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domingo, 20 de fevereiro de 2022

O que fazer com os 30 quilos de cocaína? - Carlos Alberto Sardenberg

Em 9 de julho de 2019, quando tomava corpo o desmonte da Lava a Jato  e de todo o sistema de combate à corrupção,  o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão deu uma aula sobre esse tema aqui em O Globo. Começou contando uma história que ouvira de um ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.

A seguinte: “O Supremo julgava um traficante de drogas. Preso com 30 ou mais quilos de cocaína. Não lembro bem. Uma enormidade. Na apreensão, ou durante o processo, uma autoridade teria cometido ato duvidoso diante da lei.

A defesa argumentou ofensa ao princípio de devido processo legal. Donde, in dubio pro reo. O debate no Supremo caminhava rotineiramente para a soltura e absolvição do traficante preso. Quando, surpresa, um ministro perguntou a seus colegas: E a cocaína? O que fazemos com os mais de 30 quilos apreendidos?”

Claro que já perceberam onde queremos chegar. Na pergunta que os tribunais terão de responder em breve: o que faremos com o dinheiro da corrupção capturado em processos que vêm sendo anulados? Esse dinheiro é tão concreto quanto os quilos de cocaína. Em dezembro passado, a Petrobras informou que chegara ao final de 2021 com R$ 6,17 bilhões recuperados em acordos de leniência, repatriações e delações. Dinheiro da corrupção apanhada pelos dois principais ramos da Lava Jato, a de  Curitiba e a do Rio.

Há outros processos de recuperação em andamento. A Petrobras informou que atua como coautora em 31 ações de improbidade administrativa e 85 ações penais vinculadas às diversas fases da Lava Jato. Periga perder todas.

A Lava Jato de Curitiba já foi desmantelada. Os chamados garantistas, réus e advogados do grupo “Prerrogativas” aquele que promoveu o jantar para Lula e Alckmin – se preparam agora para desmontar os processos do juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato do Rio.

A tática é a mesma: não provar a inocência dos clientes, [tarefa impossível, visto que provar o que não existe é complicado,tanto quanto provar o que não ocorreu  -  tanto é que desde antes da eleição 2018, a turma do establishment = inimigos do presidente Bolsonaro = inimigos do Brasil, tenta provar algo contra Bolsonaro e familiares e não consegue. Bolsonaro logo será reeleito e eles vão continuar tentando.] mas anular os processos com base no que o professor Falcão chama de doença do processualismo.

Diz ele: “Longe viver sem o devido processo legal e o pleno direito de defesa. Ao contrário. Mas seu inchaço não nos leva à saúde da democracia. Quem transforma o saudável direito processual em patológico processualismo?”

Um amigo advogado conta uma história que deve ser inventada, mas é boa assim mesmo. Diz que um empresário apanhado na Lava Jato foi a um conhecido escritório de advocacia e disse que queria limpar seu nome, mesmo perdendo  todo o seu dinheiro. O advogado teria respondido: veio no escritório errado; aqui a gente salva o dinheiro, mesmo deixando o nome na lama.

Mas o PT não quer apenas Lula livre. Quer limpar o nome do candidato e do partido. Acaba de lançar uma história em quadrinhos para, explica o redator,  facilitar o entendimento “de quem não aguenta mais ler textão”. Ou seja, deixem os processos de lado e fiquem com a seguinte narrativa, muito simples: não houve corrupção, Lula é inocente, culpado é o Moro.

O quadrinho admite que não houve sentença declarando Lula inocente, mas argumenta que a extinção dos processos é prova de inocência.Não é, mesmo porque as provas da corrupção – e o dinheiro – não desaparecem simplesmente porque algum juiz considerou o processo irregular. Trata-se, sem tirar nem por, do mesmo caso da cocaína. Os tribunais que estão liberando geral vão fazer o que com os bilhões capturados? A Petrobras terá que devolver os R$ 6,17 bilhões?

Seria a consequência lógica. Se não houve um grande esquema de corrupção montado nos governos do PT e associados, se os processos foram extintos, então o dinheiro teria que ser devolvido aos seus “donos”. E já tem ex-réus cogitando disso. [a defesa do descondenado luladrão = petista Lula = já começou a atuar, com pedido de indenização no valor de R$ 1,5M, por danos morais, e R$ 100 mil por grampo. Logo pede a devolução, de valores que decorrentes de lucros cessantes, etc.]

