J. R. Guzzo
Réus em liberdade provisória não foram condenados por nenhum crime até agora, mas são vítimas de castigo ilegal pelo Supremo
O artigo 1º. da Lei 9.455, em vigor há mais de 25 anos, diz o seguinte: “Constitui crime de tortura:
submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou de grave ameaça, a intenso sofrimento físico e mental”.
A
pena pode ir a até 16 anos de prisão; é agravada se o crime for cometido
por agente público e atingir maiores de 60 anos de idade.
Os fatos
mostram que há neste momento no Brasil mais de 1.000 pessoas que estão
sob a autoridade do Supremo Tribunal Federal e são obrigadas a usar tornozeleira eletrônica, depois de receberem liberdade provisória nos processos sobre o quebra-quebra do dia 8 de janeiro em Brasília.
Usam as tornozeleiras porque há a grave ameaça de voltarem à prisão se
não usarem.
A exigência do STF, enfim, submete os acusados a intenso
sofrimento físico e moral.
Com a proibição de se afastarem a mais de 300
metros do local onde estão confinados, não podem receber o tratamento
médico que o seu estado de saúde exige.
Não podem trabalhar para ganhar o
próprio sustento, pois não encontram emprego a essa distância de casa;
também não podem receber qualquer espécie de remuneração ou
aposentadoria, pois as suas contas no banco estão bloqueadas.
A
imposição do uso da tornozeleira eletrônica pelo STF não é uma “medida
cautelar” nesse caso; ela tem um único propósito: impor sofrimento aos
réus.
Não
se trata de punição legal pela prática de alguma infração. Os réus em
liberdade provisória não foram condenados por nenhum crime até agora – muitos, aliás, foram soltos porque o Ministério Público reconhece por escrito que não há provas suficientes contra eles,
ou que sua participação nos tumultos foi irrelevante.
Se são inocentes
até prova em contrário, o castigo que estão recebendo é ilegal. Mesmo
que estivessem condenados por “tentativa de golpe de estado” e por
“abolição violenta do estado democrático de direito” (as duas coisas ao
mesmo tempo), a lei proíbe que sofram castigos que vão além da pena
estabelecida em sentença.
A pena, para as acusações feitas, é unicamente
de prisão; não inclui bloqueio de contas, ou limitação de cuidados
médicos.
Os réus, além disso tudo, não tinham nenhuma possibilidade
material de cometer o crime de “golpe de estado” do qual são acusados.
O
uso da tornozeleira eletrônica, enfim, não é uma “medida cautelar” –
para impedir que os suspeitos fujam do Brasil, ou sabotem o processo
penal, ou cometam novos crimes. Todos eles são primários; não
representam qualquer perigo para a segurança da sociedade, e não têm a
mais remota possibilidade de derrubar o governo ou destruir a
democracia.
A determinação tem um único propósito: impor sofrimento aos
réus.
Acredita-se que pessoas descritas como “fascistas” não têm direitos civis, ou de qualquer tipo. É a negação da democracia.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo