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terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Se a Venezuela invadir a Guiana, será o último ato de Maduro - Gazeta do Povo

Filipe Figueiredo - VOZES

Guerra aqui do lado?

Guayana Esequiba, território reivindicado pelo Império Espanhol e depois pela Venezuela independente.

Guayana Esequiba, território reivindicado pelo Império Espanhol e depois pela Venezuela independente.| Foto: Kmusser & Kordas/Creative Commons
 
 Maduro conseguiu uma distração para a população venezuelana. No último domingo, o governo da Venezuela realizou um referendo com cinco perguntas referentes à questão da Guiana Essequiba. 
 As cinco perguntas feitas representam uma suposta vitória do governo Nicolás Maduro, mas os cálculos políticos envolvidos são mais complexos e suspeitos do que as perguntas de um referendo.

Como nunca falamos especificamente da questão de Guiana Essequiba aqui em nosso espaço, cabe uma recapitulação. Trata-se de cerca de 160 mil quilômetros quadrados, algo como dois terços do território da atual Guiana, ex-colônia britânica, fronteiriça com a Venezuela, que reivindica o território. A divergência fronteiriça antecede a própria Venezuela, remetendo ao período das Guerras Napoleônicas.

História, ouro e petróleo
No século XIX a disputa entre a Venezuela independente e o Reino Unido continuou. Claro que a disputa era limitada pela discrepância de forças. O Reino Unido era uma das principais potências do mundo e constituiu o maior império não-contínuo da História, governando cerca de um quarto de toda a terra seca do planeta. 
A Venezuela não podia fazer frente, seja no poder militar, no poder político ou na economia.

Quatro datas são importantes nessa recapitulação histórica. Em 1876 tivemos a primeira descoberta de ouro na região. Em 1899, uma arbitragem europeia, apoiada pelos EUA, deu ganho de causa integral aos britânicos, motivo de suspeições e críticas até hoje. Em 1966, em Genebra, foi assinado um novo acordo, entre Reino Unido e Venezuela, em que os britânicos concordavam em negociar a fronteira.

O acordo, na prática, não decidiu nada, foi mais um dos vários “acordos para chegar em um acordo” na História, mas, para os venezuelanos, significou que os britânicos reconheceram a fronteira de 1899 como nula, posição não aceita pela Guiana, que se tornou independente em 1966. Finalmente, em 2015, foram descobertos novos e vastos campos de petróleo na área marítima de Guiana Essequiba.

Ou seja, longe de ser um território economicamente desprezível, trata-se de um lugar rico em ouro, cassiterita, petróleo e gás natural em suas águas. Desde a década de 1960 o território também serve como grande espantalho patriótico da Venezuela. Quando o governo de ocasião está mal, brada pela Guiana Essequiba e cria uma distração para a população, tal qual a Argentina fez e faz com as Malvinas.

Referendo
O referendo realizado no último domingo é um ótimo exemplo disso
. Maduro, inclusive, ensinou em rede nacional como votar no “sim”. Note o leitor que não foi ensinado como seria realizada a votação, mas como votar na posição do governo. Não é sequer a primeira vez que Maduro faz isso, tendo ordenado exercícios militares na fronteira com Guiana no ano passado e em 2018.

As cinco perguntas, na ordem, rejeitam a arbitragem de 1899, reforçam o acordo de 1966, rejeitam a jurisdição da Corte Internacional de Justiça, rejeitam a suposta “disposição unilateral” dos limites marítimos pela Guiana e criam o “estado de Guayana Esequiba”, com um “plano acelerado de atendimento integral à população”, incluindo a concessão de cidadania e de documentos venezuelanos.

As duas primeiras perguntas já foram explicadas. A terceira pergunta, ao rejeitar a jurisdição da CIJ, na prática, rejeita a possibilidade de uma nova arbitragem internacional e força uma negociação direta entre Venezuela e Guiana. Agora, é a Venezuela que é o país mais forte da conversa. Já a última pergunta aplica o manual russo implementado na anexação da Crimeia em 2014 e dos quatro oblasts ucranianos em 2022.

Segundo o governo venezuelano, tivemos “dez milhões de votos”, com cerca de 95% de aprovação em cada pergunta. Esse número, caso seja de eleitores, corresponde à metade do eleitorado venezuelano, embora, por exemplo, nas eleições parlamentares de 2020, apenas 30% dos eleitores compareceram. Mesmo os números oficiais são questionados nos últimos pleitos venezuelanos.

A questão é que pode existir uma maquiagem contábil aqui. Os “dez milhões de votos” corresponderiam a pouco mais de dois milhões de eleitores.  
Como cada um respondeu cinco perguntas, seriam dez milhões de votos. Ou seja, o comparecimento eleitoral seria de risíveis 10% do universo total. O fato é que essa vitória, independente dos números oficiais, será vendida por Maduro como um respaldo popular para as ações venezuelanas.


Diplomacia ou ação militar
Temos dois caminhos principais aqui. O primeiro
é o da negociação por vias diplomáticas. Nesse caso, pesa contra a Venezuela o fato de o atual governo não ser exatamente prolífico em amigos, além de a Guiana considerar o tema como encerrado. No caso de uma solução negociada, o Brasil pode, e precisa, desempenhar papel importante, por ser uma crise também em suas fronteiras.

Outro caminho é o da ação militar. A Guiana não dispõe de forças armadas propriamente ditas, mas de um exército com menos de cinco mil militares, um componente aéreo com alguns aviões de transporte e uma guarda costeira com algumas lanchas obsoletas. 
A Venezuela, mesmo em crise econômica, dispõe de recursos militares vastamente superiores e teria uma vitória fácil.

Fácil como a do Iraque sobre o Kuwait em 1990. E o exemplo histórico não é aleatório. A comunidade internacional foi rápida em condenar as ações iraquianas como uma guerra de agressão ilegal e uma força internacional, liderada pelos EUA e custeada principalmente pelos sauditas, derrotou o Iraque em alguns meses. Naquele período, as forças armadas iraquianas eram das mais formidáveis do mundo.

Se a Venezuela invadir a Guiana, a possibilidade de um porta-aviões dos EUA na costa venezuelana em questão de semanas é enorme. Além de ser uma hipotética guerra de agressão, a Guiana possui um grande aliado nessa crise: o fato de suas reservas de petróleo e gás já estarem sendo exploradas por empresas estrangeiras, especialmente a gigantesca Exxon Mobil dos EUA.


