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sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A urna canonizada - Revista Oeste

Augusto Nunes

Presidente do TSE promove a “orgulho nacional” o maior fetiche dos ministros do Supremo 

Nos países em que tal cargo existe, a posse do novo gerente do órgão incumbido de organizar o processo eleitoral ocorre sem festa, não merece mais que meia dúzia de linhas de jornal nem ocupa um único segundo nos noticiários da TV. 
Nestes tempos estranhos, a chegada de Alexandre de Moraes ao comando do Tribunal Superior Eleitoral superou — em pompa, plateia e palavrório — mesmo mudanças na Presidência da República. Além do atual, Jair Bolsonaro, outros quatro ex-inquilinos do Palácio do Planalto Dilma Rousseff, Lula, José Sarney e Michel Temer — ocuparam cadeiras na primeira fila. Afinado com o que há de mais ilustre no universo engravatado de Brasília, o quarteto aplaudiu de pé a discurseira que celebrou o mais recente “orgulho nacional”: a urna eletrônica.

Ex-presidentes Michel Temer, Luiz Inácio Lula da Silva, José Sarney e Dilma Rousseff na cerimônia de posse do ministro Alexandre de Moraes na presidência do TSE | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE
Ex-presidentes Michel Temer, Luiz Inácio Lula da Silva, José Sarney e Dilma Rousseff na cerimônia de posse do ministro Alexandre de Moraes na presidência do TSE | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE
 
A ovação chancelou o ingresso do grande fetiche dos ministros do Supremo Tribunal Federal numa categoria que abriga pouca gente e poucas coisas. A lista se restringe a figuras e lugares como Santos Dumont, o Carnaval, Pelé, o Maracanã, Ayrton Senna, as praias do Rio, Maria Esther Bueno, as Cataratas do Iguaçu, Eder Jofre, a Amazônia, a Garota de Ipanema, o samba e mais um punhado de maravilhas. 
A elas Moraes resolveu anexar o objeto que fez do Brasil o mais veloz dos países na modalidade não olímpica contagem de votos. “Somos 156 milhões e 454 mil e 11 eleitores aptos a votar”, informou o orador, sem revelar de onde extraiu cifra tão minuciosa. [pergunta que o TSE não responde: se a urna eletrôpnica é tão fantástica, o que impede que seja adotada nas eleições das grandes democracias do mundo? ]
 
“Estando entre as quatro maiores democracias do mundo, somos a única que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia, com agilidade, segurança, competência e transparência”, gabou-se Moraes. 
Só Jair Bolsonaro, seus seguidores e outros reincidentes em fake news antidemocráticas fazem de conta que ignoram a perfeição da modernidade inaugurada há 25 anos. 
Nesse período, apenas Bangladesh e Butão enxergaram as vantagens do invento brasileiro. 
O resto do planeta, composto de portadores de estrabismo tecnológico, continua desperdiçando tempo e dinheiro com apurações retardadas por métodos jurássicos.

“Que o presidente da farsa finja que não sabe o que significa essa exclusividade, vá lá”, concedeu Fernão Mesquita no artigo no site Vespeiro em que analisou o indigente palavrório de Moraes, o comportamento subalterno da manada reunida na sede do TSE e a euforia cretina da maioria dos jornalistas. “Mas a imprensa não desconfiar nem um minuto da prova concreta da esquálida estreiteza do ‘poder soberano de escolha do ‘eleitor’ de eleitos pelos outros brasileiros é de rachar de desânimo… ou de indignação.”

Em defesa da Constituição e das leis em vigor, vai tratar a socos e pontapés as leis em vigor e a Constituição

Precede esse trecho um parágrafo em que Fernão faz um desolador resumo da ópera bufa: “Que democracia tem um ‘tribunal superior eleitoral’ com quase 900 funcionários vitalícios, pagos todos os dias de todos os anos para ‘supervisionar’ o trabalho de 27 tribunais regionais eleitorais, cada um com seus milhares de servidores vitalícios, encarregados de organizar uma eleição a cada dois anos , cujas regras são as mesmas para todos os Estados e todos os municípios do país desde que Getúlio Vargas, monocraticamente como um Alexandre qualquer, matou a pau o direito de cada brasileiro decidir sua vida em seus Estado e em seu município lá em 1932, o ano em que ele mesmo inventou esse TSE?”. A existência e a regulamentação da Justiça Eleitoral estão nos artigos 118 a 121 da Constituição, o último dos quais avisa: “Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”.

