Preciso
educar meu filho de três anos. Já passei por isso com minha filha, hoje
com 19 anos. São as pessoas que mais amamos no mundo, e mesmo assim uma
boa educação envolve impor limites, ser duro eventualmente, quiçá subir
bem o tom, colocar de castigo ou, para os mais antigos, dar umas
palmadas ou beliscões, que não matam ninguém. Fazemos isso por
amor, e queremos em troca o respeito deles. Claro que em certa etapa do
processo, algum grau de medo é talvez necessário. Meu moleque, com três
aninhos, ainda não compreende bem a diferença, e de vez em quando, em
situações extremas, pode ser útil eu incutir certo medo nele, para que
um olhar mais severo seja suficiente para evitar o pior.
Educar é
uma arte, não uma ciência exata. Mas uso essa introdução para fazer uma
distinção entre respeito e medo. Um bom chefe, por exemplo, que se
destacou por méritos individuais, costuma exercer uma liderança natural
em seus subalternos. O chefe pode até lançar mão do medo ocasionalmente,
mais a chefia eficiente precisará contar é com o respeito da equipe
mesmo. E respeito se conquista, não se obtém por decreto.
Toda
essa digressão foi só para chegar na política nacional. A analogia com
uma família não presta muito, pois somente uma alma muito servil
compararia autoridades de estado com um pai, colocando-se como um filho.
Não obstante, reparem que o uso do medo só tem utilidade bem no começo
da educação, quando estamos falando de filhos pequenos. Ou seja, a
autoridade que governa pelo medo está tratando o cidadão como uma
criancinha incapaz. É o que faz, porém, todo regime totalitário.
Encara o povo como súdito e mentecapto, necessitando, assim, de tutela
absoluta obtida por meio da disseminação do medo. E não é preciso
"castigar" todos. Basta alguns "bons" exemplos. Um vizinho retirado de
sua casa no meio da madrugada, talvez, por ter dado a opinião "errada".
Os outros, apavorados e com medo de ter o mesmo destino, serão mais
"obedientes" dali em diante.
[Eles lançam mão do 'balão de ensaio', o equivalente mais romântico do esticar a corda e ver quando arrebenta.
A cada movimento forçam mais a barra.
“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
Tenham convicção de que eles vão continuar com os movimentos exploratórios, até o ponto onde haverá a reação que os fará recuar - até um forte espirro os levará a debandada geral. ]
Autoridades de estado não são nossos
pais, certamente, e tampouco são nossos chefes. A bem da verdade, é o
oposto: são servidores públicos, já que, numa democracia, o poder emana
do povo. É preciso ter leis claras e objetivas, igualmente válidas para
todos, para se viver num ambiente republicano de liberdade. Os cidadãos,
então, obedecerão tais leis, não os homens, os poderosos. Assim, ao
menos, deveria ser.
A pergunta do título serve, então, para
colocar em xeque o regime democrático. Afinal, numa democracia não
deveríamos ter medo de ninguém, apenas das leis. Quem não está cometendo
atos ilegais não deveria ter o que temer, portanto. É por isso que em
países mais avançados e democráticos, como nos Estados Unidos, qualquer
um pode tecer as mais duras críticas ao presidente, seguro de que nada
lhe acontecerá como retaliação.
Ronald Reagan gostava de contar
piadas de russos para expor as gritantes diferenças entre os dois
sistemas. Numa delas, o russo escutava um americano lhe dizer que pode
ir a qualquer momento até a Casa Branca, bater na mesa do Salão Oval e
gritar com o presidente que ele é péssimo. O russo, sem titubear, diz
que não fica nada surpreso com isso e que também pode fazer o mesmo,
para espanto do americano, que cobra uma explicação. O colega russo diz:
"Sim, eu posso a qualquer momento ir até a Casa Branca, bater na mesa e
gritar com seu presidente".
Brincadeiras à parte, todos sabemos
que a mais singela crítica ao regime soviético era passível de punição
severa, e dependendo do tom, o Gulag era o destino. Daí a importância
dessa pergunta: de quem você tem medo? Se você teme criticar o
presidente, então talvez não viva numa democracia verdadeira. No
Brasil, como fica evidente para quem observa, ninguém tem medo do
presidente. Ele é xingado de tudo o tempo todo, jornalistas desejam sua
morte nos jornais, artistas chegam quase ao orgasmo ao se imaginar
esfregando o rosto dele num asfalto quente, e uma réplica de sua cabeça
pode ser usada numa partida de futebol sem qualquer consequência. A
julgar pelo presidente, portanto, vivemos numa democracia.
Mas
calma lá! O presidente não é a única autoridade de estado. E quando
pensamos em outras figuras com poder, a coisa muda. Basta pensar nos
ministros do Supremo, por exemplo. De quem você tem medo?
Se eles podem rasgar ao meio a
Constituição da qual deveriam ser os guardiões, abrir inquéritos ilegais
e perseguir jornalistas, e até mesmo prender um deputado pelo "crime"
de opinião, então é porque desfrutam de um poder abusivo e arbitrário. E
com base nisso espalham o medo.
Chefes de redação dos jornais
chegam a pedir aos seus comentaristas para evitarem críticas duras aos
ministros, pois sabem onde a porca torce o rabo. Comentaristas mais
enfáticos no tom contra a postura desse Supremo temem ser enquadrados em
qualquer entulho da ditadura que algum ministro ali resolver puxar da
cartola só para calar tais críticos. É um ambiente de medo.
Até
porque respeito por esses ministros praticamente ninguém tem, e com bons
motivos. Liderança natural eles tampouco exercem, já que a maioria foi
indicada por uma quadrilha criminosa e passou na "sabatina" de um Senado
comprado por essa mesma quadrilha.
O notório saber jurídico e a
reputação ilibada faltam à imensa maioria ali. Sem respeito, o que eles
exigem é mesmo obediência, por meio do medo.
Eu confesso, sem
qualquer problema: sou um dos que têm certo medo. Mas meu espírito é
livre, e acompanho Aristóteles quando ele diz que a coragem é a primeira
das virtudes. Não podemos nos intimidar ou nos curvar diante de
poderosos que ignoram as leis máximas que deveriam proteger. Todo poder
emana do povo. Numa democracia, deveríamos respeitar as leis e seus
guardiões. É numa tirania que temos medo dos poderosos. De quem você tem
medo?