Manobra política
O governo Maduro pode estar recebendo mensagens incentivadoras de potências interessadas em um conflito na vizinhança dos EUA, mas essas potências, mesmo podendo exercer seu veto no Conselho de Segurança da ONU, pouco poderiam fazer para socorrer na prática os venezuelanos. E a Venezuela não teria como resistir longamente contra uma ação militar dos EUA, a verdade é essa.

Como já explicamos aqui, Maduro depende dos militares para se manter no poder. Ou seja, uma guerra não depende apenas dele. Uma guerra também seria uma tragédia para o Brasil, pois poderia abrir caminho para maior presença militar estrangeira na Amazônia. Também geraria um fluxo de refugiados considerável. Ou seja, é evidente que é do interesse do Brasil evitar uma guerra ali.

Até o momento, as ações diplomáticas brasileiras estão conseguindo algum efeito. Finalmente, existe outro aspecto, apontado tanto pela direita venezuelana quanto pelo Partido Comunista do país: Maduro, além de repetir o roteiro de usar uma grande distração patriótica, pode estar gestando uma crise intencional que justifique a suspensão ou adiamento das próximas eleições.

Por exemplo, em caso de Estado de Defesa, pela lei venezuelana, citada pelos atores políticos locais, a eleição seria suspensa. Novamente, isso não é uma invenção de Maduro, sequer da Venezuela, mas tudo pode não passar de alarmismo para justificar uma ação política interna. No fundo, Maduro sabe que invadir a Guiana seria o fim da causa de Essequiba. E o fim de seu governo.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise


Filipe Figueiredo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Por que os governos são os culpados pela inflação – e deveriam responder criminalmente por isso - Ricardo M. Rojas

 Autor agentino explica por que a definição de inflação como "aumento dos preços" contém um erro que custou caro às sociedades modernas.
Autor agentino explica por que a definição de inflação como “aumento dos preços” contém um erro que custou caro às sociedades modernas| Foto: Unsplash

No último século, a inflação tem sido tema de intensa discussão em vários países do mundo. Políticos, analistas e jornalistas falam de inflação veementemente, porém sempre referindo-se a alguma taxa média de aumento de determinados preços.

Essa forma de inflação é equivocada por vários motivos:

1. Porque, tecnicamente, a inflação não é o aumento dos preços. O aumento dos preços é uma consequência direta da inflação.  Inclusive, tecnicamente pode haver inflação até mesmo sem que os preços subam.

2. Porque os preços sobem e descem circunstancialmente por muitos motivos não relacionados à inflação. Em suma, todos os preços – incluindo o do dinheiro – estão em constante movimento de acordo com múltiplos fatores que influenciam a oferta e a demanda.

3. Porque a escolha de um punhado de produtos, por mais  importantes e genéricos que sejam, normalmente é arbitrária e gera diferentes resultados dependendo dos produtos selecionados. Essa forma de "medir a inflação" não resulta da ignorância, mas geralmente é a maneira pela qual os governos tendem a distrair as pessoas com suas estatísticas e manipular os resultados.

Ainda assim, e apesar disso, em todo o mundo fala-se de inflação nesse sentido, e são feitos cálculos, projeções e previsões, sob o auspício dos políticos, que estão prontos para ajudar a espalhar a confusão a fim de afastarem-se da própria responsabilidade em um fato do qual eles são os únicos culpados.

A verdade é que a inflação é o aumento da quantidade de dinheiro – o que "infla" é o dinheiro, não os preços –, e o único que pode produzir esse efeito nos atuais regimes de moeda fiduciária, criado e imposto monopolisticamente pela legislação, é o próprio governo.

Em tempos de padrões monetários vinculados a determinados bens de uso comum, a quantidade de dinheiro era regulada por mecanismos de mercado sem interferência do Estado. A partir da escolha de certos metais preciosos, surgiu a oportunidade para intervenção estatal por meio da cunhagem de moedas, cujo monopólio os monarcas justificavam com a necessidade de garantir a quantidade e a qualidade do metal de cada unidade monetária.

Mas, como veremos adiante, isso acabou sendo apenas uma desculpa para degradar a qualidade das moedas com o objetivo de aumentar sua quantidade e financiar suas próprias despesas. A inflação, como fenômeno político generalizado, tem sua origem nessas manobras dos governantes sobre as moedas que cunhavam.

Há mais de um século, em uma época em que o padrão-ouro cambaleava devido à intervenção de Estados que suspendiam a conversibilidade da moeda para usar o ouro nas despesas de guerra, Ludwig von Mises, alertou o seguinte:

Em um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, nenhuma regulação governamental pode alterar os termos de troca, exceto se modificar os fatores que os determinam.

Reis e repúblicas recusaram-se repetidamente a reconhecer esse fato. O edito do imperador romano Diocleciano de pretiss rerum venalium ["sobre os preços dos allimentos", publicado no ano 301 e que buscava a reestruturação do sistema de cunhagem de moedas, além de determinar um congelamento de salários e preços de vários tipos de bens, especialmente alimentos], as regulações de preços na Idade Média e os preços máximos na Revolução Francesa são os exemplos mais conhecidos do fracasso da interferência  autoritária no mercado. Em um Estado que deixa a produção e a distribuição para as empresas privadas, tais medidas não podem outra coisa a não ser falhar.

O conceito de moeda como uma criação do Direito e do Estado é claramente insustentável. Nenhum fenômeno do mercado o justifica. Atribuir ao Estado o poder de ditar as leis de intercâmbio é ignorar os princípios fundamentais das sociedades que utilizam dinheiro.

O abandono dos padrões monetários baseados em bens físicos – principalmente o padrão-ouro –, e sua substituição por cédulas impressas que o Estado emite de forma monopolista, obriga as pessoas a utilizá-las pelo curso legal e forçado [uso regulamentado por lei e obrigatório, respectivamente, da moeda estabelecida por lei em determinado país], colocou o dinheiro em risco. A generalização de situações de alta inflação que se viu muitas vezes em boa parte do mundo no século XX e até agora, no século XXI, deve-se aos excessos causados por esse monopólio estatal de emissão desses papéis chamados "dinheiro" e a falta de controle efetivo sobre quem pode produzi-los.

Como apontou Friedrich Hayek, os governos nunca utilizaram seu poder para fornecer uma moeda aceitável e evitaram cometer grandes abusos apenas durante a manutenção do padrão-ouro. Uma vez libertos das restrições impostas pela quantidade restrita de metal, eles cometiam todo tipo de descalabro pelo manuseio discricionário do dinheiro de papel.