Como tal lei complementar nunca foi instituída, as principais normas que regem o Direito Eleitoral são paridas por integrantes do TSE, que fazem o que lhes dá na telha quando lidam com o cipoal de artigos, parágrafos e incisos. Também neste ano, a eleição será o que quiserem que seja, reiterou o falatório do novo presidente. Depois de louvar a liberdade de expressão, o novo presidente fez a ressalva perturbadora: “É expressamente proibido o discurso de ódio. Também seremos implacáveis contra as mentiras e fake news”
Se os inimigos do Estado de Direito ousarem duvidar, ele não hesitará: em defesa da Constituição e das leis em vigor, vai tratar a socos e pontapés as leis em vigor e a Constituição.
Os editores das primeiras páginas se emocionaram com a patética canonização da modernidade eletrônica, consumada por Moraes a poucos metros do seu crítico mais notório.                   “BOLSONARO VÊ CALADO EXALTAÇÃO A URNA”, berrou a manchete da Folha de S.Paulo.
A língua portuguesa agradeceria se o autor trocasse o A que precede URNA por um DA bem mais elegante.                                                       Mas lidar com o idioma sem nenhuma gentileza talvez seja o menor dos defeitos de jornalistas que torturam fatos sem sinais de remorso, vibram com a prisão ilegal de adversários do PT e enxergam um estadista sem pecados no ex-presidiário solto pelo mais dissimulado cabo eleitoral de Dilma Rousseff.                                                               O que queria o redator da manchete militante?                                          Que Bolsonaro arrancasse o microfone das mãos do orador que lhe entregara pessoalmente o convite para a festa? O presidente da República limitou-se a deixar de aplaudi-lo. Agiu com a altiva civilidade que falta desde sempre ao presidente do TSE.
Previsivelmente, a concorrida missa negra celebrada em Brasília começou a expandir já no dia seguinte a sempre intensa epidemia de ativismo judicial
O desembargador Elton Leme, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, comunicou à praça que será trancafiado na cadeia mais próxima quem se atrever a apontar algum defeito numa urna. 
Nas disputas municipais de 2020, conforme números divulgados pelo próprio TSE, 3.381 desses cacarecos eletrônicos tiveram de ser substituídos por mau funcionamento, detectado na hora de votar por eleitores atentos. 
Se os pares de Elton Leme resolverem seguir o exemplo do belicoso magistrado fluminense, não haverá no pleito de outubro deste ano uma única e escassa troca de urna em todo o território brasileiro. 
O novo orgulho nacional acaba de ser contemplado com o status de infalível. Como o Papa. Ou como Alexandre de Moraes.

Haja arrogância.

Leia também “O ministro sufocou o juiz”

Augusto Nunes, colunista - Revista OESTE


quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

STF e as ‘autoridades locais’ decretaram que é proibida a não-concordância com as suas decisões... O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

A ciência está se transformando em política

STF e as ‘autoridades locais’ decretaram que é proibida a não-concordância com as suas decisões; ou você engole o pacote como eles querem, ou estará se colocando ‘negacionista’

Tiago Queiroz/Estadão - 05/10/2021
                               Tiago Queiroz/Estadão - 05/10/2021

De todos os desastres, alguns sem mais conserto, que a covid trouxe nestes dois últimos anos ao mundo e ao Brasil, um dos mais perversos, sem dúvida, é a degeneração universal da ideia básica de ciência. É inevitável que aconteça: o debate científico aberto, condição indispensável para se avançar na busca do conhecimento, está em grande parte proibido. É uma volta mortal aos tempos da treva, quando a verdade era estabelecida em decreto pelos reis, papas e seus amigos – e não pelo estudo e pelo entendimento das leis e fenômenos naturais. Hoje a ciência, pela ação cúmplice de cientistas de ocasião, funcionários da máquina estatal e oportunistas de todos os tipos, está se transformando em política – serve a ideias, interesses e desejos, e não mais aos fatos.

