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terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Se a Venezuela invadir a Guiana, será o último ato de Maduro - Gazeta do Povo

Filipe Figueiredo - VOZES

Guerra aqui do lado?

Guayana Esequiba, território reivindicado pelo Império Espanhol e depois pela Venezuela independente.

Guayana Esequiba, território reivindicado pelo Império Espanhol e depois pela Venezuela independente.| Foto: Kmusser & Kordas/Creative Commons
 
 Maduro conseguiu uma distração para a população venezuelana. No último domingo, o governo da Venezuela realizou um referendo com cinco perguntas referentes à questão da Guiana Essequiba. 
 As cinco perguntas feitas representam uma suposta vitória do governo Nicolás Maduro, mas os cálculos políticos envolvidos são mais complexos e suspeitos do que as perguntas de um referendo.

Como nunca falamos especificamente da questão de Guiana Essequiba aqui em nosso espaço, cabe uma recapitulação. Trata-se de cerca de 160 mil quilômetros quadrados, algo como dois terços do território da atual Guiana, ex-colônia britânica, fronteiriça com a Venezuela, que reivindica o território. A divergência fronteiriça antecede a própria Venezuela, remetendo ao período das Guerras Napoleônicas.

História, ouro e petróleo
No século XIX a disputa entre a Venezuela independente e o Reino Unido continuou. Claro que a disputa era limitada pela discrepância de forças. O Reino Unido era uma das principais potências do mundo e constituiu o maior império não-contínuo da História, governando cerca de um quarto de toda a terra seca do planeta. 
A Venezuela não podia fazer frente, seja no poder militar, no poder político ou na economia.

Quatro datas são importantes nessa recapitulação histórica. Em 1876 tivemos a primeira descoberta de ouro na região. Em 1899, uma arbitragem europeia, apoiada pelos EUA, deu ganho de causa integral aos britânicos, motivo de suspeições e críticas até hoje. Em 1966, em Genebra, foi assinado um novo acordo, entre Reino Unido e Venezuela, em que os britânicos concordavam em negociar a fronteira.

O acordo, na prática, não decidiu nada, foi mais um dos vários “acordos para chegar em um acordo” na História, mas, para os venezuelanos, significou que os britânicos reconheceram a fronteira de 1899 como nula, posição não aceita pela Guiana, que se tornou independente em 1966. Finalmente, em 2015, foram descobertos novos e vastos campos de petróleo na área marítima de Guiana Essequiba.

Ou seja, longe de ser um território economicamente desprezível, trata-se de um lugar rico em ouro, cassiterita, petróleo e gás natural em suas águas. Desde a década de 1960 o território também serve como grande espantalho patriótico da Venezuela. Quando o governo de ocasião está mal, brada pela Guiana Essequiba e cria uma distração para a população, tal qual a Argentina fez e faz com as Malvinas.

Referendo
O referendo realizado no último domingo é um ótimo exemplo disso
. Maduro, inclusive, ensinou em rede nacional como votar no “sim”. Note o leitor que não foi ensinado como seria realizada a votação, mas como votar na posição do governo. Não é sequer a primeira vez que Maduro faz isso, tendo ordenado exercícios militares na fronteira com Guiana no ano passado e em 2018.

As cinco perguntas, na ordem, rejeitam a arbitragem de 1899, reforçam o acordo de 1966, rejeitam a jurisdição da Corte Internacional de Justiça, rejeitam a suposta “disposição unilateral” dos limites marítimos pela Guiana e criam o “estado de Guayana Esequiba”, com um “plano acelerado de atendimento integral à população”, incluindo a concessão de cidadania e de documentos venezuelanos.

As duas primeiras perguntas já foram explicadas. A terceira pergunta, ao rejeitar a jurisdição da CIJ, na prática, rejeita a possibilidade de uma nova arbitragem internacional e força uma negociação direta entre Venezuela e Guiana. Agora, é a Venezuela que é o país mais forte da conversa. Já a última pergunta aplica o manual russo implementado na anexação da Crimeia em 2014 e dos quatro oblasts ucranianos em 2022.

Segundo o governo venezuelano, tivemos “dez milhões de votos”, com cerca de 95% de aprovação em cada pergunta. Esse número, caso seja de eleitores, corresponde à metade do eleitorado venezuelano, embora, por exemplo, nas eleições parlamentares de 2020, apenas 30% dos eleitores compareceram. Mesmo os números oficiais são questionados nos últimos pleitos venezuelanos.

A questão é que pode existir uma maquiagem contábil aqui. Os “dez milhões de votos” corresponderiam a pouco mais de dois milhões de eleitores.  
Como cada um respondeu cinco perguntas, seriam dez milhões de votos. Ou seja, o comparecimento eleitoral seria de risíveis 10% do universo total. O fato é que essa vitória, independente dos números oficiais, será vendida por Maduro como um respaldo popular para as ações venezuelanas.


Diplomacia ou ação militar
Temos dois caminhos principais aqui. O primeiro
é o da negociação por vias diplomáticas. Nesse caso, pesa contra a Venezuela o fato de o atual governo não ser exatamente prolífico em amigos, além de a Guiana considerar o tema como encerrado. No caso de uma solução negociada, o Brasil pode, e precisa, desempenhar papel importante, por ser uma crise também em suas fronteiras.

Outro caminho é o da ação militar. A Guiana não dispõe de forças armadas propriamente ditas, mas de um exército com menos de cinco mil militares, um componente aéreo com alguns aviões de transporte e uma guarda costeira com algumas lanchas obsoletas. 
A Venezuela, mesmo em crise econômica, dispõe de recursos militares vastamente superiores e teria uma vitória fácil.