Para o PT, entretanto, isso não é o essencial. A questão está nas eleições. Se Moro for candidato, é claro que vai colocar o tema no debate – e ele sabe muita coisa, tem muito documento e provas à disposição. Por isso o PT ataca tanto o ex-juiz. E por isso publica seus quadrinhos. Para ludibriar os eleitores.

Carlos  Alberto Sardenberg,  jornalista

Coluna publicada em O Globo - Economia 19 de fevereiro de 2022

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Corregedoria determina que Bretas cumpra decisão do Supremo - Lauro Jardim [tem algo fora da curva ???] - Lauro Jardim

Por Amanda Almeida - O Globo
 
LAVA-JATO

Corregedoria dá puxão de orelha em Bretas e determina que ele cumpra decisão do Supremo

 A Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 2ª Região determinou que o juiz Marcelo Bretas cumpra imediatamente uma decisão do Supremo: remeter processo contra Alexandre Baldy, secretário de Transportes de São Paulo, à Justiça Eleitoral de Goiás.
 
Marcelo Bretas

Trata-se de uma decisão do ministro Gilmar Mendes, assinada em 1º de outubro, que não foi cumprida até hoje sob justificativa de dificuldades na remessa em meio à pandemia.

O corregedor, desembargador Luiz Paulo da Silva Araujo Filho, diz que "não se pode convir com a demora no cumprimento da decisão do Supremo" e completa que Bretas deve encaminhar o processo para a Justiça Eleitoral até a próxima sexta-feira.

[A regra sempre foi e ainda é: decisão judicial não se discute, se cumpre. Com o espaço para a judicialização excessiva, imposto pela CF de 88, houve uma pequena adaptação: decisão judicial se cumpre e eventual insatisfação se recorre.
O tempo e mesmo algumas decisões do Supremo, monocráticas especialmente, algumas reversões do próprio Supremo,  revertendo, incentivaram discussões, comentários apontando equívocos, mas o se cumpre permaneceu valendo.
 
Verdade que  uma pergunta começou a se impor: toda ordem do Supremo termina por ser cumprida, pode demorar, mas, termina sendo cumprida -  O que acontecerá  quando  o Supremo decidir algo e houver uma recusa, confirmando um não cumprimento?
 
Sempre era cogitado a recusa, a desobediência, partir de outro Poder, de outro órgão. Mas, jamais se esperava, sequer se cogitava,  que a desobediência acontecesse dentro do próprio Poder Judiciário indiscutível, que postergar cumprir uma decisão do STF, sem fundamentação ampla e incontestável, não deixa de ser uma desobediência
O que fazer?  se até a aplicação do 'remédio constitucional' artigo 142 da Lei Maior, é alvo de interpretações diversas. 'Portanto...]
 
Baldy foi alvo da Operação Dardenários, em agosto. Ficou um dia preso. A suspeita é de participação de suposto conluio para direcionamento de contratações na saúde em Goiás, onde foi secretário estadual da Indústria. Ele nega as acusações.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Cada vez mais próximo a Bolsonaro, Bretas usa até carro oficial da Presidência - O Globo

Thiago Prado

Juiz da Lava-Jato mantém conversas privadas com Bolsonaro, participa de festa evangélica na praia e da inauguração de obra, onde chegou no carro oficial do presidente

Além de mostrar a aproximação entre o presidente Jair Bolsonaro e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), o evento evangélico do último sábado na Praia de Botafogo, no Rio, expôs outra relação que vem se intensificando silenciosamente nos últimos meses. O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato no estado, está a cada dia mais afinado com o Palácio do Planalto, a ponto de manter conversas privadas com o presidente e participar até de inauguração de obra.

No sábado, antes de aparecer próximo a Bolsonaro em um vídeo cantando música entoada pelo missionário R.R Soares, Bretas esteve na inauguração da alça de ligação da Ponte Rio-Niterói com a Linha Vermelha. O magistrado chegou ao local no carro oficial do próprio presidente e subiu em um palco para discursos ao lado de ministros, prefeitos e deputados, situação atípica para a função que exerce nos tribunais. Na ausência do governador Wilson Witzel (PSC-RJ) — adversário declarado do presidente — acabou sendo a principal autoridade fluminense convidada para o evento.
Leia Mais: Sem citar Witzel, Bolsonaro alfineta: 'Um governador quis botar na agência reguladora dele um energúmeno'

A relação tête-à-tête entre Bolsonaro e Bretas começou a ser construída em 2 de junho do ano passado, quando o juiz desembarcou em Brasília para passar algumas horas de um sábado com o presidente em uma agenda não divulgada. Foi o mesmo período no qual Bolsonaro disse que gostaria de nomear para o Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro “terrivelmente evangélico” — Bretas é adepto da religião.

A simpatia do magistrado por Bolsonaro é expressada nas redes desde o período eleitoral (ele curte e comenta postagens do presidente de tempos em tempos). Quando Bolsonaro passou a seguir o seu perfil no Twitter recentemente, Bretas escreveu: “Honrado em ter dentre os seguidores desta conta Twitter o Presidente da República do Brasil. Gratidão”. Ontem, o juiz fez questão de colocar no Instagram um vídeo de boas-vindas para o presidente na chegada ao Rio. -  Nos damos bem, mas não vou dar detalhes da minha relação com ele — diz Bretas ao GLOBO, negando que haja relação da afinidade com a indicação para o STF no fim deste ano — Você que está dizendo — desconversa.


A primeira vez que a possibilidade de ida para o Supremo foi cogitada no meio jurídico deu-se em novembro de 2018, logo após a vitória de Bolsonaro. Eleito senador, o filho Flávio, então deputado estadual, esteve durante duas horas no gabinete de Bretas no Centro do Rio. Desde então, o juiz passou a admitir abertamente para pessoas próximas que ir para o STF “poderia ser o auge da sua carreira”. Também defendeu a colegas o critério da escalação de um evangélico no posto, tendo em vista que a maioria da Corte é composta por católicos.

Atualmente, três nomes vêm sendo cotados como favoritos para a vaga no STF desejada por Bretas: o ministro da Justiça, Sergio Moro; o advogado-geral da União, André Luiz Mendonça; e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. Bolsonaro poderá nomear dois ministros do Supremo até o fim do seu mandato com as aposentadorias de Celso de Melo, em novembro deste ano, e Marco Aurélio Melo, em julho de 2021.

Perto de Moro e Valeixo
Bretas manteve-se prestigiado no Planalto a despeito de dois movimentos recentes que poderiam ter desagradado o presidente. No início de janeiro, ele se posicionou nas redes sociais contra a criação do juiz de garantias, sancionado por Bolsonaro no pacote anticrime. Há três semanas, recebeu em seu gabinete Moro e o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, pivô de um atrito com o presidente no ano passado, que cogitou demiti-lo da função. Na ocasião, Bolsonaro estava visivelmente irritado nos bastidores com o desempenho de Moro no programa Roda Viva, da TV Cultura.


Aliados de Bolsonaro defendem que Bretas poderia ser uma opção para o Ministério da Justiça caso Moro deixe o governo em algum momento. Mostrar-se ligado a símbolos do combate à corrupção no país é importante para o presidente, que se elegeu sob essa bandeira e vem sofrendo cobranças nas redes em temas como o caso Fabrício Queiroz ou das candidaturas laranjas do PSL. Até hoje, contudo, o juiz Lava-Jato Fluminense jamais demonstrou vontade de ir para o Poder Executivo. Desde o ano passado, vem rejeitando convites para concorrer a prefeito do Rio.



Brasil - O Globo



sexta-feira, 10 de maio de 2019

A volta de Temer à prisão é uma soma de aberrações; eis o caminho do abismo

A cassação do habeas corpus concedido ao ex-presidente Michel Temer é uma aberração legal a endossar outra. Dois dos três integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região resolveram manter a prisão preventiva de Temer, decretada no dia 19 de março pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio. A prisão aconteceu no dia 21 daquele mês e se estendeu até o dia 25, quando, então, o desembargador Ivan Athié concedeu uma liminar libertando o ex-presidente. Na votação desta segunda, Athié reafirmou o seu voto, mas foi vencido por Abel Gomes e Paulo Espírito Santo. Temer volta para a prisão nesta terça. Agora, sua defesa tem de entrar com um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Um sinal da tragédia destes tempos: os dois juízes que cassaram a liminar reconheceram que a prisão não tem amparo na lei. Tratar-se-ia, como deixaram claro, de uma satisfação à sociedade. Creiam: como país, vamos sorrindo para o abismo.

Quando Bretas decretou a prisão preventiva de Temer, ele já mandou às favas o Artigo 312 do Código de Processo Penal. Sua decisão está aqui. Como afirmei, então, é uma leitura porca do texto legal que tem permitido essas prisões arbitrárias. O que diz mesmo a lei? Terei de relembrar:

"A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria"

Para decretar uma prisão preventiva, é preciso que, dada a circunstância, então, do crime comprovado e do indício de autoria, esse possível autor esteja incidindo NO PRESENTE, NO TEMPO EM QUE SE DECRETA A PRISÃO, em ao menos uma das quatro transgressões
a) praticando crime contra a ordem pública,
b) contra a ordem econômica, 
c) tentando dar sumiço a provas ou assediando testemunhas ou, ainda, 
d) dando indícios de que pretende fugir, o que impediria a aplicação da lei penal.

Como já destaquei neste blog, das 46 páginas do despacho em que manda prender Temer e outros, Bretas gasta ao menos 34 tentando explicar a prisão. Sem conseguir. Afrontou gostosamente o direito, a língua e a lógica. Não tendo como justificar o ato arbitrário, Bretas apela, então, à condição social do preso, o que tem se tornado prática corriqueira na Lava Jato. Escreveu:

"Avaliando os elementos de prova trazidos aos autos, em cognição sumária, considero que a gravidade da prática criminosa de pessoas com alto padrão social, mormente políticos nos mais altos cargos da República, que tentam burlar os trâmites legais, não poderá jamais ser tratada com o mesmo rigor dirigido à prática criminosa comum."

Aí está admitido, então, o que ele mesmo considera um rigor incomum. Mas notem: Bretas continua apegado apenas à suposta existência do crime com indício de autoria. Nem Ministério Público nem juiz foram capazes de apontar que risco Temer representaria à sociedade e à investigação se estivesse livre.  Estamos diante do mais escancarado e desastroso populismo judicial. Observem: eu, pessoalmente, acho ridículas as acusações contidas contra Temer no pedido de prisão preventiva apresentado pelo Ministério Público. Não custa lembrar: o MP o acusa de pertencer a uma organização criminosa que estaria em vigor há, pasmem!, 40 anos, que já teria se envolvido com operações da ordem de R$ 1,8 bilhão entre propinas pagas e prometidas. Há 40 anos, ele era professor de direito em Itu e nem tinha iniciado carreira da vida pública. Como é que se chegou a esse cálculo estúpido? A propósito: como se faz a conta, ao longo de quatro décadas, de propinas pagas e prometidas?

Acontece, meus caros, que havia a disposição para prender. E ponto. Na absurda entrevista coletiva que se seguiu à prisão, em que MPF e PF acusaram Temer de práticas criminosas que não estavam no pedido de prisão nem no despacho de Bretas, o coordenador da Lava Jato no Rio, Jorge El-Hage, afirmou a seguinte pérola:

"É preciso deixar claro aqui que estranho seria se Michel Temer não tivesse sido preso. A prisão dele é decorrência lógica de todos os crimes que ele praticou durante uma vida inteira, pertencendo a uma organização criminosa muito sofisticada"

PRISÃO PREVENTIVA NÃO É JULGAMENTO 
Notem: vocês podem até estar entre aqueles que acham que todas as acusações são verdadeiras. Ocorre que estamos falando sobre prisão preventiva. Se o crime aconteceu ou não, se há provas ou não, isso tudo tem de ficar para o julgamento, quando, então, se dá a sentença. Para prender alguém preventivamente antes da condenação, é preciso que a pessoa esteja cometendo crimes no presente, que esteja atrapalhando a instrução criminal ou que esteja prestes a fugir.

Bretas admite que o ex-presidente não está fazendo nada disso e que mandou prendê-lo por ser uma pessoa de "alto padrão social". Abel Gomes e Paulo Espírito Santo mantiveram a decisão para dar uma satisfação à sociedade. Vale dizer: manda-se alguém para a cadeia, ao arrepio da lei, porque um monte de gente que faz barulho na Internet acha ser i
sso o certo.

Blog do Reinaldo Azevedo


A volta de Temer à prisão é uma soma de aberrações; eis o caminho do abismo ... - Veja mais em https://reinaldoazevedo.blogosfera.uol.com.br/2019/05/09/a-volta-de-temer-a-prisao-e-uma-soma-de-aberracoes-eis-o-caminho-do-abismo/?cmpid=copiaecola

sábado, 30 de março de 2019

A lei bandida

A Constituição funciona como a grande incentivadora do crime cinco estrelas


Publicado na edição impressa de VEJA
O ex-presidente Michel Temer, de novo em liberdade após curta estadia no xadrez, é o mais recente porta-bandeira das tropas que combatem pelo cumprimento rigorosíssimo da lei, nos seus detalhes mais extremos, e não admitem nenhum tipo de punição para magnatas antes que a sua culpa fique comprovada no Dia do Juízo Universal. Até outro dia Temer era “o golpista” ─ ou, pelo menos, o vampiro que chefiava uma quadrilha de ladrões metida à cada instante com malas de dinheiro vivo, crimes anotados em fitas gravadas e outros horrores do mesmo quilate. Mas a vida brasileira tem sido isso mesmo. Hoje em dia não importa quem você é ou o que você faz; se estiver com o camburão da Lava Jato na sua cola o cidadão passa a ser imediatamente uma vítima do “moralismo”, da “repressão judicial” e dos “linchadores” que querem “rasgar as leis deste país”, etc,. etc,. Temer, assim, passou a ser mais um símbolo do homem perseguido pela “ação ilegal” das autoridades ─ e o seu alvará de soltura foi comemorado como uma vitória do “estado de direito”, da majestade das leis e da soberania da Constituição.

Tudo bem. Temer só deveria ir para a cadeia depois de condenado em pelo menos um dos dez processos por corrupção a que responde no momento; seus advogados sustentam que ele é inocente em todos os dez, nunca cometeu nenhum delito em 40 anos de política e enquanto os juízes acreditarem nisso, o homem não pode ser preso. Ele não poderia se aproveitar para fugir do Brasil? Poderia, mas não iria adiantar nada: seria preso no dia seguinte pela Interpol e mandado de volta. Não poderia, então, usar a liberdade para destruir provas? Talvez, mas teria de ser flagrado pela polícia fazendo isso para que a sua prisão fosse justificada. Mas o que transforma num desastre essa história toda, tanto o ato de prender como o ato de soltar, é a perversão da ideia de justiça que ela representa. O problema, aí, não é o despacho do juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, que causou tanto escândalo ao mandar prender o ex-presidente. O problema é a lei que permite o despacho de Bretas. Ela é exatamente a mesma que sustenta os direitos do réu. Conclusão: cumprir “a lei”, como exigem os campeões do “direito de defesa”, significa aceitar que o juiz Bretas tome decisões como essa quantas vezes lhe der na telha.

O “Brasil civilizado”, esse consórcio de gente bem-educada, liberal e moderna que acha um equívoco combater os crimes de primeira classe com penas de prisão, vive num mundo impossível. Acha que a decisão de Bretas foi uma aberração. Ao mesmo tempo fica horrorizado se alguém constata o fato puro e simples de que é a sagrada Constituição brasileira, com toda a penca de leis pendurada nela, que permite ao juiz agir exatamente como agiu. Não apenas permite ─ incentiva, protege e garante a absoluta impunidade para qualquer coisa que ele já tenha decidido ou venha a decidir. Ele, Bretas, e mais 100% das autoridades judiciárias do país. Mas vá alguém sugerir, mesmo com cuidado máximo, que a Constituição é hoje a maior ferramenta para promover a negação da justiça no Brasil ─ o mundo vem abaixo na hora e quem fez a crítica é excomungado automaticamente como um inimigo do “Estado de direito”. 

Mas aí é que está: a verdade, para falar as coisas como elas realmente são, é que a Constituição funciona como a grande incentivadora do crime cinco estrelas ─ o que é cometido por gente rica, poderosa ou detentora de autoridade a serviço do Estado. É ruim na ida e ruim na volta.

A comprovação definitiva da insânia, no episódio Temer, é que o desembargador que o soltou, Ivan Athiê, um veterano especialista em libertar ladrões do erário, ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato. Mas está lá de volta, em cumprimento ao que diz a Constituição. Que tal? Mais: na mesma ocasião, e no mesmo local, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro deu posse a quatro deputados que se encontram presos na Penitenciária de Bangu e mais um que está em prisão domiciliar. Ou seja ─ o sujeito não pode andar na rua, mas pode ser deputado estadual. [comentário: para afins de atualização: pode ser também deputado federal e senador da República.] De novo, é o respeito religioso à lei que produz esse tipo de depravação aberta. Parece errado, mas a Constituição Cidadã diz que é certo. Tudo isso ─ Bretas, Temer, Athiê, presidiários-deputados ─ significa a “vitória das instituições”, segundo nos garantem os defensores da legalidade acima de tudo. Perfeito. O único problema é que as instituições brasileiras de hoje são um lixo. Pode ser feio dizer isso, com certeza. Mas dizer o contrário é simplesmente falso.


terça-feira, 26 de março de 2019

Desembargador demole decisão de Bretas

O desembargador Antonio Ivan Athié levou quatro dias desde a prisão do ex-presidente Michel Temer e de outras nove pessoas na Operação Descontaminação para ler as 384 páginas do requerimento do Ministério Público, as 46 da decisão do juiz Marcelo Bretas, outras tantas dos habeas corpus impetrados pela defesa dos presos e os documentos juntados. 

Quando finalmente o fez, no recesso do lar, tratou de perceber que não havia sequer uma justificativa amparada pelo Código de Processo Penal a norteá-las, como diz, cheio de “vênia”, na sua própria decisão, e tratou de demolir a peça do juiz, a nova “estrela” da Lava Jato na ausência de Sérgio Moro. É um escândalo que um desembargador de segunda instância alegue falta de tempo de ler o processo para marcar para uma quarta-feira da semana seguinte a análise de habeas corpus de pessoas presas preventiva e temporariamente.

Graças à falta de tempo do integrante do TRF-2, as pessoas passaram quatro dias presas. Não houve nenhuma circunstância posterior às dadas na quinta-feira para que Athié antecipasse sua decisão, dispensando a decisão colegiada que convocara para amanhã. Assim, se com argumentos ele mostra que era no mínimo frágil – para não dizer “exagerada” na narrativa ou baseada em “confusão ou “deturpação deliberada”, como ele mesmo aventa – a decisão de Bretas, com a demora em revogá-la investe também ele, juiz de segundo grau, contra as garantias e os direitos individuais que a Justiça deveria preservar.

E presta um descabido tributo à Lava Jato, que soa como uma tentativa de se blindar preventivamente das críticas por soltar Temer e contrariar a opinião pública.
 

segunda-feira, 25 de março de 2019

Em decisão impecável, desembargador liberta Temer e outros. Saiba por quê


Trecho do HC concedido a Temer e outros, em que desembargador lembra que é preciso combater o crime seguindo as leis 

O desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), concedeu nesta segunda habeas corpus ao ex-presidente Michel Temer, ao ex-ministro Moreira Franco e a João Baptista Lima Filho, conhecido por coronel Lima. A decisão beneficia ainda Othon Luiz Pinheiro da Silva, Maria Rita Fratezi, Carlos Alberto Costa, Carlos Alberto Costa Filho, Vanderlei de Natale, Ana Cristina da Silva Taniolo e Carlos Alberto Montenegro Gallo. Argumentação de Athié é detida, cuidadosa e detalhista, mas tem um pilar: falta aos crimes supostamente cometidos pelos acusados a chamada "contemporaneidade". Os atos que lhes são quase imputados — porque nem a imputação clara existe — teriam ocorrido em 2014 e 2016. E o Artigo 312 do Código de Processo Penal exige, para a prisão preventiva, que os crimes que a justificam sejam contemporâneos. Coincide precisamente com o que escrevi aqui e aqui ainda no dia das prisões esdrúxulas. Leia a íntegra da decisão do desembargador.