Todo o mecanismo mental que comanda a ação atual da máquina pública no trato da epidemia – basicamente, um sistema de repressão à liberdade e aos direitos individuais, com o apoio apaixonado da mídia se baseia na guerra à ciência. Não é que haja dúvidas entre várias hipóteses e o Estado, através de algum processo democrático, tenha optado por uma ou por algumas. Não é isso. No Brasil, premiadas com poderes praticamente absolutos pelo Supremo Tribunal Federal, as “autoridades locais” atribuíram a si próprias o direito de definir o que é ou não é ciência.  

Ao mesmo tempo, e sem deixar espaço para nenhum questionamento, decretaram que é proibida a não-concordância com as suas decisões e “protocolos”; ou você engole o pacote como eles querem, ou estará se colocando “contra a ciência”. É um charlatão, um inimigo do interesse comum e um “negacionista” mesmo que seja um cientista com 30 anos de experiência em pesquisas e tenha dito ao fiscal da prefeitura que seria bom estudar um pouco mais isso ou aquilo. É a ciência imposta através de portarias.

Qual a condição, por mínima que seja, de um prefeito, juiz de direito ou procuradorou mesmo de um ministro Barroso, ou coisa que o valha discutirem de verdade alguma questão de ciência? Não sabem nada; o que podem dizer de útil sobre o tema? [um outro tema indiscutível e que está  sob a tutela do ministro Barroso,  é a segurança das urnas eletrônicas;
tem sido recorrente invasões de hackers a complexos sistemas informatizados -  incluindo o  'sequestro' de um oleoduto que deixou grande parte dos Estados Unidos sem petróleo. 
Mesmo assim, no Brasil, constitui atentado à democracia levantar a possibilidade que o sistema de urnas eletrônicas do TSE pode ser invadido.]
No que diz respeito à ciência, e no que se refere especificamente ao ministro Barroso, é um fato a sua devoção ao curandeiro João de Deus, hoje condenado por estupro e fraude. 
Que raio de credencial é essa, em matéria de relacionamento com a ciência? 
Alguém acha que os 6.000 prefeitos e 27 governadores que estão aí são melhores do que ele? Porque? 
 
A ciência, para ser ciência de verdade, precisa não do ministro Barroso e na manada de pequenas autoridades que manda hoje na sua vida, e sim da investigação livre dos fenômenos que podem ser observados pelo ser humano – senão, não é ciência nenhuma. A ciência precisa, o tempo todo, do debate livre, da indagação permanente, do questionamento aberto, da prova objetiva. 
 
Isso está proibido hoje no debate sobre covid – a verdade é uma só, e ela vem numa portaria assinada por um analfabeto qualquer que se encontra num cargo público. Voltamos ao tempo de Galileu, quando era a Igreja que definia quantos graus tem o ângulo reto, ou garantia que o Sol girava em volta da Terra – com a desvantagem de que a Igreja, por pior que fosse, não era tão ruim quanto o sistema judiciário brasileiro, ou essa multidão de nulidades que se promoveram, do Oiapoque ao Chuí, ao emprego de Deus na Terra. Mas qual é o problema? É assim que se combate, hoje, pelas instituições democráticas e contra a onda direitista.
 
J.R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo
 

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A economia fica para ‘depois’. Pois o ‘depois’ chegou - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Após dois anos de covid e de repressão, a pobreza aumentou no Brasil, mas os responsáveis pelo desastre põem a culpa no governo

Descobriu-se de repente, neste final de ano, um acontecimento realmente prodigioso: a pobreza aumentou no Brasil, após dois anos de covid e de repressão, inclusive policial, contra a atividade econômica. Quem poderia imaginar uma coisa dessas, não é mesmo? Fazem lockdown. Fecham o comércio e a indústria. Suspendem os serviços. Proíbem as pessoas de trabalhar – até camelô foi perseguido pela polícia.

Transformam o Brasil num país de fiscais. Agridem, como nunca antes, a liberdade de produzir – a de produzir e mais um caminhão de outras. Daí, quando se vê que há 13 milhões de desempregados e milhares de negócios reduzidos à ruína, se escandalizam: o Brasil ficou mais pobre. 