Fácil como a do Iraque sobre o Kuwait em 1990. E o exemplo histórico não é aleatório. A comunidade internacional foi rápida em condenar as ações iraquianas como uma guerra de agressão ilegal e uma força internacional, liderada pelos EUA e custeada principalmente pelos sauditas, derrotou o Iraque em alguns meses. Naquele período, as forças armadas iraquianas eram das mais formidáveis do mundo.

Se a Venezuela invadir a Guiana, a possibilidade de um porta-aviões dos EUA na costa venezuelana em questão de semanas é enorme. Além de ser uma hipotética guerra de agressão, a Guiana possui um grande aliado nessa crise: o fato de suas reservas de petróleo e gás já estarem sendo exploradas por empresas estrangeiras, especialmente a gigantesca Exxon Mobil dos EUA.


Manobra política
O governo Maduro pode estar recebendo mensagens incentivadoras de potências interessadas em um conflito na vizinhança dos EUA, mas essas potências, mesmo podendo exercer seu veto no Conselho de Segurança da ONU, pouco poderiam fazer para socorrer na prática os venezuelanos. E a Venezuela não teria como resistir longamente contra uma ação militar dos EUA, a verdade é essa.

Como já explicamos aqui, Maduro depende dos militares para se manter no poder. Ou seja, uma guerra não depende apenas dele. Uma guerra também seria uma tragédia para o Brasil, pois poderia abrir caminho para maior presença militar estrangeira na Amazônia. Também geraria um fluxo de refugiados considerável. Ou seja, é evidente que é do interesse do Brasil evitar uma guerra ali.

Até o momento, as ações diplomáticas brasileiras estão conseguindo algum efeito. Finalmente, existe outro aspecto, apontado tanto pela direita venezuelana quanto pelo Partido Comunista do país: Maduro, além de repetir o roteiro de usar uma grande distração patriótica, pode estar gestando uma crise intencional que justifique a suspensão ou adiamento das próximas eleições.

Por exemplo, em caso de Estado de Defesa, pela lei venezuelana, citada pelos atores políticos locais, a eleição seria suspensa. Novamente, isso não é uma invenção de Maduro, sequer da Venezuela, mas tudo pode não passar de alarmismo para justificar uma ação política interna. No fundo, Maduro sabe que invadir a Guiana seria o fim da causa de Essequiba. E o fim de seu governo.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise


Filipe Figueiredo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Quem atribui ativismo ao STF não gosta da decisão, da Constituição ou até da democracia, diz Barroso

O Estado de S. Paulo - Blog do Fausto Macedo

Em evento promovido pelo Estadão e a Universidade Mackenzie nesta segunda, 13, presidente do Supremo diz que o centro ‘precisa recuperar o pensamento conservador que foi capturado pela extrema direita’

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou na manhã desta segunda-feira, 13, que a Corte máxima foi um ‘dique relevante contra avanço do autoritarismo’, rebatendo alegações de ativismo judicial por parte da Corte. “Com frequência as pessoas chamam de ativistas as decisões que elas não gostam, mas geralmente o que elas não gostam mesmo é da Constituição ou eventualmente de democracia”, alertou.

O magistrado ainda rechaçou ataques ao Tribunal e deu o recado a parlamentares de que mexer no STF ‘não parece ser um capítulo prioritário das mudanças que o País precisa’. “A democracia e a Constituição ao longo dos 35 anos têm resistido a tempestades diversas, que foram dos escândalos de corrupção às ameaças mais recentes de golpe. A Constituição e a democracia conseguiram resistir e a resposta é afirmativa: quem é o guardião da Constituição? O STF. Então é sinal que ele tem cumprido bem seu papel e o resto é varejo político”, declarou Barroso.[pretende o ministro Barroso pautar o Poder Legislativo? ou aplicar seu entendimento de que "O nosso papel é empurrar a história"  - Migalhas ?]

O presidente do Supremo participa do seminário ‘O Papel do Supremo nas democracias’, promovido pelo Estadão e a Universidade Presbiteriana Mackenzie. Barroso ainda vai falar sobre a pressão contra a Corte e as potenciais retaliações de outros Poderes ante as decisões do Tribunal.

Em sua exposição, o ministro narrou como o Supremo ‘impediu retrocessos diversos’ ao elencar como o populismo autoritário se manifestou no País. Barroso citou por exemplo, o ‘negacionismo ambiental’, com o desmonte de órgãos de proteção, e o ‘negacionismo da gravidade da pandemia’. “Poucos países erraram tanto no tratamento da covid como no caso brasileiro, com o atraso da vacina e a campanha contra o distanciamento e uso de máscaras”, refletiu em alusão ao governo Jair Bolsonaro.

O ministro também apontou como a Corte combateu o ‘aparelhamento das instituições de Estado’ e enfrentou ‘ataques extremamente virulentos’.

“Pedido de impeachment por atos jurisdicionais, ameaças de descumprimento de decisões, desfile de tanques na praça dos três poderes, tentativa de volta do voto impresso, alegações falsas de fraude eleitoral, não reconhecimento da vitória, recusa em passar a faixa presidencial, articulação de golpe militar - tabajaras ou não, mas até com decreto - tolerância com acampamentos golpistas e invasão da sede dos três Poderes da República”, elencou.

‘Centro precisa recuperar o pensamento conservador da extrema direita’
Segundo o presidente do STF, democracias em todo mundo sofreram ameaças do populismo autoritário. Na avaliação de Barroso, parte do pensamento conservador no mundo foi capturado pela extrema direita, ‘com discurso de intolerância, misógino, homofóbico e antiambientalista’, sendo necessário que o centro ‘recupere esse espaço e essas pessoas’.