Por meio desse mecanismo, se produz uma agressão generalizada ao direito de propriedade. O Estado monopoliza a gestão monetária, emite moeda de curso forçado que as pessoas devem obrigatoriamente usar nas suas transações e, ao mesmo tempo, vai reduzindo seu valor ao aumentar sua quantidade. Na prática, esse processo equivale a roubar de cada pessoa uma quantia de dinheiro que ela carrega no bolso, sem que ela perceba.

O problema torna-se complexo porque a relação existente entre preço e moeda é tão próxima que, às vezes, é difícil diferenciá-los e a inflação tende a ser interpretada como o aumento dos preços, e não como o aumento da quantidade de dinheiro. No entanto, apontar claramente essa diferença é algo extremamente necessário para identificarmos quem é o verdadeiro culpado pela inflação; pois considerar o aumento de preços como inflação não é um erro inocente, mas um meio de desviar a atenção das pessoas, tirando o foco dos próprios governantes e depositando-o nos comerciantes, banqueiros e conspiradores.

Não há queixa mais difundida do que a que tem por objeto o "alto custo de vida". Nenhuma geração deixou de expressar seu descontentamento com os "tempos caros" em que viveram. Mas o fato de que "tudo" se torna mais caro ao longo do tempo simplesmente corresponde à queda objetiva do valor de troca da moeda. [Ludwig von Mises, em 'Theorie des Geldes und der Umlaufsmittel' (1912)]

Essa conversa fiada que os políticos usam para esconder a causa da inflação teve bastante sucesso no mundo todo e se intensificou pela propensão das pessoas em colocar seus direitos nas mãos do governo e esperar que seja ele quem resolva todos os problemas. Nesse aspecto dizia Hans Sennholtz (1922-2007), em 1978, sobre os efeitos da inflação nos Estados Unidos:

Nossa era é de inflação. Durante nossa vida, todas as moedas sofreram depreciações importantes. Em termos do dólar do consumidor de 1933, hoje fazemos compras com dólares que valem apenas vinte centavos; em termos da construção civil, tão vital para os negócios, compramos materiais e mão de obra com dólares que valem apenas seis ou até cinco centavos. Embora, talvez, as autoridades não tenham tido a intenção explícita de inflar a moeda, seus sintomas e consequências são igualmente graves e reais. A inflação corrói a poupança das pessoas e sua confiança nos próprios recursos à medida que, gradualmente, corrói suas economias.

Ao beneficiar os devedores às custas dos credores, cria um fluxo maciço de receitas e perdas injustas. Consome o capital produtivo e destrói a classe média que investe em instrumentos monetários. Produz os chamados ciclos econômicos, os movimentos comerciais de euforia e crise que prejudicam milhões de pessoas. Convida o governo a fazer uso do controle de preços e salários e outras políticas restritivas que impedem a liberdade e as atividades individuais. Em suma, a inflação produz catástrofes econômicas e desordens sociais e, em geral, corrói a fibra moral e social da sociedade livre.

Não há dúvida de que todo verdadeiro norte-americano deseja sinceramente deter a inflação e salvar o dólar. Mas a dificuldade provém da adesão do público àquelas políticas que são diretamente inflacionárias ou que exigem a emissão de moeda. A forma como as pessoas condenam publicamente as consequências dessas políticas é incongruente. É semelhante à confissão pública de pecados que se faz nas igrejas aos domingos de manhã. O padre recita a confissão, a congregação o acompanha em voz alta e depois seus membros retornam para suas casas para continuar pecando.

O presidente denuncia a inflação na segunda-feira e, na terça-feira, aprova outra lei concedendo bilhões de dólares. Políticos que na quarta-feira fazem muito barulho na luta contra a inflação, na quinta-feira propõem mais leis dispendiosas para estímulos econômicos artificiais e redistribuição de riqueza. Na sexta-feira, os comentaristas de notícias também entram na guerra contra a inflação, mas, no sábado, com muita coragem, se manifestam a favor de outro programa perdulário de melhoria econômica artificial. E o ritual se repete na semana seguinte.

O governo que, repetidas vezes, declarou guerra à inflação é o mesmo que a iniciou, forma ativa, causou-a e continua levando-a adiante com cada vez mais força. Os mesmos políticos que às vezes discursam como se fossem militantes na luta contra a inflação brigam entre si para gastar cada dólar do déficit fiscal

Por essa razão, as “soluções” estatais para a inflação frequentemente consistem em estabelecer controles de preços, cujos resultados sempre foram um fracasso. No final da Segunda Guerra Mundial, Ludwig von Mises (1881-1973) afirmou:

O verdadeiro perigo não está no que já aconteceu, mas nas falsas doutrinas oriundas desses fatos. A superstição de que o governo pode prevenir as consequências inevitáveis da inflação por meio do controle dos preços é o principal perigo. Isso ocorre porque essa doutrina desvia a atenção do público do foco do problema.

Enquanto as autoridades travam uma luta inútil contra o fenômeno que acompanha a inflação, poucos são os que atacam a origem do mal, ou seja, os métodos que o governo utiliza para solucionar o excesso de gastos. Enquanto a burocracia ocupa as primeiras páginas dos jornais com suas extensas atividades, as estatísticas referentes ao aumento da circulação monetária do país são relegadas a um espaço secundário nas páginas de economia dos jornais.

É o que pretendo mostrar na primeira parte do meu livro 'Inflação como Delito'. Para isso, abordo questões como o que é o dinheiro, o que são os preços, o que é inflação, quais são suas causas e como poderia ser evitada. Isso nos permite concluir que, na verdade, o governo é o único produtor de inflação e que, ao fazê-lo, gera um mecanismo de coerção que confisca os bens das pessoas, mina a confiança do público na moeda e incorpora um crescente abuso de poder.

Mais adiante examinano esse processo de alteração monetária e expropriação de bens à luz do direito penal. Minha conclusão é que a ação intencional de aumentar a quantidade de dinheiro por parte de determinados funcionários públicos – geralmente com o objetivo de cobrir o déficit de seus orçamentos – viola alguns direitos legais protegidos pela legislação penal.

Disso decorre que tal ação dolosa deveria ser incluída como crime nos códigos penais. Mas, para garantir o princípio da legalidade que rege a matéria penal, a própria legislação deveria esclarecer quais são os limites objetivos e específicos para a emissão de moeda, cuja transgressão tornaria criminosa a conduta dos agentes que a ordenam.