Eliane Cantanhêde: Totalmente irracional

Como a vida política neste país se reduz cada vez mais à fraude, à mentira e à eliminação da lógica, nada mais natural que o partido dos iluminados-progressistas-etc., que se dá o direito de pensar por todos, tenha chegado à uma conclusão falsa sobre o desastre. A culpa, dizem os viajantes desse bonde, é do “governo”.  
A calamidade na economia atingiu todos os países do mundo, sem nenhuma exceção – ricos ou pobres, bem ou mal governados, democracias ou ditaduras. Há inflação mundial. Há desemprego mundial. Há aumento na pobreza mundial. Mas só o governo do Brasil é culpado. No resto do mundo a culpa é da covid.

Essa falsificação é especialmente grosseira, malandra e mal intencionada quando se considera que no Brasil, por decisão do Supremo Tribunal Federal e com o pleno acordo da elite pensante, as “autoridades locais” ganharam a exclusividade no trato da epidemia. Dizem que não foi assim, mas foi exatamente assim, na prática – já que nenhuma das suas decisões, segundo ordenou o STF, podia ser contrariada pelo governo federal ou por quem quer que fosse. Governadores e prefeitos, na verdade, foram colocados acima da lei.

Todo mundo está cansado de saber o que fizeram: reagindo como uma manada em pânico, as “autoridades locais” se jogaram de corpo e alma no “fecha tudo”, no “fique em casa” e no “cale a boca” e adoraram isso, porque nunca mandaram tanto. A prioridade, repetida até enjoar, era “salvar vidas”. O “ser humano” vale mais que “os negócios”, diziam, e a economia deveria ficar “para depois”. É melhor cancelar um CNPJ do que um CPF – quem não se lembra deste lema, considerado então a quinta essência da sabedoria humana? 
Para os ricos, tudo bem: puseram máscara, fizeram “home office” e continuaram circulando nos seus SUVs. Para os pobres, foi uma tragédia. Não passou pela cabeça das “autoridades locais”, do STF e da elite que a imensa maioria da população brasileira precisa trabalhar todos os dias para sobreviver. Não pode ficar “em casa”. Não é opcional.

A economia fica para “depois”? Pois então: o “depois” chegou. Agora, como o batedor de carteira que tenta se safar gritando “pega ladrão”, os responsáveis pelo desastre lamentam a miséria que causaram e põem a culpa no governo. Nada mais normal, nesse Brasil doente que está aí.

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Celso de Mello e as 'trevas que dominam o poder do Estado' - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo/O Globo

Diante da presepada de Crivella, decano é luz na luta contra a treva 

[a luz do 'supremo' ministro é tão intensa que rasga até o véu, que protege a inocência das crianças, que Crivella e outros insistem em preservar]

Ministro mostrou que vai à luta contra ‘as trevas que dominam o poder do Estado’

A mensagem do ministro Celso de Mello para a repórter Mônica Bergamo tinha 15 pontos de exclamação. Diante da presepada do prefeito Marcelo Crivella na Bienal do Livro, o decano do Supremo Tribunal Federal fez um curto e indignado protesto contra as “trevas que dominam o poder do Estado”, a “intolerância”, a “repressão ao pensamento” e a “interdição ostensiva ao pluralismo de ideias”. Não deu nome aos bois, mas qualificou a manada: as “mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo (que) erigem-se, por ilegítima autoproclamação, à inaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República !!!!”. [a qualificação da 'manada' produz nos legítimos conservadores e defensores da inocência das crianças, a sensação de um elogio de autoria de um ilustre jornalista.]

Celso de Mello não é só o decano do Supremo Tribunal Federal, pois esse título mostra apenas que é o ministro que está lá há mais tempo, desde 1989. Ele é uma espécie de fiel da balança nas divergências e idiossincrasias de seus pares. Ele havia sinalizado seu desconforto em agosto passado, quando Jair Bolsonaro republicou uma medida provisória que havia sido rejeitada pelo Congresso: “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República”. 

Habitualmente oceânico em seus votos, o ministro foi breve em sua mensagem a Mônica Bergamo. Com 173 palavras, falou do tempo “novo e sombrio” que se anuncia. Seus 15 pontos de exclamação mostram que está zangado. É a zanga de um homem da lei. Acaba de sair nos Estados Unidos uma boa biografia de Oliver Wendell Holmes, o grande juiz da Suprema Corte, onde sentou-se de 1902 a 1932.