Ativismo
Já ao rebater as alegações de ativismo judicial no Supremo,
Barroso apontou ‘percepção popular equivocada’. O magistrado ponderou que o protagonismo do STF é fruto de um ‘desenho institucional’ e indicou que a visibilidade sujeita a Corte à críticas porque ‘sempre há alguém contrariado com as decisões’.
 
Veja o desmonte promovido por Rodrigo Constantino na fala do supremo ministro

Blog do Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo

 

quarta-feira, 8 de março de 2023

Zanin, se for mesmo nomeado, será uma mancha eterna na história do Supremo - O Estado de S. Paulo

 J. R. Guzzo

Lula cismou que seu advogado tem de ir para o STF; é a confusão definitiva entre questão pública e capricho pessoal, é a vingança do condenado 

O presidente Lula está armando o que pode vir a ser o maior escândalo em toda a história do Poder Judiciário do Brasil a nomeação do seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, para um dos lugares a serem abertos no Supremo Tribunal Federal
Ele ficaria lá até 2051, quando fará 75 anos e seria obrigado a se aposentar. 
Serão quase 30 anos como ministro do Supremo; Zanin, hoje, tem 47. Jamais, em qualquer ponto da existência do País, um presidente da República chegou a esse ponto de degeneração ao tomar uma decisão de governo
Na verdade, não há nenhum país sério em todo o mundo em que o chefe da Nação se rebaixe a fazer o que Lula, segundo o noticiário, está querendo – colocar na principal Corte de Justiça do Brasil um empregado que cuida dos seus interesses materiais e cuja independência em relação ao governo será igual a três vezes zero.
 
Por sua conduta prática, pelo que diz em público e pelas decisões que tem tomado, Lula mostrou nos últimos dois meses que tem tudo para fazer um governo de calamidades, o pior que o País já teve – sim, pior até do que o de Dilma Rousseff. 
Com essa história de Zanin, porém, ele vai além. 
Prova, aí, que está perdendo o controle sobre si mesmo e sobre as obrigações do seu cargo; mergulhou naquela zona mental sinistra onde os controles morais desaparecem e o indivíduo começa a ter certeza de que nada do que ele queira, absolutamente nada, pode lhe ser negado. 
O mundo exterior deixa de existir. 
Não há mais qualquer respeito pela opinião, pelos argumentos ou pela inteligência de ninguém.

Não há, para Lula, nada que esteja fora dele e mereça a mínima consideração. Não entende que seu cargo envolva deveres – só tem desejos. 
Ele cismou, agora, que o seu advogado tem de ir para o STF; lá, naturalmente, deve continuar lhe prestando obediência.  
É a confusão definitiva entre questão pública e capricho pessoal. 
Ninguém faz uma insensatez dessas, salvo, talvez, em alguma republiqueta bananeira de terceira categoria.
 
Lula não precisa de mais um serviçal no STF; já tem, ali, todo o apoio que um político pode desejar e a certeza de que nos próximos cem anos a “Corte Suprema” não mexerá uma palha contra ele, faça o que fizer, ou contra qualquer figura do seu entorno. 
Seus riscos jurídicos, hoje, são nulos. Mas ele quer Zanin no STF; é a necessidade de humilhar a sociedade brasileira – que humilhação pode ser maior do que ter seu advogado particular como ministro do STF? É, também, a obsessão de provar que sua vontade está acima de tudo. É, enfim, a vingança do condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele está dizendo: “Vocês me puseram na cadeia. Agora, vão ter de engolir o meu advogado no tribunal de Justiça mais importante do País”.
 
Uma das duas nulidades que estão no STF exercendo as funções de “mulher” disse, na ânsia de agradar a Lula, que a nomeação de um ministro obviamente subordinado ao presidente da República é “normal”. Normal, com certeza, para este Supremo que tirou Lula da prisão e lhe entregou a Presidência;  
normal para quem vive de aberrações, viola a Constituição o tempo todo e dirige um regime de exceção
Mas é o que pode haver de mais anormal em qualquer sistema de Justiça que se dá o mínimo respeito. 
Havia muita preocupação, até há pouco, com “a imagem do Brasil no exterior”; a dignidade do País estaria sendo destruída pelo governo anterior.  
E agora, como fica essa imagem? Quem, em qualquer democracia do primeiro mundo, vai achar “normal” um despropósito como esse? 
Zanin, se for mesmo nomeado, será uma mancha eterna na história do STF.
 
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S.Paulo 


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

A pátria - Gustavo Corção

 A idéia de pátria e a correlata de patriotismo vêm sendo sabotadas, há séculos, pelas correntes históricas que nas últimas décadas formam o enorme estuário de equívocos que constituem o néctar, o uísque escocês dos “intelectuais” das chamadas esquerdas. A corrente anarco-socialista, bem como a marxista, sempre anunciaram em canto e prosa a Internacional, sem nunca suspeitarem que deste modo pretendiam combater uma exigência da alma humana tão profunda como a de querer constituir família.

À primeira vista, e numa análise sem vigor, parece que o amor da pátria exclui o resto da humanidade e assim se opõe ao mandamento de Deus. Na verdade, todo amor exclusivo será egoísta e defeituoso, já que o próprio do amor, ainda que inclua as mais densas dileções, é ser difusivo. E se não for difusivo não é amor; será quando muito egoísmo ou amor próprio. 

