governador como o Rei do Rio.
No meu blog, Cabral sempre apanhou. E quando ainda não era chamado de ladrão.
Aliás, não tenho o hábito de chamar ninguém de “ladrão”. Travo o debate em outra esfera.
Eu criticava o governador porque achava que sua política de segurança conduziria a área ao colapso.
E conduziu.

Aliás, ele conduziu o Rio ao colapso. E o Estado era cantado em prosa e verso como exemplo de boa gestão.  Mas sabem como é… Ao longo do tempo, os beneficiários da ditadura resolveram cuspir no prato em que comeram. E agora cospem em Cabral.  Eu não preciso me desculpar por nada. Por isso, posso dizer: a decisão de Bretas é uma aberração. O fato de o governador ter comentado o ramo de atividade da família do juiz, uma notícia que é pública, e de fazê-lo em juízo, não por intermédio de qualquer outra forma de pressão, não caracteriza, obviamente, ameaça nenhuma.

É que está em curso uma nova era, em que alguns juízes não querem mais ser protegidos pelas sólidas garantias de que goza a magistratura brasileira. Eles querem ser divinizados. Já não basta a lei. É preciso também a reverência.  Ou não lemos a sentença em que Sérgio Moro condena Lula? Lá está escrito, com todas as letras, que, quando o petista recorreu à Justiça contra o juiz — REITERO; RECORREU À JUSTIÇA CONTRA O JUIZ e mesmo quando processou jornalistas, estava tentando intimidá-los e obstruir a investigação? Moro até aventou a possibilidade de decretar a preventiva do ex-presidente por isso.
Pergunto: um juiz é nobre demais para estar acima até do Poder ao qual pertence?

Mas ninguém teve a coragem de dizer uma vírgula na imprensa. Nem os colunistas de esquerda. Estes estavam ocupados em tentar derrubar Temer. Os de direita ficaram de bico fechado porque, se é contra Lula, então deve ser bom. E as Priscilas estavam atuando do mercado do fontismo: ciscando um pouco aqui, um pouco ali, um pouco acolá, aguardando a voz de comando.  Daqui a pouco, vai se impor aos réus que sejam impopulares que não olhem para a cara do juiz. Tenham paciência.

Ora vejam… A questão só foi parar nas mãos de Gilmar porque, a meu juízo, o Tribunal Regional Federal do Rio e o Superior Tribunal de Justiça se acovardaram. Alguém tem de ter a coragem de fazer valer a lei. Os discípulos de Barroso — herói de sempre da esquerda e novo herói das direitas e das Priscilas — acham que só se faz justiça quando se prende.  A propósito: alguém poderia, com a lei na mão, dizer por que Cabral ainda está em prisão preventiva? Ele nem foi condenado em segunda instância. Em qual das quatro razões apontadas no Artigo 312 do Código de Processo Penal ele se enquadra.
Não pergunte ao bueiro do capeta.
Não pergunte àqueles bolsões nada olorosos.
Não pergunte às Priscilas.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo

 

 

terça-feira, 4 de julho de 2017

Decisão de juiz que mandou prender Geddel viola a lei e a língua portuguesa. Infelizmente!

Leitura que o juiz Vallisney de Souza Oliveira faz do Artigo 312 do Código de Processo Penal está entre as coisas mais exóticas que já li. O juiz ainda manda um ”haverem provas”... Estamos fritos!

Vamos fazer um acordo, leitor amigo? Você se compromete, goste ou não do meu texto, a ler o despacho do juiz Vallisney de Souza Oliveira, que determinou, a pedido do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, a prisão preventiva de Geddel Vieira Lima. Acho que se trata de expressão de desespero, compatível com outras maluquices que estão por aí. Afinal, Rodrigo Janot havia prometido que ainda lançaria algumas flechas com o bambu de que dispõe. Obviamente, trata-se de uma tentativa de atingir o presidente Michel Temer, já que o preso do dia foi seu ministro.

Bem, vamos lá. Geddel é investigado na Operação Cui Bono, que o acusa, quando ocupava a Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, de ter atuado na liberação manipulada de empréstimos, em conluio com Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Fábio Cleto.  Notem que não direi uma palavra sobre a acusação e a investigação. Não disponho de elementos para afirmar se Geddel é culpado ou inocente. Tampouco o juiz Vallisney está a julgar o ex-ministro. Uma coisa é certa: dada a íntegra do seu despacho (aqui), a prisão preventiva é escancaradamente ilegal. A menos que haja elementos que desconhecermos a justificá-la.

Atenção! Reitero: eu não estou dizendo que Geddel é inocente. O que sustento, e o fará qualquer pessoa que emita um juízo técnico, é que a prisão é injustificada. “Ah, e se for mantida pela segunda instância?” Bem, meus queridos, subir o erro um andar não o torna um acerto.