Flor do orquidário de Mello, Holmes foi o autor do grande voto em defesa da liberdade de expressão que ficou em minoria na época mas hoje é um marco na jurisprudência americana. Certo dia, aos 90 anos, o juiz pediu a uma secretária que lhe lesse “O amante de Lady Chatterley”, de D. H. Lawrence. A certa altura, mandou que parasse: “Filha, não vamos acabar este livro, sua chatice não é aliviada por sua pornografia”. Hoje “O Amante de Lady Chatterley” é apenas um romance chato. Quando a moça lia para Holmes, ele estava proibido nos Estados Unidos. (A licenciosidade de Lawrence é light se for comparada com a retórica de Bolsonaro.) 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O berreiro do desmame

Bolsonaro e Guedes apenas começam o confronto com os interesses de cada grupo

A agenda liberal de Paulo Guedes chegou ao leitinho e, com ela, o vocabulário sobre a discussão tornou-se preciso, realista e fiel aos fatos. “O desmame não pode ser radical”, disse a ministra da Agricultura ao se referir a pretendidos cortes nos subsídios do crédito rural, anunciado pelo colega da Economia. Nem o setor dos produtores de leite pode prescindir de tarifas de importação (diretas ou na forma de antidumping) para enfrentar competidores externos – Bolsonaro atendeu os produtores e disse no Twitter que o leitinho deles, em sentido metafórico, está garantido. Na mesma linha geral surge a tomada de decisão sobre o fim da isenção dada às contribuições previdenciárias dos produtores rurais que exportam.
A proposta de agenda liberal de Guedes supõe o fim dessa renúncia (cerca de R$ 7 bilhões por ano nos cofres do INSS), tanto por razões fiscais como pelo propósito conceitual mais amplo. A Agricultura diz que não faz sentido tirar refresco de um setor – o de exportações agrícolas – que ajuda substancialmente a gerar os superávits comerciais que a economia também precisa. Essa é uma típica discussão que no Brasil (mas não só) anda em círculos há décadas, subordinada sempre ao curtíssimo prazo e às turbulências dos momentos de crise econômica e política. Que obrigaram sucessivos governos a esticar contas (aumentando impostos, por exemplo, ou deixando de investir) para atender a todos que demandam seu leitinho.

Seja pela típica estatolatria reinante no Brasil, seja pelo fato de que a mentalidade predominante no País não é liberal (nem importa classe social ou ramo de atividade econômica), seja pelo comodismo de deixar decisões difíceis para depois, o leitinho de cada um expressa a realidade de uma sociedade anestesiada pelo subsídio. O corporativismo é apenas um sintoma de um estado geral no qual se assume que o governo, no final das contas, acabará fazendo alguma coisa em meu benefício.
Este é o padrão cultural mais amplo que Bolsonaro e Guedes dizem estar dispostos a enfrentar. Por vezes ambos transmitem a sensação de confusão entre causa e efeitos. Queixam-se (com razão, aliás) que o consagrado método do “toma lá, dá cá” no Legislativo, do qual dependem para qualquer reforma fiscal significativa, embaralha as cartas na hora de proceder a reformas estruturantes quando, no fundo, esse jogo político não é outra coisa senão (pelo menos naquilo que é interesse setorial lícito e legítimo) a defesa do leitinho de cada grupo.
Bolsonaro e Guedes chegaram ao poder impulsionados por uma enorme onda de transformação política e aparentemente empolgados com a frase tão repetida segundo a qual é imperioso acabar com a mania, que no nosso caso dura séculos, de mamar nas tetas estatais. São certeiros no diagnóstico. “Todo mundo vem pedir subsídios, dinheiro para isso, dinheiro para aquilo”, desabafou Guedes na quarta-feira, falando em evento para servidores públicos. “Quebraram o Brasil”, sentenciou.
Pode ser (suposição meramente teórica) que Bolsonaro e Guedes compartilhem cada vírgula de uma idêntica visão de mundo, e cada mínimo impulso sobre como agir na política. No caso do leite em pó cederam ao “toma lá, dá cá” por sólidos motivos políticos. Querem o apoio de um setor? Serão obrigados a atender a pelo menos parte de suas demandas, num delicado jogo de equilíbrio, articulação e compensações, enquanto o ambiente político vai se tornando mais hostil à medida que o leitinho some da mesa. Vamos ver como aguentam o berreiro de uma manada de bezerros desmamados.
 
William Waack - O Estado de S. Paulo