Por fim, como corolário da minha explicação, proponho um tipo penal específico incluído em um capítulo sobre falsificação e adulteração de moeda, onde julgo apropriado situar tal crime. Também apresento uma proposta de modificação da legislação orgânica do banco central ou da autoridade monetária de cada país, no que tange ao seu poder de ordenar a emissão de moeda e seus limites, e que deve ser complementada pela garantia da livre circulação das moedas, de forma que a concorrência atue como um controle efetivo para detectar a tempo qualquer alteração nas limitações na quantidade de dinheiro em circulação.

A fim de eliminar a principal causa da emissão monetária, que é cobrir os gastos excessivos do governo, também proponho que, por meio de alteração legislativa, o banco central seja impedido de conceder financiamento ao governo ou adquirir títulos públicos, seja com suas reservas ou com dinheiro emitido para tal efeito.

Os sujeitos ativos desse tipo penal serão os funcionários dos bancos centrais e do poder executivo em questão, envolvidos na decisão de emitir e colocar dinheiro em circulação de forma espúria.

Deste modo, a intenção do livro é alertar sobre a necessidade de impor maiores limites e responsabilidades ao poder estatal que se tornou praticamente incontrolável. Nunca como atualmente o Estado imiscuiu-se tão profundamente em uma questão que nunca deveria ter sido expropriada das pessoas. O dinheiro surgiu espontaneamente como um bem cuja aceitabilidade generalizada o tornou um meio de troca. Não foi uma criação de uma autoridade ou governo. No entanto, com o tempo, sua dependência da autoridade política não parou de crescer.

Sei que o ideal seria devolver esse poder aos indivíduos e permitir que o dinheiro surja espontaneamente no mercado, em tantas formas diferentes quanto a vontade das pessoas que fazem trocas se quiserem. Mas, enquanto permanecer como produto da atividade estatal, será necessário, ao menos, impor limites mais claros a esse poder.

É interessante notar que, embora a teoria econômica tenha se desenvolvido a partir de decisões individuais tomadas por pessoas com base em seus próprios valores e motivações, e sejam admitidas as vantagens do processo de mercado para definição de preços e crescimento geral da economia, também houve quase o mesmo consenso para eliminar o processo de mercado na definição de um preço fundamental, o preço do dinheiro, o preço daquilo que é utilizado para expressar os preços. A interferência estatal na moeda impediu o desenvolvimento teórico em torno de como funcionariam sistemas com liberdade monetária, com bancos atuando livremente, emitindo suas próprias cédulas e se responsabilizando por suas decisões frente ao impiedoso escrutínio dos consumidores de dinheiro.

O princípio de que a livre concorrência entre os diferentes produtores de bens e serviços serve aos interesses dos consumidores e que o monopólio se opõe a eles tem orientado a corrente dominante no pensamento econômico desde o tempo de Adam Smith. A maior parte das iniciativas empresariais realizadas foi influenciada por esse princípio, com a única exceção da cunhagem de moedas metálicas inicialmente e, depois, a emissão de bilhetes de bancos. Apenas uma minoria de teóricos opôs-se aos governos que permitiram a criação de bancos que detinham o monopólio ou quase monopólio da emissão de papel-moeda nos séculos XVII, XVIII e XIX. Um grupo menor ainda criticou os governos quando, mais tarde, eles idealizaram a criação de bancos centrais de emissão à frente dos sistemas bancários – uma ideia supostamente bem pensada para monopolizar a oferta de moeda e reservas bancárias –, uma solução que passou a ser considerada indispensável para uma política monetária nacional.

Como consequência, a teoria das implicações da oferta de moeda bancária interna (dinheiro em espécie e depósitos à vista em contas correntes) descentralizada por meio de múltiplos emissores concorrentes foi amplamente ignorada. De fato, a existência de um banco central que monopoliza a emissão de notas e reservas monetárias para os demais bancos comerciais de um país foi, durante muitos anos, considerada uma realidade tão evidente que não houve qualquer esforço para analisar sistemas alternativos, nem que fosse apenas para mostrar que, se implementados, fracassariam. [George A. Selgin, em 'The Theory of Free Banking: Money Supply Under Competitive Note Issue' (1988)]

Acredito que essa solução de mercado deve ser explorada e implementada no futuro. O surgimento de criptomoedas privadas pode forçar a substituição do atual paradigma monetário e bancário. Mas, até lá, os poderes do Estado sobre a criação e uso do dinheiro deverão ser submetidos ao maior número possível de controles e restrições.

Quem sabe a pressão da ameaça de penas de prisão sobre os políticos irresponsáveis que inflam a quantidade de dinheiro para custear seus excessos contribua para que decidam finalmente libertar um mercado que nunca deveria ter sido cativo.

Para encerrar , talvez seja bom recordar a reflexão de Friedrich Hayek:

Grande parte da política contemporânea baseia-se na presunção de que os governos têm o poder de criar e fazer com que as pessoas aceitem qualquer quantidade de dinheiro adicional. Por essa razão, os governantes defendem ferozmente seus direitos tradicionais, mas, justamente por isso, é importante privá-los disso.

Ao estudar a história do dinheiro, não podemos deixar de nos perguntar por que as pessoas suportaram por mais de 2 mil anos um poder monopolista exercido pelo Estado para explorar e enganar as pessoas. A única explicação é que o mito (a necessidade da prerrogativa do Estado) se enraizou tão firmemente que nem mesmo os estudiosos do tema pensaram em questioná-lo (incluindo, por muito tempo, o autor desta obra). Contudo, uma vez questionada a validade da doutrina estabelecida, rapidamente sua base frágil torna-se evidente.

Por isso, pelo menos enquanto o monopólio estatal sobre a criação de moeda não for abandonado, seus poderes devem ser limitados não só em termos de emissão – considerando o que exceder esses limites como um crime –, mas também assegurando um mercado tão aberto quanto possível para a moeda e para os bancos, bem como restrições que impeçam a autoridade monetária de financiar o governo sob qualquer forma.

Alguns dirão que já existem restrições e que funcionam razoavelmente bem em alguns países, ainda que exista um monopólio estatal na matéria. Contudo, a verdade é que essas limitações não têm sido eficazes nos países com fraca institucionalidade e legalidade. Daí a proposta de intensificá-las e reforçá-las por meio de legislação penal, uma vez que a ação criminosa de emitir moeda sem justificativa e de colocá-la em circulação com grave prejuízo para a sociedade não é diferente de outras ações criminosas que podem ser cometidas por funcionários públicos e que há séculos merecem punição no âmbito penal.

 

O pior de todos os mundos é o monopólio estatal de pedaços de papel impostos legalmente para uso próprio e pagamento de dívidas, emitidos e postos a circular pelo governo sem quaisquer controles ou limites efetivos. Entendo que, enquanto esses pedaços de papel chamados de "dinheiro"continuarem a existir, a legislação deve reforçar os limites do poder de emissão de moeda.

O texto publicado pela Gazeta do Povo integra o livro ‘Inflação como Delito', que acaba de ser lançado no Brasil pela LVM Editora.

Ricardo M. Rojas é advogado, doutor em História Econômica e juiz em Buenos Aires. Atualmente dirige o Departamento de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Francisco Marroquín. 

 

 


quarta-feira, 26 de julho de 2023

Desarmamento - Discurso de Lula sobre armas é ignorância pura

Alexandre Garcia - VOZES

Agora o pessoal que usar sites de aposta eletrônica e ganhar prêmio também vai pagar imposto. 

Desarmamento



Armas
Entre as medidas adotadas por Lula estão mudar a atribuição de fiscalização do Exército para a Polícia Federal e restringir mais o porte. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Agora o pessoal que usar sites de aposta eletrônica e ganhar prêmio também vai pagar imposto. 
Daqui a pouco vão taxar o ar que respiramos, porque o governo tem muita despesa para se manter, é muito grande, é muito inchado, está cheio de órgãos públicos para fazer coisas que não precisavam fazer, que a iniciativa privada faria melhor. 
Aliás, se o governo quisesse estimular o desenvolvimento econômico do país, que se metesse menos na atividade econômica, que não tributasse tanto
A taxação das apostas está numa medida provisória que ainda vai ser examinada no Congresso e tem 120 dias para virar lei, mas por enquanto já está vigorando. Jogadores e treinadores não podem apostar em partidas do seu time, para evitar as coisas que temos visto por aí.
 
Lula não acerta uma quando fala sobre armas
O presidente Lula anunciou que quer fechar todos os clubes de tiro. São 2 mil, empregando muita gente. 
Ele diz que essa história de clube de tiro é só para polícia e para os militares, que são os únicos que precisam treinar tiro, porque a sociedade não precisa. 
E anunciou isso exatamente no dia em que se comemora a chegada dos imigrantes alemães ao Brasil, em 1824; com eles vieram as tradições da Alemanha, como os clubes e sociedades de tiro, Schützenverein, que se espalharam pelo Rio Grande do Sul e Santa Catarina. 
Eu conheci esses clubes de caça e tiro em Estrela, em Lajeado; em Cachoeira há a Sociedade Rio Branco, que está recuperando agora a tradição do clube de tiro.

Na Alemanha, esses clubes foram criados na Idade Média, nas cidades medievais, pela população, para resistir à opressão dos senhores feudais. Hoje a Alemanha tem 15 mil clubes de tiro, com 1,5 milhão de filiados. Nos Estados Unidos, a Constituição garante que todo cidadão tenha arma; originalmente, era para evitar que o Estado oprimisse o cidadão, para garantir a liberdade dos cidadãos. 

Mas, enfim, aqui no Brasil é diferente e Lula não quer saber disso. Provavelmente não sabe também que a primeira medalha de ouro olímpica do Brasil foi obtida no tiro, por Guilherme Paraense, conhecidíssimo na Europa, mas que aqui não é conhecido pelo presidente da República. 
Ganhou ouro na pistola, um outro brasileiro ganhou prata em outra prova e a equipe brasileira ganhou bronze em 1920. É um esporte olímpico desde que os Jogos Olímpicos voltaram, em 1896, e desde 1984 as mulheres também participam.
 
Lula até usou um termo chulo que eu tenho vergonha de repetir aqui, mas que precisarei fazer, porque eu atribuo o palavrão ao presidente da República. “Não é a sociedade que tem que dar tiro. Nós não estamos preparando uma revolução, eles tentaram preparar golpe e sifu”. 
São palavras do presidente da República; até peço desculpas a quem me ouve ou lê, porque vocês nunca viram um termo chulo aqui na nossa conversa. 
E Lula ainda insinuou que o decreto anterior, que flexibilizava a compra de armas, era para beneficiar o crime organizado. 
Lula não sabe que o crime organizado importa as armas, que o contrabando tem armas melhores que a polícia
Ele nunca deve ter visto estatísticas de apreensão de armas; se tivesse visto, saberia que é menos de 1% o número de armas apreendidas que antes tinham sido legalizadas.
 
Para perseguir quem xingou ministro vale até abolir o Código Penal
Alexandre de Moraes depôs à Polícia Federal, que foi colher o depoimento dele sobre o caso do xingamento em Roma.  
Mas o artigo 7.º do Código Penal deixa tudo isso ilegal. 
Nada disso vale, porque o artigo 7.º diz que “ficam sujeitos às leis brasileiras, embora cometidos no estrangeiro”, e aí vem uma série de crimes. Mas o parágrafo 2.º, “c”, diz que, para ser punível no Brasil, é preciso “estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição”. 
Mas não existe extradição para crime de desacato – se fosse cometido aqui, xingar uma autoridade seria no máximo desacato. 
E as “vias de fato”, que são agressão sem lesão, que teriam acontecido com o filho do ministro? Vias de fato é contravenção penal
Então, não sei como estão conseguindo ter até o Supremo envolvido nisso. A presidente do STF autorizou busca e apreensão na casa do casal Mantovani, [em termos de impropriedades, a ilustre magistrada, também ousou comparar o tumulto do 8 de janeiro a Pearl Harbor.] a despeito do que está escrito no artigo 7.º do Código Penal, que, acho, ainda está vigente. Pelo menos na nossa cabeça.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES




terça-feira, 25 de julho de 2023

Tribunais torram R$ 13 bilhões com “penduricalhos” em seis anos - LúcioVaz

Vozes - Gazeta do Povo 

 
 

Fachada do Tribunal de Justiça de São Paulo.| Foto: Wikimedia Commons

Em seis anos, os tribunais de Justiça do país gastaram R$ 13,7 bilhões com “penduricalhos” – pagamentos eventuais que reforçam a renda dos juízes e desembargadores.  
A maior despesa foi com pagamentos retroativos – R$ 5,7 bilhões. Dezenas de magistrados acumularam até R$ 3 milhões – cada um – com esses pagamentos. As indenizações de férias somaram R$ 3,6 bilhões.
 
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), maior tribunal do país, com 360 desembargadores, pagou R$ 1,5 bilhão de retroativos e R$ 1,1 bilhão de indenização de férias.  
Como têm direito a 60 dias de férias, os magistrados costumam “vender férias” para aumentar a renda. Como se trata de uma indenização, a verba não sofre desconto do imposto de renda nem da Previdência. 
Essas despesas estão na planilha de “direitos eventuais”.
 