Existem quatro motivos, e apenas quatro, para se decretar a prisão preventiva de alguém: a) risco à ordem pública; b) risco à ordem econômica; c) no interesse da instrução criminal (para preservar provas e testemunhas); d) garantia de efetividade da lei penal (evitar a fuga). É o que dispõe o Artigo 312 do Código de Processo Penal. O juiz vê a presença das quatro condições. Será mesmo?

Atenção! O que quer dizer “risco a ordem pública e econômica”? A evidência de que o investigado está cometendo, no presente, novos crimes. E isso o que diz Vallisney sobre Geddel? Vamos à sua decisão? “mesmo após a saída da Vice-Presidência exercida na CEF, o investigado GEDDEL VIEIRA LIMA continuou a interferir na Caixa Econômica Federal indevidamente, utilizando-se de sua influência política e que prosseguiu em negociações ilícitas em desfavor da referida empresa pública. No ponto, relata LÚCIO BOLONHA FUNARO: ‘Que a última operação de crédito viabilizada pelo declarante foi de uma linha de crédito no valor de R$ 2,7 bilhões para a compra da ALPARGATAS ocorrida em dezembro de 2015; QUE nesta época GEDDEL já havia saído da vice-presidência, mas continuava controlando-a’ Ou seja: em data recente, mesmo fora do cargo na CEF, GEDDEL VIEIRA LIMA demonstrou poder de influenciar as operações bancárias, estando presente a necessidade da prisão para assegurar a ordem pública.”

Só não direi que é coisa inédita porque não há mais ineditismo na Lava-Jato em matéria de desmando. Ora, se o que se diz sobre Geddel é verdade é se, mesmo fora da CEF, ele continuou a interferir no banco público, que isso seja considerado na hora da sentença e na dosimetria da pena. Afirmar que ele segue sendo um risco à ordem pública hoje porque continuou delinquindo em 2015 é de exotismo teórico ímpar. Parece mesmo que PF, MPF e setores do Judiciário estão dispostos a testar os limites das instituições.

O juiz avança e diz que Geddel, se solto, pode procurar escamotear o dinheiro irregular que teria arrecadado, caracterizando risco à ordem econômica. Seria cômico se não fosse trágico — e é trágico para o direito. A operação Cui Bono foi deflagrada no dia 13 de janeiro, há quase sete meses. Geddel deixou a diretoria CEF em dezembro de 2013. E PF e MPF vêm dizer agora, com a concordância de Vallisney, que, solto, o ex-deputado e ex-ministro pode maquiar o produto das ações ilícitas? Ora, a essa altura, a coisa já estaria feita. De novo: seria elemento a agravar a sua pena.

Geddel também estaria pondo em risco a instrução criminal. Como? Ao telefonar para a mulher de Lúcio Funaro. E Vallisney recorre ao testemunho do bandido preso, a saber: “QUE estranha alguns telefonemas que sua esposa tem recebido de GEDDEL VIEIRA LIMA, no sentido de estar sondando qual seria o ânimo do declarante em relação a fazer um acordo de colaboração premiada; QUE também chamou a atenção do declarante o monitoramento feito do seu estado de ânimo dos escritórios de advocacia…”

Geddel ameaçou a mulher de Funaro? Há evidências disso? Se há — e não está no despacho do juiz —, existe motivo para a preventiva. O simples telefonema não significa absolutamente nada. Geddel não estava sob medida cautelar nenhuma que o impedisse de telefonar para quem quer que fosse.

O juiz não tem dúvida: se Geddel ligou para a mulher de Funaro e, reitero, o conteúdo da ligação não é revelado —, então é sinal de que ele pode ameaçar familiares de outros envolvidos na operação. A peça, com a devida vênia, sobe alguns graus na escala do delírio.

Estupro à língua
Achando que o estupro ao direito era pouco, o juiz também resolveu violar a língua portuguesa e mandou brasa:
“Todas essas circunstâncias apontadas convencem-me de que a prisão de GEDDEL LIMA é medida que se impõe, por haverem provas, até o momento, de sua participação no supramencionado esquema ilícito, havendo o perigo de que se permanecer solto possa atrapalhar as investigações na Operação Cui Bono e, indiretamente, no Processo n. 60203-83.2016 (Operação Sépsis)  (…)

Bem, meus caros, algo de realmente grave se passou com o Brasil quando um juiz com a importância de Vallisney detona, sem piedade, a gramática do verbo “haver”, que, no sentido de “existir”, coitadinho!, é impessoal. Assim, obriga a gramática que o juiz escreva., “por haver provas”, nunca “por haverem provas”.

“Ah, Reinaldo, prefiro um juiz que viole a língua a uma que viole a lei”. Ora, se me fossem dadas apenas essas alternativas, eu também preferiria. Ocorre que o despacho de Vallieney viola das duas.  E não se enganem: um juiz federal escrever “haverem provas” indica um estágio de leitura — inclusive das normas do direito. E também indica que podemos estar todos fritos. Inclusive os honestos.

 Leia também:  Juiz Vallisney, o Sérgio Moro do B, manda prender Geddel. É uma das flechas de bambu de Janot

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo