O Estado de S. Paulo Qual a razão de Bolsonaro pregar contra a imprensa livre para policiais militares?
Artigo
de lei de 2015 que fixava a obrigatoriedade de impressão do voto foi, em
liminar do plenário do STF de 2018, considerado inconstitucional. Tal decisão
foi confirmada em setembro passado por unanimidade (ADI 5.889). Após as
recentes eleições municipais, o ministro Barroso, presidente do TSE, declarou:
“Jamais se comprovou qualquer aspecto fraudulento no sistema, que até hoje se
revelou imune à fraude”.
Apesar
das decisões do STF, em 29 de novembro, Bolsonaro voltou a insistir na
necessidade do voto impresso como garantia de fidedignidade. Agora, nas férias
de Natal, em Santa Catarina, Bolsonaro disse: “Se a gente não tiver voto
impresso em 2022, pode esquecer a eleição”. Trata-se
de ameaça grave. Como esquecer a eleição de 2022 se não houver voto impresso,
já tido por inconstitucional pelo STF? [fica dificil que o notório saber jurídico do articulista tenha permitido que ele expresse o entendimento de que: expressar uma possível intenção de contestar resultado de uma eleição não é ameaça grave.]
Qual a intenção de Bolsonaro? Prepara-se
para contestar derrota em 2022, antecipando a acusação de fraude, como tentou
Trump?
Se
juntarmos a acusação infundada de fraude em urnas eletrônicas, sem a mínima
comprovação, com a principal atividade desenvolvida por Bolsonaro, então se
acende a luz amarela do perigo.
E
qual é essa atividade? O presidente tem comparecido a solenidades de graus
inferiores das Forças Armadas (sargentos da Marinha) e das Polícias Militares,
como se deu recentemente ao ir à formatura de soldados da PM do Rio de Janeiro.
Nessa solenidade de pequeno relevo, Bolsonaro disse que soldados arriscam a
vida na proteção a todos, enquanto a imprensa defende canalhas. E completou: “A
imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará
contra vocês”.[o ilustre articulista não se deu ao trabalho de computar e constatar que o número de manchetes, títulos e subtítulos de notícias, em que as forças policiais sempre aparecem como vilãs, é bem superior ao que os bandidos estão como bandidos.
Por essa omissão é que acha absurdo expressar o entendimento que os bandidos são favorecidos na chamada das notícias policiais.]
O
presidente coloca a imprensa como inimiga dos soldados, pois “está sempre
contra a lei e a verdade”. Qual a razão de prestigiar cerimônias de soldados da
Polícia Militar pregando contra a imprensa livre, esteio da democracia? A
História brasileira dá a resposta. Na República houve participação relevante de
forças estaduais nos movimentos sediciosos. Exemplo está na Revolução de 1924,
comandada pelo major da Força Pública Miguel Costa, chefe do Regimento de
Cavalaria de São Paulo (Juarez Távora, Uma Vida e Muitas Lutas, pág. 140)
e depois mentor da Coluna Prestes, que, conforme afirma Leôncio Basbaum,
deveria ser denominada Coluna Miguel Costa/Prestes (História Sincera da
República, pág. 233).
A
Revolução de 1930 teve importante participação das Polícias Militares do Rio
Grande do Sul e de Minas Gerais, e também da polícia de São Paulo, que, em
conjunto com o Exército, assumiu provisoriamente o governo da província (Helio
Silva, Os Tenentes no Poder, pág. 87). Miguel Costa ocupou então o comando
geral da Força Pública paulista (Domingos Meirelles, 1930, Os Órfãos da
Revolução, pág. 649).
Como
ressaltam Lilian Schwarcz e Heloisa Starling, a estratégia das forças rebeldes
em 1930 foi a de obter a adesão dos oficiais subalternos e sargentos, o que deu
certo, e, principalmente, o apoio das “poderosas Polícias Militares estaduais,
pequenos exércitos autônomos, muito bem equipados” (Brasil: Uma Biografia, pág.
359).
Na
Revolução Constitucionalista de 32, a participação da Força Pública em São
Paulo foi patente, mas também a resistência do governo se deu graças à Polícia
Militar de Minas Gerais, que enfrentou e derrotou os paulistas no Túnel da
Mantiqueira, na estrada de ferro divisa entre Cruzeiro (SP) e Passa Quatro
(MG), ganhando o túnel o nome do coronel da PM de Minas Gerais Fulgêncio de
Souza Santos, falecido no confronto (https://www.em.
com.br/app/noticia/gerais/2018/07/30/interna_gerais,976559/tunel-na-serra-da-mantiqueira-guarda-marcas-da-revolucao-de-1932).
Em
1964 o general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª. Região Militar, em Minas
Gerais, resolveu caminhar em direção ao Rio de Janeiro à frente de conscritos
do Exército mal equipados, mas contando com a Polícia Militar de Minas, então
governada por Magalhães Pinto, sendo seus integrantes profissionais treinados.
O mesmo se diga do peso da Força Pública do Estado de São Paulo em 1964.
A
importância bélica das Polícias Militares, cujos integrantes são profissionais
do confronto, verifica-se pela circunstância de o regime militar ter submetido
de imediato essas corporações ao controle do Exército. Seu comando na ditadura
foi entregue a oficiais-generais, como foi o caso do general João Figueiredo em
São Paulo, depois presidente da República.
O
governo federal, por intermédio do chefe da Força Nacional, apoiou a greve de
soldados no Ceará e Bolsonaro insiste em ampliar a exclusão de crime no caso de
violência praticada por policiais militares, revelando sua aliança com forças
estaduais de segurança. A
grave menção de que, “se não houver voto impresso, esqueça-se a eleição de
2022”, somada à corte que Bolsonaro faz às Polícias Militares, instigadas
contra a imprensa livre, forma um quadro preocupante diante de possível derrota
do presidente, que terá preparado o terreno para uma “lei marcial”, tal qual a
pensada por Trump, dando fim à democracia, jamais cultuada. E daí?
Miguel Reale Júnior, advogado - O Estado de S. Paulo