Vejamos como se entende, dentro do imperativo de universalidade, o bom fundamento do amor da Pátria. É sabido que nenhum homem esgota em sua vida e com suas aptidões todas as virtualidades da alma humana. Para bem manifestar toda a grandeza e toda a beleza da alma humana, em todas as suas possibilidades, foi preciso que os homens se multiplicassem e se diversificassem. A perfeição do homem se vê na humanidade desdobrada. Mas não basta essa multiplicação. 
Para bem exibir diante do universo e das galerias angélicas toda a riqueza do animal-racional, ou da alma feita à imagem e semelhança de Deus, foi preciso ainda recorrer ao curso da história e ao contraponto das civilizações. 
E além dos desdobramentos e dos alongamentos individuais, foi preciso diferenciar os agrupamentos humanos em tipo, com línguas, costumes e cultura diversificados.

E este é o fundamento natural da pátria.

Faz parte da grande e inebriante aventura humana esse tipo de experiência que consiste em viver, num dado território e ao longo de uma história, uma vocação comum, uma cultura comum, que se exprime não apenas pela língua comum mas por todo o jogo de símbolos, de significações multiplicadas que resultam das alegrias comuns e dos sofrimentos comuns expressos na profundidade das almas por sinais comuns.

Quando eu penso com simplicidade no objeto do amor pátrio, eu penso numa grande comunidade que acabou de chegar na ponta de uma grande história e que acampou, se instalou numa imensa geografia. Tudo isso me envolve numa cercadura enorme, e tudo isso nos diz que somos portadores duma vocação, de uma parte, de uma tarefa na grande aventura humana. Toda essa cercadura, esse envoltório humano, cultural, sociológico, histórico, geográfico é um campo de forças que nos penetra, e que se cruza dentro de nós, e nos faz o que somos, o que sentimos e amamos. Curioso processo psicológico que sempre se repete para as coisas mais amplas e mais próximas. 
Nossos envoltórios, a família, o bairro, a pátria, são obras emanadas de nossas almas, e são elas que refluem e modelam nossas almas. Há por fora de nós um enorme Brasil exterior; há dentro de nós um Brasil interior de sentimentos e de virtudes que devem ser cultivadas e apuradas para que o Brasil exterior seja melhor e mais Brasil, e mais e melhor para formar as almas de seus filhos.

Precisamos cultivar essa piedade, esse respeito pelo grande quinhão que nos coube na prodigiosa aventura do gênero humano, não para nos excluirmos e nos fecharmos, mas para que nosso amor pátrio seja difusivo e se transforme em amor universal. Precisamos sentir e agir como se o mapa-mundi a cosmografia e a história fossem inconcebíveis sem a nossa presença.

Não há nenhum espasmo de eloqüência convencional nem sombra de orgulho nesse reconhecimento de nosso valor: haverá até um ato de humildade acompanhado de um sentimento de responsabilidade. Aprendi essa lição do valor de cada ser dentro da Criação com um pobre cego, a quem uma senhora bondosa queria confortar e de quem lamentava a triste sorte. Agradecendo a bondade, o ceguinho confortou-a com estas palavras:

Sem eu o mundo não estaria completo. Faltaria minha cegueira...

Tudo tem valor. Que valor tremendo, terrível, não terá essa comunidade pátria? Que aleijão enorme faria no mundo a falta desse jeitão coletivo, nosso, meu, seu, vosso, que chamamos Brasil! Esse modo de sermos, de falarmos, de sentirmos, essa esparsa alma comum: Brasil.

E para não desmerecermos em tal tarefa (a de completar o universo!) precisamos friccionar nossos sentimentos e nossas virtudes, e para isto precisamos de comemorações, de sinais e símbolos já que nesta vida terrena, como disse o apóstolo Paulo, vivemos entre sinais e enigmas. Daí a utilidade das bandeiras, dos hinos e das festividades cívicas que todos os povos normais sempre amaram. Mas a necessidade mais imperiosa e contínua que decorre da consciência patriótica é a do serviço prestado no dia a dia da vida profissional. Festejemos os dias da pátria, mas essas festividades seriam vazias e até falsas se não fossem sinais do desejo de servi-la.

E peçamos a Nossa Senhora da Aparecida, à onipotência suplicante da Mãe de Deus, que nos proteja sempre como recentemente nos protegeu.

**     Reproduzido de https://permanencia.org.br/drupal/node/450

*       Este artigo foi publicado durante a semana da Pátria, em “O Globo”, de 05/09/1970.


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

COMPRADOS ou VENDIDOS - Sérgio Alves de Oliveira

Parece que a meta da esquerda de "tomar-o-poder" e aí ficar por tempo indefinido, preferencialmente "perpétuo", reservou os últimos dias da sua campanha eleitoral para voltar à Presidência da República na eleição de outubro de 2022 para mexer no bolso da sua "poupança""injetar" na "economia" de gente necessitada e predisposta a ser "comprada" boa fatia dos 10 trilhões de reais roubados do erário enquanto governou ,de 2003 a 2016. [oportuno lembrar o tomar-o-poder é fruto da recomendação do ministro que empurrar a história; foi ele que declarou em vídeo que 'eleição não se ganha se toma'. Só que o perda total já perdeu.
Quanto aos apoios alguns são de pessoas que tiveram, ou julgaram ter, alguma importância, muitos aposentaram e foram esquecidos = alguns cogitaram em 2018 de ser presidente da República e de lá para cá, não são chamados nem para ser candidato a subsíndico do Condomínio onde residem.
O ostracismo dói, machuca, deprime - especialmente para os que pensavam ser insubstituíveis.]

Não pode ter outra explicação os apoios explícitos recebidos por Lula da Silva e pelo PT nos últimos dias antes das eleições, obtidos de gente relativamente prestigiada no  passado, e que estarão  sendo jogados intensivamente na propaganda eleitoral gratuita até a eleição.
 
