Editorial
IMUNIDADE PARLAMENTAR
A
caixa de Pandora do desprezo por liberdades e garantias
constitucionais, uma vez aberta, mostra-se cada vez mais difícil de
fechar. O exemplo mais recente é o da condenação judicial, em primeira
instância, da deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) devido a uma
publicação em mídias sociais, feita dois anos atrás, que foi considerada
discriminatória em relação à comunidade LGBT.
Trata-se de uma situação
emblemática, pois consegue combinar, em um único caso, os efeitos de uma
decisão equivocada do Supremo, o ativismo ideológico de setores do
Ministério Público Federal e do Judiciário, a relativização excessiva da
liberdade de expressão e a negação de uma garantia importantíssima
concedida pela Constituição aos parlamentares.
A deputada federal Chris Tonietto durante sessão da Câmara em maio de 2022. - Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados
Em junho de 2020 –
um ano depois da decisão do Supremo que equiparou a homofobia ao
racismo –, comentando casos recentes de pedofilia, a deputada havia
escrito em seu perfil no Facebook: “Defendida explicitamente por alguns
expoentes do movimento LGBT, a pedofilia está sendo visivelmente
introduzida no país como fator de dissolução da confiança nas relações
familiares e corrupção moral de toda uma geração de crianças expostas a
uma erotização abominável desde a mais tenra infância. Combateremos sem
cessar a disseminação da pedofilia no Brasil e as ideologias nefastas
que as sustentam”. No mês seguinte, a Procuradoria Regional dos Direitos
do Cidadão recomendou que ela se retratasse da “informação falsa”
publicada e pediu que a deputada citasse fontes que comprovassem sua
alegação.
Como isso não teria ocorrido, em fevereiro de 2021 três
procuradores moveram ação civil pública contra a parlamentar, que foi
condenada dias atrás pela juíza federal Italia Poppe Bertozzi, da 24.ª
Vara Federal do Rio de Janeiro.
Na
condenação, a magistrada afirma que “há limites à liberdade de
expressão”, e com isso todos havemos de concordar. O grande problema é
que esta afirmação tem sido usada indiscriminadamente para cercear
discursos e afirmações que jamais deveriam ter sido censurados, e o caso
de Chris Tonietto se encaixa perfeitamente nesta situação. Para
perseguir a deputada, os procuradores Ana Padilha, Julio Araujo e Sérgio
Suiama alegaram que a publicação nas mídias sociais “induz falsamente a
opinião pública a acreditar que todo o grupo de pessoas homossexuais
seria propenso a cometer os graves crimes que giram em torno da
pedofilia”, o que é um exagero grotesco. Tonietto refere-se claramente a
“alguns expoentes”, e não a todo militante LGBT ou toda pessoa
homossexual ou transexual.
É de uma obviedade gritante que a crítica a
determinadas pessoas jamais implica a imputação do que quer que seja a
todo o grupo a que essas pessoas pertencem.
E isso nos leva ao
segundo ponto relevante: é inegável que existe um movimento organizado
que pretende “normalizar” ou até mesmo legalizar a pedofilia, com
direito a associações espalhadas principalmente pela América do Norte e
Europa – na Holanda há até mesmo um partido político reconhecido, ainda
que com menos de uma dezena de membros.
Trata-se de um movimento que já
vem de décadas, filho da revolução sexual da década de 60 do século
passado.
Em 1977, boa parte da elite intelectual francesa assinou uma
carta pedindo a legalização de todas as relações sexuais entre adultos e
adolescentes abaixo de 15 anos na França. Entre os signatários havia
filósofos – alguns deles homossexuais, a maioria deles de esquerda –
como Louis Althusser, Michel Foucault, Jean-Paul Sartre, Simone de
Beauvoir, Jacques Derrida, Gilles Deleuze e Roland Barthes.
Em 1979,
vários deles usaram as páginas do jornal esquerdista Libération para
defender um pedófilo aguardando julgamento, alegando que as meninas de 6
a 12 anos com quem ele vivia eram felizes em sua companhia, e que “o
amor das crianças é também o amor de seus corpos. O desejo e os jogos
sexuais livremente consentidos têm seu lugar nas relações entre crianças
e adultos”.
Veja Também:
Homofobia e liberdade de expressão (editorial de 18 de outubro de 2020)
No
Brasil, o caso mais emblemático é de uma das principais lideranças LGBT
do Brasil, o antropólogo Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia. Em seu livro
de 2003 Crônicas de um Gay Assumido, ele defende que “portanto, desde
que haja respeito à liberdade alheia, delicadeza, reciprocidade e
ausência de abuso de poder devido à superioridade física ou social por
parte da pessoa mais velha, não há razão lógica que justifique a
condenação tout court das relações afetivo-sexuais entre adultos e
menores de idade” – Tonietto inclusive afirmou ter enviado este trecho
em resposta ao MPF.
Tanto Mott quanto os intelectuais franceses
argumentam que não se trata da defesa da violação sexual de menores, mas
de uma relação consentida; ora, isso não deixa de ser pedofilia e
abuso, até porque crianças e pré-adolescentes raramente (ou nunca) têm a
dimensão completa do que ocorre na relação sexual.
E sabe-se muito bem
que abusadores preferem, em vez da violência, conquistar a confiança da
criança com presentes ou outros agrados até conseguir seu objetivo, em
um “consentimento” que é apenas ilusório.
Em resumo, que há um
movimento para conseguir a aceitação social ou legal da pedofilia, ainda
que sob o manto do “consentimento”, é incontestável; e que este
movimento inclui lideranças LGBT é igualmente verdadeiro.
Pode-se até
afirmar que Tonietto deveria ter mencionado os casos concretos de Mott e
dos franceses em sua publicação, para reforçar seu argumento;
- mas
jamais pode-se afirmar que as informações trazidas por ela são falsas,
muito menos que criam uma generalização contra toda a população ou o
movimento LGBT.
Infelizmente, o fato de até agora o STF não ter julgado
os embargos de declaração que pretendiam proteger a liberdade de
expressão, já que o acórdão da decisão de 2019 foi omisso quanto ao
tema, permite que mesmo discursos inequivocamente verdadeiros como o da
deputada sejam perseguidos por membros mais ideologizados do Ministério
Público e do Judiciário (e ninguém haverá de entender, aqui, que estamos
nos referindo à totalidade dos procuradores ou juízes do país).
Só
por isso o caso de Tonietto já seria extremamente grave, mas a ele se
acrescenta a violação da imunidade parlamentar, garantida no artigo 53
da Constituição, cujo caput afirma que “os deputados e senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos”. Em sua decisão, a juíza Italia Bertozzi afirmou que
“não se pode, pois, elastecer a imunidade [parlamentar] a ponto de
fazê-la escudar toda e qualquer manifestação emitida pelo cidadão, que,
exercendo mandato eletivo, profira opiniões ofensivas a pessoas e/ou
coletividades, sem nexo etiológico com o cargo desempenhado”, em uma
tentativa de recusar a Tonietto a proteção constitucional a suas
palavras.
No entanto, o tipo de alerta feito pela parlamentar tem, sim,
“nexo etiológico com o cargo desempenhado”, pois diz respeito também à
sua atividade como representante eleita do povo. Avança-se, assim, sobre
a imunidade parlamentar de forma ainda mais ostensiva que no caso do
deputado Daniel Silveira, pois das afirmações de Tonietto nem se pode
dizer que foram deploráveis como haviam sido as do seu colega, embora
ambas estejam igualmente protegidas constitucionalmente.
A
perseguição falaciosa contra a deputada retrata a inversão de
prioridades das instituições do poder público, que estão deixando de
lado o verdadeiro problema, a defesa da normatização da pedofilia, para
investir contra quem alerta a sociedade a respeito dessa militância.
Abafar a difusão de verdades inconvenientes que dizem respeito apenas a
algumas pessoas, e não a toda uma coletividade, em nada ajuda no
objetivo meritório de combater o preconceito contra a população LGBT.
Editorial - Gazeta do Povo
A
deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) foi condenada pela 24ª Vara
Federal do Rio de Janeiro, após ação movida pelo Ministério Público
Federal (MPF) no ano passado, por postagem apontada como discriminatória
em relação à comunidade LGBT no Facebook. Para especialistas ouvidos
pela Gazeta do Povo, a decisão não levou em conta a
imunidade parlamentar e também representa cerceamento à liberdade de
expressão. A deputada informou que vai recorrer da decisão e apresentar
provas de que falou a verdade.
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De
acordo com a sentença publicada no dia 12 de julho, a parlamentar
deverá excluir a publicação, considerada como discriminatória por
relacionar a prática de crime e de pedofilia a alguns homossexuais. Além
disso, a juíza federal Italia Poppe Bertozzi indicou que deputada deve
fazer uma retratação em suas redes sociais, que deverá ser mantida no ar
por, pelo menos, um ano, além de pagar R$ 50 mil para a estruturação de
centros de cidadania LGBTs.
Na Gazeta do Povo - leia íntegra da matéria