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), os retroativos somaram R$ 1,57 bilhão. As indenizações de férias, mais R$ 290 milhões
Mas o tribunal mineiro também pagou R$ 315 milhões de indenização de férias-prêmio e R$ 418 milhões de habeas corpus e outras medidas urgentes. Essas duas despesas, que totalizam R$ 733 milhões, estão na planilha de “indenizações”, na coluna “outras”.

Os retroativos resultam da equivalência de remuneração entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e os membros do Congresso Nacional. Os pagamentos retroativos se referem às diferenças salariais (PAE e outros atrasados) não recebidas à época em que foram reconhecidas.

O levantamento foi feito pelo blog com dados a partir de setembro de 2017, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou a divulgar a remuneração dos juízes de todo o país numa planilha única. 
O blog considerou os penduricalhos mais dispendiosos: indenização de férias, retroativos, substituição e exercício cumulativo. 
Os dados totais foram atualizados pela inflação do período, ano a ano. 
Os valores individuais são nominais.

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Valores acumulados
Pelo menos 30 desembargadores do TJMG acumularam R$ 3 milhões – cada um deles – com pagamentos retroativos desde setembro de 2017. 
O desembargador aposentado Lúcio Silva Martins recebeu R$ 3,4 milhões. Foram 61 pagamentos no valor médio de R$ 56 mil, o maior deles de R$ 286 mil, em março do ano passado. 
O desembargador aposentado Murilo Pereira recebeu R$ 3,3 milhões. Em 2011, o TJMG pagou retroativos num total de R$ 408 milhões. A maior bolada naquele ano foi em agosto – R$ 120 milhões.

O blog perguntou ao TJMG quanto já foi pago e quanto falta pagar dos retroativos que resultam dos atrasados da PAE. O tribunal respondeu que “os pagamentos de equivalência são feitos conforme decisões judiciais, de acordo com a disponibilidade orçamentária e financeira”.

Sobre a inclusão dos valores relativos às "indenizações férias-prêmio, que estão na planilha de “indenizações”, o tribunal afirmou que “as férias, não gozadas, prêmio ou regulares, são indenizadas, o que justifica sua classificação orçamentária”.

Bolada chega com Papai Noel
No TJSP, magistrados acumularam até R$ 1 milhão em seis anos com pagamentos retroativos.  
O desembargador aposentado Silveira Paulilo juntou R$ 1,24 milhão. Egídio Jorge Giacoia, aposentado em 2019, acumulou R$ 1,13 milhão. Em 2020, os pagamentos de retroativos no tribunal somaram R$ 374 milhões. A maior bolada chegou em dezembro, junto com o Papai Noel – R$ 67 milhões.
 
O tribunal de São Paulo informou ao blog que os pagamentos efetuados de diferenças da PAE, de 2017 até hoje, somam R$ 675 milhões. E ainda falta pagar a quantia de R$ 39 milhões. 
Acrescentou que, além das diferenças da PAE, também ocorrem pagamentos de diferenças de subsídio, relativas aos anos de 2005 a 2007, cuja legitimidade foi autorizada pelo CNJ.

A fartura não ocorre apenas nos grandes tribunais. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), tribunal de médio porte, por exemplo, pagou R$ 718 milhões para compensar as diferenças apuradas na conversão do cruzeiro real para a URV no período de 1994 a 2005.  

A verba está registrada na coluna “outra”. Vários magistrados de Goiás acumularam em torno de R$ 1,8 milhão em seis anos.

O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) declarou gastos de R$ 28 milhões com retroativos em seios anos. 
Mas o tribunal gastou mais R$ 219 milhões com “outros eventos”. 
Essas despesas estão registradas na coluna “outro”, com pouca visibilidade no painel do CNJ. 
Procurado pelo blog, o TJRO afirmou que, no Grupo Outros Eventos, estão classificados vários pagamentos entre eles: Adicional de Tempo de Serviço-ATS/VPN,  Gratificação Por Acumulação de Acervos Res. 236/2022, abono Pecuniário, Gratificação Diretor de Fórum.
 
Palácio com pinturas folheadas a ouro
Dinheiro não falta para o TJSP. O tribunal tem orçamento de R$ R$ 15,5 bilhões em 2023. 
 Muito próximo do orçamento do Estado do Piauí, um dos mais pobres do país – R$ 15,7 bilhões. 
O prédio do maior tribunal do país é uma demonstração definitiva da sua riqueza. Na entrada do tribunal, destaca-se o Salão dos Passos Perdidos, que dá acesso às dependências do “Palácio da Justiça”.

A descrição do salão é do próprio tribunal: “Ladeado por escadarias revestidas em mármore de Chiampo; piso em mármore de Carrara; corrimãos em mármore amarelo português e detalhes de balaústres em mármore e bronze. No perímetro da sala, estão dispostas 16 colunas jônicas de granito vermelho polido de Itu, pesando aproximadamente 15 toneladas cada, com bases e capitéis de bronze, desenhadas pelo arquiteto ítalo-brasileiro Domiciano Rossi”.
No Salão dos Passos Perdidos, escadarias e piso revestidos em mármore


Foto: Divulgação/TJSPNo Salão dos Passos Perdidos, escadarias e piso revestidos em mármore. Foto: Divulgação/TJSP| TJSP

No quinto pavimento, está localizado o “grandioso” Salão Nobre do Palácio da Justiça, decorado com motivos clássicos gregos. Seguem as descrições: “Nesta sala, a simbologia ligada à Justiça foi ricamente representada, com pinturas folheadas a ouro nas suas paredes, arte em alto relevo no teto, além de exuberantes lustres de bronze, que reproduzem as imagens presentes em todo o salão”.  

O Salão Nobre é destinado a sessões de julgamento do Órgão Especial, além de realização de solenidades e grandes eventos.


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Os tribunais que mais gastaram
Tribunal    inden. férias (R$ milhão)    retroativos (R$ milhão)    total (R$ milhão)
TJSP    1.112    1.522    2.634
TJMG    337    1.576    1.917
TJRJ    318    237    961
TJRS    226    323    876
TRF1    42    56    437
TRF4    15    92    407
TRT2    44    204    383
TJSC    172    140    354
TJMS    208    48    314
TRF3    65    59    310
TJDF    141    7    306
TRT15    37    147    305
TJBA    204    3    303
TRF2    13    63    276
TJGO    78    4    275
TJPE    116    72    264
TRF4    14    52    223
TJMA    67    0    116
TJPA    41    5    95
TJCE    45    17    85
Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Lúcio Vaz, colunista -Gazeta do Povo - VOZES


quarta-feira, 10 de maio de 2023

O lítio é o novo petróleo - Dagomir Marquezi

Revista Oeste

Livre da burocracia (por enquanto), o Brasil aproveita o boom de um dos minerais mais importantes do nosso tempo

Ilustração: Shutterstock

O mundo do século 21 está ficando cada vez mais parecido com o do século 16. A busca por matérias-primas em lugares distantes voltou a entrar na agenda das grandes potências. Só que, no lugar de caravelas em busca de especiarias, prata e ouro, hoje temos executivos em jatinhos à procura de lítio e outros minerais raros.