Não sei até que ponto seria verdade que "todos têm o seu preço",e que quanto maior for esse preço oferecido, mais facilitada será a "compra". E na verdade não deve estar faltando dinheiro ao PT para comprar importantes apoios de última hora. E nem "necessitados". Mesmo porque teria sido impossível gastar tanto dinheiro desviado em tão pouco tempo. E não haveria melhor investimento de parte dessa "poupança" roubada  do erário que não uma nova eleição.  E mais tempo de "governo" !!!
O PT cavou do  "fundo-do-baú" certos apoios até conflitantes com represálias que há não muito tempo atrás recebeu desses surpreendentes  "apoiadores",alguns dos quais chegando ao extremo de gravar vídeos de apoio a Lula. Quanto teria custado ao PT cada vídeo desses? 

Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo

 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Bolsonaro diz que 'a história pode se repetir' ao mencionar anos de crises políticas e golpe - O Globo

Seguramente passamos por momentos difíceis, a história nos mostra. 22, 35, 64, 16 e 18. Agora em 22. A história pode repetir. O bem sempre venceu o mal. Estamos aqui porque acreditamos no nosso povo e o nosso povo acredita em Deus. [em um discurso no dia em que um fato histórico é comemorado, é normal que datas históricas sejam citadas; com certeza,  citar que a história pode se repetir é uma referência a que vai ganhar mais uma eleição = sua reeleição no inicio de outubro próximo.]

A primeira data citada por Bolsonaro envolveu uma das eleições mais conturbadas do início do período republicano. Na eleição vencida pelo mineiro Arthur Bernardes, adversários políticos divulgaram cartas falsamente atribuídas ao candidato, insuflaram o Exército contra ele e até tentaram impedir a sua posse, segundo informações do arquivo do Senado. A crise desencadeou um movimento de militares contra a posse de Bernardes, que teve como marco mais famoso o levante da Revolta dos 18 do Forte, no Rio de Janeiro, em julho de 1922, mas não teve sucesso.

Já a crise de 1935 envolveu um levante de tropas militares em Natal, Recife e Rio de Janeiro, com a participação de oficiais ligados ao antigo Partido Comunista, contra o governo do presidente Getúlio Vargas. Chegaram a instalar por alguns dias um governo provisório no Rio Grande do Norte. O episódio ficou conhecido como a Intentona de 1935 e desencadeou uma repressão de Vargas aos comunistas.[militares foram assassinados por comunistas, enquanto dormiam = INTENTONA COMUNISTA – Lembrai-vos de 35.]

Em 1964, também citado por Bolsonaro, um golpe militar articulado pelo alto escalão do Exército derrubou o presidente João Goulart e deu início a uma ditadura militar que durou até 1985, marcada pela repressão a opositores, tortura e assassinatos.

Já o ano de 2016 foi marcado pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, enquanto 2018 foi o ano no qual Bolsonaro se elegeu [pela primeira vez, situação que, com às bênçãos de DEUS, se repetirá este ano.] ao posto de presidente da República.

Política - O Globo


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A estudante e a "prova laica" - Percival Puggina

Transformando suas aulas em verdadeiros ritos sacrificiais, certos professores imolam a política, a filosofia e a história com o objetivo final de apequenar as mentes e conquistar os corações dos alunos para “a causa”.
Exagero? Infelizmente não. 
A Educação em geral e as universidades em particular são um cacife político importantíssimo, no Brasil como em Cuba.
Quantos atos de formatura dão prova pública do que afirmo? Estes tempos de covid-19, suspenderam tais solenidades. No entanto, até 2019, como legado dos anos de hegemonia revolucionária, formaturas foram virando comícios políticos. Os convidados, engravatados por respeito ao ato solene, enfrentavam o calor do verão em homenagem a formandos que aproveitavam o público para desabafarem suas animosidades políticas. Era festejado como triunfo o que deveria ser interpretado como confissão de culpa do sistema e expressão ruidosa da obstinada imposição de silêncio à divergência. O pluralismo e a universalidade deixaram de ser inerentes a muito ambiente acadêmico.
         
A dita “defesa da autonomia” deve ser entendida, principalmente, como defesa da hegemonia. Para isso, mobilizam-se as universidades federais com o intuito de impedir que o presidente da República exerça prerrogativa a ele conferida pela lei e escolha, de listas tríplices, os nomes de sua preferência. Preservação da autonomia? Não, mecanismo de autoproteção porque é ali, como bem observou José Dirceu, que se conquistam os corações e as mentes.
***
Apenas portais e sites católicos noticiaram o fato que dá título a este artigo. Uma estudante foi obrigada pela fiscal do ENEM a retirar o escapulário e uma dezena do rosário que trazia ao pulso como condição para poder participar da prova. 
Alegação lacradora: “A prova é laica!”. Li a notícia no excelente Tribuna Diária, acrescida da informação: “A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público acionou o MP/SP para que instaure representação por crime de preconceito religioso, etc.”. 
 
Pois foi exatamente sobre esse tipo de objetivo político/ideológico que escrevi o artigo “Sem virtudes, sem valores e sem vergonha”(1). 
Para arrastar a sociedade de um país essencialmente cristão na direção de um regime totalitário é necessário investir contra o cristianismo presente no espaço público, em nome da laicidade do Estado. Por quê? Porque convence as pessoas de que a fé é inerente ao indivíduo e tem dimensão privada, incompatível com o Estado e os espaços públicos. Na sequência, facilitado por esse “entendimento”, ganham caráter relativo e subjetivo também os princípios e valores correspondentes a essa fé, que perderiam, assim, o direito de se manifestar publica ou politicamente.
        