Athié desmonta o despacho do juiz Marcelo Bretas sem deixar margem para contestação. Além de os crimes que supostamente teriam sido cometidos — porque isso não é admitido de maneira inequívoca pelo juiz — não terem a chamada contemporaneidade, o juiz tentou justificar a medida cautelar apelando à legislação internacional. E também o fez de maneira indevida. Bretas se ancorou, por exemplo, no Item 5 do Artigo 30 da "Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção"

E chega a transcrever trechos, a saber: "Cada Estado Parte terá em conta a gravidade dos delitos pertinentes ao considerar a eventualidade de conceder a liberdade antecipada ou a liberdade condicional a pessoas que tenham  sido declaradas culpadas desses delitos." O desembargador nota o óbvio: a convenção não se aplica a Temer e aos demais porque, como resta evidente, o texto se refere a pessoas que "TENHAM SIDO DECLARADAS CULPADAS" — vale dizer: que JÁ TENHAM SIDO CONDENADAS. Temer, por exemplo, nem mesmo foi denunciado nesse processo; nem réu é. Mais: o texto deixa claro que, no caso citado, deve-se dificultar a liberdade do condenado; nada diz sobre antecipar a prisão de quem ainda nem é formalmente investigado.


INTERPRETAÇÃO CAOLHA Escreve o desembargador: "Despiciendo mais falar sobre a também caolha interpretação dada pela decisão de 1º grau na sequência dela, em relação a demais dispositivos de diplomas internacionais, eis que pressuposto para aplicação de regra citada às folhas 5193 é, também, a existência de condenação." A QUE PONTO CHEGAMOS.  É tal hoje o poder da Lava Jato para desmoralizar as pessoas — o que inclui os juízes que não se ajoelham a seu pés — que mesmo produzindo uma decisão tecnicamente impecável, à qual não cabe um só reparo, o desembargador Athié se sente compelido a dizer que nada tem contra a operação ou contra o juiz.



Escreve logo na página 2 de sua decisão: "Inicialmente, tenho de reconhecer a absoluta lisura do prolator da decisão impugnada, notável Juiz, seguro, competente, corretíssimo, e refutar eventuais alegações que procurem tisnar seu irrepreensível proceder. Ressalto que não sou contra a chamada "Lava-jato", ao contrário, também quero ver nosso país livre da corrupção que o assola. Todavia, sem observância das garantias constitucionais, asseguradas a todos, inclusive aos que a renegam aos outros, com violação de regras não há legitimidade no combate a essa praga."



Ao voltar ao tema, na penúltima página da decisão, ele lembra, no entanto, um pressuposto importante. Lá está: "Reafirmo, por fim, que sou a favor da operação chamada 'Lava-Jato'. Reafirmo também que as investigações, as decisões, enfim tudo que, não só a ela concerne mas a todas sem exceção, devem observar as garantias constitucionais, e as leis, sob pena de não serem legitimadas." Se ser a favor da Lava Jato é ser favorável ao combate à corrupção, então todos, exceção feita aos bandidos, somos. A questão é saber se as leis serão ou não respeitadas. Até porque, até onde acompanho, os que se dizem defensores da operação só o são porque partem do pressuposto de que ela combate quem comete ilegalidades. E, portanto, a ela não se dará a licença de cometê-las, certo?


LEIA TAMBÉM: Caminhoneiros se mobilizam para paralisações

Trecho do HC concedido a Temer e outros, em que desembargador lembra que é preciso combater o crime seguindo as leis O desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), concedeu nesta segunda habeas corpus ao ex-presidente Michel Temer, ao ex-ministro Moreira Franco e a João Baptista Lima Filho, conhecido por coronel Lima. A decisão beneficia ainda Othon Luiz Pinheiro da Silva, Maria Rita Fratezi, Carlos Alberto Costa, Carlos Alberto Costa Filho, Vanderlei de Natale, Ana Cristina da Silva Taniolo e Carlos Alberto Montenegro Gallo. Argumentação de Athié é detida, cuidadosa e detalhista, mas tem um pilar: falta aos crimes supostamente cometidos p... - Veja mais em https://reinaldoazevedo.blogosfera.uol.com.br/?cmpid=copiaecola