O lítio é fundamental para a fabricação de baterias para carros elétricos e celulares
— entre muitas outras aplicações, como veremos adiante. As exigências de acordos internacionais por uma economia “limpa” estão transformando esse mineral numa estrela dos mercados e um símbolo de poder. Temos cada vez mais fontes de energia alternativas, como a solar e a eólica. Mas o sol se põe, e o vento não dura para sempre. [exceto se o mundo passar a engarrafar o vento, como bem profetizou a genial Dilma e foi estupidamente ignorada.] Nessa hora, é preciso ter baterias para armazenar essa energia. E baterias são feitas, entre outros elementos, de lítio.

Essa corrida pelo lítio leva a duas estradas para os países que possuem reservas. Uma é a do nacionalismo esquerdista, na linha de “o lítio é nosso”. O Chile acabou de escolher esse caminho. O presidente Gabriel Boric anunciou, no dia 27 de abril, que vai aumentar a participação do Estado chileno nas empresas de extração Albemarle e Sociedad Química y Minera de Chile, até obter a maioria das ações. O que, na prática, significa estatizar. Empresa chilena Albemarle e Sociedad Quimica y Minera de Chile | Foto: Divulgação

O Brasil — ainda na administração Jair Bolsonaro — foi no sentido contrário. O então ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, criou o Decreto 11.120, de 5 de julho de 2022. Antes desse decreto, a extração de lítio era tão burocratizada que dependia de aprovação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, a ultracontroladora CNEN.

O artigo único do Decreto 11.120 era claro até para leigos em juridiquês: “Ficam permitidas as operações de comércio exterior de minerais e minérios de lítio, de produtos químicos orgânicos e inorgânicos, incluídas as suas composições, fabricados à base de lítio, de lítio metálico e das ligas de lítio e de seus derivados”.

“Este é o grande momento mundial do lítio” — declarou o ex-ministro Sachsida a Oeste. “O Brasil tinha uma legislação que vinha da década de 1970. Como ministro das Minas e Energia, levei um projeto de lei ao então presidente Jair Bolsonaro para desburocratizar a exploração. Em três meses, os investimentos chegaram a US$ 1 bilhão, numa das regiões mais pobres do Brasil, o Vale do Jequitinhonha (nordeste do Estado de Minas Gerais)”
 
De “vale da miséria” a “vale do lítio”
Como não poderia deixar de ser, o Decreto 11.120 despertou a ira de esquerdistas. Foi acusado de “liberar geral” para a invasão de empresas estrangeiras que querem “nossas riquezas”.

Pode haver um retrocesso no Decreto 11.120 no atual governo petista? “Não consigo acreditar”, disse Adolfo Sachsida a Oeste. “Podem surgir nacionalistas de plantão, do tipo ‘o lítio é nosso’. Mas não consigo acreditar que teremos um retrocesso. O decreto gerou uma competição no setor.”

O Serviço Geológico do Brasil aposta que, se continuar no atual caminho, o país pode chegar a produzir 5% do mercado mundial de lítio nos próximos dez anos

O principal ator nessa competição por enquanto é a empresa Sigma Lithium, que tem sede em Vancouver, no Canadá. Sua CEO, Ana Cabral-Gardner, mostrou para a revista Exame que, com a entrada de capitais e a aceleração da produção, o Vale do Jequitinhonha está deixando de ser o “vale da miséria” para virar o “vale do lítio”.
Segundo Cabral-Gardner, o preço do minério puro está por volta de US$ 100 a tonelada. Processado, esse preço aumenta 80 vezes, para US$ 8 mil. Segundo ela, essa nova riqueza está permitindo a instalação de “barraginhas”, para provocar pequenos represamentos de água que vão beneficiar os criadores e agricultores locais. Segundo ela, 75% dos royalties, calculados sobre os US$ 8 mil por tonelada, ficam nos municípios do vale.

O Chile de Gabriel Boric garantiu que os contratos atuais de exploração seriam respeitados. Mas, enquanto a esquerda estiver no poder, a tendência é essa — estatizar, nacionalizar, controlar, burocratizar. Como a América do Sul concentra as maiores reservas de lítio do mundo, fica a tentação natural para o petismo criar alguma coisa como uma “Litiobras”.
 
Uma Opep do lítio?
A revista Time lembrou que essa mentalidade estatizante não se limita ao Chile. “A Bolívia, que detém 21% dos recursos globais — a maior fatia de todos os países —, sempre manteve seu lítio nas mãos do Estado e, no ano passado, introduziu restrições à tecnologia de extração semelhantes às que o Chile está propondo agora. Das reservas, 54% estão localizados no chamado “triângulo do lítio”, que engloba a região a noroeste da Argentina, o norte do Chile e o sul da Bolívia. O presidente boliviano Luis Arce está propondo inclusive uma aliança regional do lítio. Ou, nas palavras de Arce, “um tipo de Opep do lítio”.

A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) ficou famosa por chantagear o restante do mundo como forma de manipulação de preço. Hoje a Opep detém a produção de 40% do petróleo mundial, e, quando deseja, provoca escassez de produção, para forçar o aumento de preços. O que derruba a economia global e fortalece empresas estatais ligadas a regimes ditatoriais.
Ilustração: Shutterstock


Teremos uma Opep do lítio? O artigo da Time coloca essa possibilidade em dúvida. “Para começar, o lítio não é petróleo. Embora a demanda deva explodir de 23.500 toneladas em 2010 para até 4 milhões de toneladas em 2030, por enquanto o lítio ainda é comercializado como um produto químico especializado, em vez de uma commodity importante. Isso torna mais difícil definir ou manipular um preço padronizado. Em segundo lugar, a janela na qual a América Latina pode exercer influência significativa no mercado global de lítio pode estar se fechando. Embora a região represente um terço da produção global em 2022, espera-se que essa participação diminua nas próximas décadas.”