Como consequência, questões envolvendo princípios e valores morais se tornam prerrogativa do Estado (confiram com as falas de ministros do STF). Tal receita nos leva em marcha batida à perda das liberdades e ao totalitarismo. 
Ele já se expressa, entre nós, na rejeição ao Direito Natural e no silêncio imposto a Aristóteles, Tomas de Aquino, Francisco Suárez e a tantos filósofos conservadores e liberais contemporâneos. A toda divergência, enfim.
É o laicismo assumindo-se como artefato bélico da revolução cultural, cujo objetivo é bem conhecido. 
Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de puggina.org
 
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
 

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Com Toffoli e Bolsonaro, STF foi picadeiro de ato mais patético da história - Reinaldo Azevedo

Coluna no UOL 

Tem gato na tuba. Engula quem quiser a história de que Dias Toffoli, presidente do Supremo, foi surpreendido por Jair Bolsonaro. Se foi, que emita, então, uma nota de protesto por ter sido submetido ao ridículo ele e o tribunal que preside. Ele e o tribunal que representa.  O STF não é um puxadinho do Palácio do Planalto. A ser verdade a versão que circula por aí — segundo a qual o ministro não estava no prédio, dirigindo-se para o local porque receberia a visita de Bolsonaro —, em nada fica melhor o retrato do presidente do Supremo. Como, segundo essa narrativa, não havia encontro nenhum agendado, cabia a Toffoli indagar, e eles têm intimidade para isto, qual era a agenda. Afinal, o presidente queria falar sobre o quê?

"Ah, estou aqui com um grupo de empresários e quero levá-los aí... " De novo: "Para quê, Jair (suponho que se tratem pelo prenome)?" E então, com honestidade mínima, Bolsonaro lhe diria que eles iriam pedir a abertura imediata da economia, quando as mortes alcançaram o patamar de 600 ocorrências por dia, com o colapso chegando ou já tendo chegado a várias capitais. No Rio, a fila de espera para leitos de UTI chega perto de 500 pessoas.  Se Toffoli foi mesmo engando por Bolsonaro e não sabia que estava participando de uma "live" para suas milícias digitais, que esclareça, então, em nota, lamentando o fato de ter caído numa espécie de cilada.

Não se falou sobre vítimas da doença no encontro. Os mortos foram um tema ausente. Quando se recorria à expressão "UTI", tratava-se de uma metáfora para aludir à economia. Isso, reitero, quando estamos no patamar das 600 ocorrências fatais por dia. Raramente senti tanta vergonha de ser brasileiro. Ou, por outra, de saber que compatriotas meus são capazes de fazer discurso tão pusilânime.

O encontro ocorre um dia depois de o próprio ministro da Saúde, Nelson Teich, ter admitido que, em certos lugares do país, será preciso recorrer mesmo ao lockdown, o que já acontece em São Luís, Belém e áreas próximas. Muitas pessoas estão morrendo em casa. As evidências de subnotificação nos envergonham. Ninguém pode estar contente com a situação, mas, então, que apresentem uma alternativa que não seja sinônimo de mandar milhares de pobres e pretos para as covas coletivas, em caixões empilhados.

Bolsonaro é, sim, um líder muito mais influente do que gostamos de admitir. É ele a matriz desse comportamento e desse sentimento que dá de ombros para a tragédia, transformando a morte em mero dano colateral do tal "funcionamento da economia", como se fôssemos obrigados a escolher entre uma coisa e outra. Tivesse havido o isolamento social na proporção adequada, e talvez estivéssemos mais prontos para sair dele.

É impressionante que um presidente do Supremo receba um presidente que não tem proposta nenhuma, que não respeita nem mesmo as orientações de um ministro da Saúde que foi escolhido a dedo para chegar lá e dizer: "O diabo não é tão feio como se pinta". Mas não há como o catatônico Teich fazer essa afirmação porque sua carreira ainda não acabou. Será desmoralizado pelos números. E ele terá de trabalhar depois do fim do governo. Ainda que seja hoje mais empresário do que médico, sobraram resquícios de sua ética profissional.

Se a alguns a resposta de Toffoli ao presidente pareceu dura, é puro erro de interpretação. O que se viu foi a ressuscitação do tal "Pacto entre os Poderes", coisa que, até agora, não sei o que significa e que, por óbvio, ninguém jamais saberá. A menos que alguém se apresente para esse tipo de encontro garantindo que, por algum tempo, vamos ignorar a lei em favor daquilo que o Poder Executivo, ou outro ente qualquer, considera eficiência.

Essa ida destrambelhada de Bolsonaro ao Supremo, naquela Marcha dos Mascarados, é das coisas mais patéticas, quem sabe a mais, de que eu e qualquer um temos memória pessoal e histórica. 

(.....)

E a culpa pelas iniquidades, claro!, é do isolamento social.

Reinaldo Azevedo, jornalista - Blog UOL


terça-feira, 4 de abril de 2017

1º dia do resto da história do país; julgamento deve ser suspenso

Julgamento no TSE começa nesta terça; é bem possível que tribunal decida conceder mais cinco dias para a defesa de Dilma

O TSE começa hoje a julgar o processo mais importante de sua história porque já cassou e absolveu prefeitos e governadores, mas é a primeira vez que um presidente pode perder o mandato em razão de uma causa que corre na corte. E isso acontecerá se uma maioria, entre os sete ministros, decidir cassar a chapa que elegeu Dilma Rousseff-Michel Temer. Como já lembrei aqui, a elegibilidade ou inelegibilidade da dupla independe da cassação. Nesse caso, será preciso ver se ambos tiveram responsabilidade pessoal no abuso de poder político e de poder econômico. É evidente que Temer não tinha como controlar o caixa do PT, certo? Sim, a coisa começa hoje, mas vai longe.

Vamos ver. A expectativa é que haja um pedido de vista já nesta terça. Tendo a achar que não vai acontecer. Creio, isto sim, é que a defesa de Dilma terá mais cinco dias. Por quê? Quem deu truque, nesse caso, é o relator Herman Benjamin. Na prática, quatro ações estão sendo julgadas numa só. Uma delas previa cinco dias de prazo para a defesa apresentar suas alegações finais. Herman decidiu dar 48 horas apenas. Entendo que isso viola o devido processo legal. Há mais: Benjamin não conseguiu as provas do que lhe disseram os delatores da Odebrecht — afinal, elas estão com Edson Fachin, em sigilo.  

Então pediu que a empresa lhe fornecesse outras. E, assim, três mil páginas chegaram às suas mãos. Ele se negou a compartilhá-las com a defesa.  Entendo que o julgamento será suspenso por pelo menos cinco dias, antes de qualquer pedido de vista, que poderá vir numa outra etapa. Se isso acontecer, só se voltará ao caso no fim de abril em razão de uma viagem do ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, ao exterior. Já estava programada havia muito tempo.

A propósito: Mendes esteve em São Paulo nesta segunda. Deu uma aula na filial paulista do IDP (Instituto de Direito Público), do qual é orientador técnico. É claro que os jornalistas decidiram lhe perguntar o que pensava de uma fala de FHC à rádio CBN. Segundo o ex-presidente, a eventual eleição indireta caso a chapa seja cassada “geraria mais confusão”. Bem, Mendes, felizmente para mim — porque ele sabe o que diz e tem a expertise —, falou rigorosamente o que sustentei aqui: se a chapa Dilma-Temer for cassada, não se trata de escolher isso ou aquilo. O mandamento constitucional é um só: eleição indireta.

Defesa de Temer
A defesa de Temer vai insistir, claro!, na separação das campanhas,
evidenciando que o agora presidente não tinha como interferir nas escolhas do PT. E também pedirá ao tribunal que desconsidere as acusações feitas por depoentes da Odebrecht. Por quê? O próprio TSE já havia decidido o escopo das ações que agora chegam a julgamento. E elas não previam, por óbvio, as delações da Odebrecht, das quais Benjamin só ficou sabendo por causa dos vazamentos ilegais.

Aí, meus caros, não tem jeito: ou se faz assim, ou um processo vira uma bolha assassina, não é? Imaginem se o relator de um caso decidir ir agregando elementos novos e convocando depoimentos a partir de vazamentos seletivos. Parece-me mais uma violação do devido processo legal. Mas vamos dar tempo ao tempo. A economia brasileira exibe alguns sinais bastante virtuosos. Há uma retomada do crescimento em curso. Os números apontam para isso. O resultado do julgamento do TSE vai definir se esse voo será interrompido, com novo mergulho na melancolia, ou se ainda podemos apostar em algum futuro.

  Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo VEJA


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Efeito da recessão

Vivemos uma queda que ainda não chegou ao fim e que muito provavelmente será a pior recessão da nossa história. 

No biênio 2015-2016, o PIB está contraindo algo em torno de 7,7%. As vendas do varejo ampliado caíram 8,6% no ano passado, segundo o IBGE divulgou ontem. 

Mesmo assim, como tudo na economia, há dois lados nesta moeda. E da forma mais amarga possível está sendo feito um ajuste.

Um dos lados é a coleção dos efeitos que se pode chamar de positivos da queda do consumo, como a redução do ritmo da inflação, o afastamento de riscos, como o apagão, e a melhora externa. Não serve de consolo. Todos os bons resultados poderiam ser conseguidos com boa administração da política econômica. A recessão é sempre um momento doloroso, mas é nela que o diretor do Banco Central Altamir Lopes se baseia para dizer que a inflação pode cair mais do que o mercado está calculando e ficar em 6,5%. Segundo ele, a recessão permitirá que a taxa de 2016 fique no teto da meta. A previsão das instituições financeiras, ouvidas pelo Boletim Focus, está acima de 7,5%.

É triste a situação de esperar que a má notícia traga a boa, mas é isso que tem acontecido. Houve uma redução forte do consumo de energia provocada pela recessão, que derrubou a produção industrial, e pelo tarifaço, que reduziu a demanda das famílias. Isso fez com que o país superasse o risco do apagão. O governo se vangloria de ter evitado o pior, mas não foi por gerenciar bem a crise. Foi decorrência da maior queda da produção industrial da série histórica e do corte no consumo familiar. O certo teria sido a presidente Dilma Rousseff admitir em 2013 que errara ao baixar a tarifa em 2012. Isso permitiria uma correção mais suave e uma adaptação ao período de baixo nível de chuvas. 

A correção foi adiada por razões eleitorais. Por isso, e só por isso, o país foi atingido pelo tarifaço de 2015. O ajuste externo também é resultado em parte do encolhimento da economia brasileira. A queda da importação é maior do que a diminuição da exportação, e o superávit comercial nasceu por disso. As importações de petróleo foram reduzidas como resultado do petróleo reequilibrando a balança setorial, que estava com um rombo explosivo.

Não precisávamos estar na situação de contar com a recessão para fazer o trabalho de reduzir um pouco a pressão inflacionária, diminuir o consumo de energia e reequilibrar as contas externas. Tudo poderia ter sido feito pela forma correta. As tarifas de energia não deveriam ter servido para uma demagogia eleitoreira, os preços dos combustíveis não deveriam ter ficado defasados, quando o petróleo estava subindo para além de US$ 100. Se o governo não tivesse cometido esses erros, a Petrobras não teria tido o prejuízo calculado pelos especialistas entre U$ 50 bilhões a U$ 60 bilhões importando combustíveis a preços mais altos do que os que podia vender no mercado interno. As empresas distribuidoras de energia não teriam enfrentado o desequilíbrio financeiro que as fez tomar empréstimos bancários para cobrir dificuldades de caixa.

Hoje, o país poderia aproveitar a onda deflacionária na área de energia, que reduziu a inflação em todos os países do mundo. Pelos erros do passado, o mundo inteiro está com deflação no setor energético, pela queda dos preços do petróleo, mas só o Brasil tem justamente na energia o mais importante fator a elevar a inflação.

A alta de preços agravou a recessão, ao tirar poder de compra das famílias e reduzir a confiança para os investimentos dos empresários. E não é garantido que a queda do PIB reduza a pressão inflacionária. O índice está tão alto que qualquer choque que ocorra, qualquer piora das expectativas, qualquer nova desvalorização cambial vai continuar mantendo a inflação elevada.

O mundo estava ajudando nos últimos anos com a economia americana se recuperando, a Europa saindo da crise e a China crescendo. Houve uma piora rápida das expectativas em relação ao cenário mundial. Se o Brasil piorou quando o mundo estava melhorando, o que acontecerá agora que a situação se agrava aqui e fica mais instável nas principais economias do mundo?

A recessão acaba corrigindo alguns desequilíbrios, mas é a pior forma de ajustar uma economia.

Coluna da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Janot, na prática, diz que delator mentiu porque ameaçado de morte por Cunha! É? E o procurador-geral fez o quê?



É tal a avalanche de denúncias, acusações e vazamentos da Operação Lava-Jato que a imprensa começa a perder a mão sobre o que está em curso e permite que coisas da maior gravidade sejam ditas, assim, como quem afirma que hoje é quarta-feira. Já houve um caso muito sério nesta terça. Nesta quarta, na sabatina de Rodrigo Janot na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de novo! A que me refiro? Vamos lá.

O senador Humberto Costa (PT-PE), um dos investigados na Lava-Jato, indagou Janot sobre a credibilidade de delatores que mudam de versão. Afinal de contas, o “prêmio” que recebem supõe que digam a verdade. É claro que estava se referindo a Julio Camargo, aquele que primeiro sustentou que não havia pagado propina a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), invertendo mais tarde a sua versão.

Janot afirmou então que os benefícios da delação de Camargo foram mantidos porque as afirmações mais recentes que fez — “Cunha recebeu propina” — contribuíram para avançar na investigação. Muito bem!  O procurador-geral poderia ter parado por aí, mas seguiu adiante e informou que, como castigo, a multa que Camargo terá de pagar por ter mentindo será maior — antes, era de R$ 70 milhões. E agora vem o que realmente é gravíssimo:
“Teve como consequência o agravamento da pena de multa. Não teve nenhuma outra consequência, porque nos convencemos que ele estava em estado de ameaça. Não falou antes porque tinha receio de sua própria vida. Nessa retificação que ele faz, a espontaneidade dele é visível. ‘Eu temo pela minha vida’, ele disse. ‘Só voltei agora, porque a investigação chegou a um ponto que minha omissão está clara, mas continuo temendo pela minha vida’”.

Epa! Aí a coisa ficou séria demais. Todos sabem, porque isso foi tornado público, que Julio Camargo disse que tinha medo de Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Salvo engano, não se havia falado de ameaça de morte, não é mesmo? Eu me lembro de Camargo ter dito que temia a influência do deputado…

Pergunto: é corriqueiro que um procurador-geral da República confira estatuto de verdade à acusação de um delator, que se diz ameaçado de morte pelo presidente da Câmara, e não faça nada sobre o caso em particular? Será que nós, do jornalismo, não estamos perdendo o senso de proporção e de gravidade das coisas?

Se o Ministério Público Federal, na pessoa de Rodrigo Janot, acreditou que Julio Camargo estava mesmo sendo ameaçado de morte por Cunha, qual é a sua obrigação? Deixar para tratar do assunto numa sabatina ou reunir os indícios e oferecer uma denúncia? Se denúncia não há, é porque também inexistem os indícios. Nesse caso, Janot acreditou em Camargo porque quis. Apesar da elevação da multa, é claro que o bandido será premiado mesmo tendo mentido. Ou antes ou agora.

Youssef
É o segundo dia em que uma heterodoxia gigantesca vem a público, embora seja tratada como coisa corriqueira. Nesta terça, em acareação, Alberto Youssef demonstrou conhecer o conteúdo de uma delação premiada que ainda está sob sigilo. Vale dizer: um bandido preso sabe o teor de um depoimento que deveria estar apenas sob o domínio do Ministério Público.

É bom começar a botar ordem nessa história. No dia 26 de agosto de 2015, o procurador-geral da República endossou a versão de um delator premiado, segundo o qual foi ameaçado de morte por ninguém menos do que o presidente da Câmara. Não ofereceu denúncia a respeito, e a imprensa fez de conta que isso é a coisa mais normal do mundo.

Se é verdade que aconteceu, e Janot não ofereceu a denúncia, é grave. Se Camargo mentiu, e Janot comprou a versão, também é grave.
A propósito: Camargo perdeu o medo de Cunha por quê?
a: porque virou, de repente, um corajoso?;
b: porque passou a ter medo de um perigo maior?
c: nda. Isso tudo é só coisa de bandido tentando se safar.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo – Revista VEJA