Possuir reservas gigantescas de lítio é uma coisa; extrair e refinar esse lítio é outra. Onde entra a mão do Estado, os recursos tendem a diminuir. Como disse Daniel Jimenez, ex-executivo da empresa chilena SQM e atual consultor da iLiMarkets: “Nessas condições, não acho que nenhuma empresa sensata colocará seu próprio dinheiro em tal exploração”. Querendo o monopólio estatal, o regime esquerdista chileno pode ter dado um empurrão na indústria de refino do lítio — na Austrália e na Argentina, que, segundo a agência Reuters, não impuseram tantas regulações à sua própria produção. 

O peso da China
Temos outro problema sério. A China comanda os mercados de processamento e refino desses minerais e controla cerca de 77% da capacidade mundial de fabricação de baterias para veículos elétricos.
Para evitar essa perigosa dependência da China, o governo norte-americano criou o Mineral Security Partnership (“Parceria de Segurança Mineral”), em parceria com governos de países aliados, como Austrália, Canadá, Finlândia, França, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, Suécia e Reino Unido. O Brasil não está na lista. O acordo para manter abertas as cadeias de suprimentos inclui outros minerais críticos, como cobalto, níquel, gálio e 17 minerais raros.Mina de extração de lítio na China | Foto: Reprodução/Xinhua

Cullen Hendrix, da Escola de Estudos Internacionais Korbel, da Universidade de Denver, escreveu para a Foreing Policy, em novembro do ano passado, que os chineses estão em “posições de liderança na refinação e na fundição global de alumínio (66,6% da capacidade global), refino de lítio e cobalto (80% e 66%, respectivamente) e produção e refino de grafite (cerca de 80%)”.

O mundo vai se render à China? Essa situação vai levar a conflito internacional, como nos tempos de Vasco da Gama? Cullen Hendrix, em seu artigo para a Foreing Policy, aponta três razões para otimismo; e outras três para pessimismo. 
Fontes de energia renováveis não consomem minerais em base constante. Eles não precisam ser alimentados desses minerais raros o tempo todo, como um navio precisa de óleo diesel sem parar. Fica mais difícil que países produtores usem de chantagem, como os árabes, no embargo de petróleo de 1973, ou como a Rússia usou seu gás para tentar subjugar a Europa na invasão da Ucrânia.
Minerais críticos não estão em poder de estatais tanto quanto o petróleo. De 66% a 80% das reservas de gás e petróleo são controladas por empresas estatais. Em contraste, todos os seis maiores produtores de lítio (representando dois terços do mercado global) são empresas privadas. Metade dos maiores produtores de cobalto está em mãos da iniciativa privada. Isso impede que se tornem instrumentos nas mãos de ditadores.
A maioria dos minerais críticos pode ser reciclada. Óleo diesel queima para sempre. O cobre (por exemplo) pode ser reciclado indefinidamente, sem perda de funcionalidade.
No lado mais negativo da questão, tanto os EUA quanto a China dependem de matérias-primas que não estão em seus territórios. Isso pode levar a agravamentos de conflitos por fornecedores, especialmente na África e na América Latina.
O mercado de minerais críticos é muito pequeno, o que o torna, segundo Hendrix, muito mais vulnerável a manipulações estratégicas. A soma total de exportação de cobalto em 2020 foi menos de US$ 5 bilhões. Para efeito de comparação, só a Apple teve um lucro de mais de US$ 90 bilhões em 2022. Os preços do níquel na Bolsa de Londres, por exemplo, dobraram temporariamente em março, por manipulação de mercado.
Minerais críticos estão concentrados em poucos países, geralmente governados por ditaduras brutais e instáveis. O Congo tem 60% da produção global de cobalto. Outro país africano, a Guiné, com apenas 14 milhões de habitantes, tem um quarto das reservas globais de bauxita e metade das exportações. Essa situação torna esses países vulneráveis a influências externas. A China está cada vez mais presente na África, reciclando velhas práticas colonialistas de influência e dominação. A Rússia usa a brutalidade do grupo de mercenários Wagner para ampliar sua influência em países miseráveis da África.Produção de baterias de lítio para carros elétricos | Foto: Shutterstock
 
Remédios psiquiátricos, graxas e usinas nucleares
A fama do lítio está ligada a baterias, como as que movimentam os carros elétricos. Mas o mineral tem muitos outros usos:
- os sais de lítio produzem graxas lubrificantes de alta qualidade;
- o óxido de lítio melhora as propriedades de vidros e cerâmicas, usados desde fogões elétricos até telescópios;
- o lítio é usado em remédios psiquiátricos, para controlar oscilações no humor, transtornos bipolares e depressão;
- é utilizado na metalurgia, para aperfeiçoar ligas como alumínio e cobre;
pela sua capacidade de absorver nêutrons, é usado na blindagem de reatores nucleares, além de combustível para reatores de fusão;
- usado em fogos de artifício;
- o lítio possibilita a fabricação de ligas leves para a indústria aeronáutica, em combinação com o alumínio;
- o hidróxido de lítio é usado no tratamento de água, controlando sua alcalinidade e acidez;
- o brometo de lítio é usado em sistemas de ar-condicionado.

Segundo o USGS (Serviço Geológico dos Estados Unidos), a Bolívia tem as maiores reservas de lítio do mundo, com 21 milhões de toneladas métricas. Logo abaixo vêm Argentina (com 20 milhões), EUA (12 milhões), Chile (11 milhões), Austrália (7,9 milhões) e China (6,8 milhões). Segundo esse levantamento, o Brasil está em 16°, com 730 mil toneladas métricas. O Serviço Geológico do Brasil aposta que, se continuar no atual caminho, o país pode chegar a produzir 5% do mercado mundial nos próximos dez anos. Atualmente, nossa participação é de 1,5%.

Calcula-se que a liberação da produção, através do Decreto 11.120, tenha o potencial de viabilizar mais de R$ 15 bilhões em investimentos até 2030, segundo a revista Forbes. Outras empresas estão presentes no mercado, como a nacional Companhia Brasileira de Lítio e a norte-americana Atlas Lithium Corporation.

Não há tempo a perder com retrocessos
. Baterias de lítio podem ser superadas num futuro razoavelmente próximo por baterias de sódio — e a China está muito à frente nas pesquisas nesse sentido
Baterias de sódio são basicamente alimentadas de sal, um dos elementos mais abundantes da natureza. Poderão custar, segundo reportagem do New York Times, de 1% a 3% do preço do lítio. Ou o Brasil aproveita a atual onda do lítio, ou poderá ficar para trás antes mesmo de ter ido para a frente.Ilustração: Shutterstock

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