Jair Bolsonaro tem muita live, passeio de
motocicleta etc. O STF tem o apoio cego de um Congresso morto de medo
com o passivo penal de seus membros
Morreu, foi enterrado em cova rasa e não será
ressuscitado enquanto os ministros do Supremo Tribunal Federal não
deixarem, o assunto político mais sensacional deste ano — a adoção, nas
eleições de 2022, de modificações no sistema de votação, com o objetivo
de torná-lo mais seguro e verificável. É onde anda a política brasileira
de hoje. Quando uma questão dessas, que deveria ser absolutamente
técnica, racional e neutra, se transforma, a exemplo dos antigos títulos
de filme, num violento “duelo de paixões” entre as partes, fica-se com
uma ideia sobre o baixo nível da vida pública praticada neste país.
Fazer o quê? É assim que funciona. [há grande possibilidade dos ministros do STF se curvarem a "sua excelência, O FATO" = a invasão, nesse final de semana, do sistema do Tesouro Nacional. O acontecimento, reforça a posição dos que defendem que nenhum sistema de informática é totalmente invulnerável e torna recomendável a colocação de mais uma tranca = O VOTO AUDITÁVEL.]
A única vantagem, para o público pagante, é que a mídia finalmente
vai parar de falar no assunto. Já deu, realmente, o que tinha de dar —
quem aguenta continuar ouvindo essa conversa?
Por mais extravagante que
pareça a ideia, chegaram a inventar, numa tentativa de manter as emoções
em sua temperatura mais alta, que “os militares” tentaram intimidar a
Câmara dos Deputados e o resto da politicalha nacional com um desfile de
carros blindados no dia da votação do assunto.
O desfile fez parte de
uma operação que ocorre há 33 anos numa região de Goiás próxima a
Brasília;
já vinha rolando havia dias, mesmo porque é impossível montar
um negócio desses de hoje para amanhã. Mas e daí? [a reforçar a impossibilidade citada, tem, o fato que a coluna começou a se deslocar para Brasília no mês de julho e a votação alvo da mentirosa narrativa de intimidação dos deputados, foi marcada no inicio de agosto.]
Na guerra para manter o
Brasil em atmosfera de catástrofe iminente e inevitável está valendo de
tudo.
O desfile virou ameaça à democracia no Brasil e no mundo.
Os blindados passaram por Brasília, foram embora e não aconteceu
coisa nenhuma, é claro. Que raio poderia ter acontecido? Serviu, apenas,
para encher página de jornal e permitir exibição de valentia por parte
de político que se enche de coragem quando enfrenta general manso, mas
que sai correndo apavorado assim que vê general bravo. “Ninguém vai nos
intimidar”, etc. etc. etc. Querem enganar a quem?
Em todo caso, é um
fecho perfeitamente adequado para a coisa toda — farsa acaba em farsa. A
questão nunca foi séria. De um lado, não se comprovou fraude na eleição
de 2018 — o sistema foi, sim, invadido por um marginal (chamam de hacker),
mas até a Nasa, o Pentágono e a Santa Sé vivem sendo invadidos e não
acontece nada. [aqui cabe apontar que não acontece nada pelo fato do hacker não desejar; se ele detém conhecimentos para invadir, pode promover alterações com dia e hora acerta para ativação. Antes que o otimismo do ''se invadirem não vai acontecer nada" predomine, é bom registrar o recente sequestro do sistema que controla um dos maiores oleodutos dos Estados x Canadá.] De outro lado, não se demonstrou com um mínimo de lógica
por que um sistema físico não pode ser aperfeiçoado — e muito menos por
que a mudança proposta seria a destruição da democracia.
O que aconteceu, na verdade, não foi uma discussão honesta com o
propósito de servir aos interesses do cidadão brasileiro. Houve, isso
sim, mais um teste de força entre a Presidência da República e o STF — e
o STF ganhou mais uma vez, pela boa e simples razão de que é mais forte
que o presidente.
Jair Bolsonaro tem muita live, passeio de
motocicleta etc. O STF tem o apoio cego de um Congresso morto de medo
com o passivo penal de seus membros, o poder da caneta que coloca suas
ordens em vigor e o aplauso incontrolável da mídia e da elite —
política, econômica, intelectual e de todos os outros tipos, num arco
que vai do sistema OAB-CNBB-escritórios de advocacia para corruptos às
empreiteiras de obras públicas que sobreviveram à Lava Jato. Os tanques
de guerra do Exército, supostamente os tanques “de Bolsonaro”, passam
por Brasília e vão embora. O ministro Luís Roberto Barroso fica, manda e
todo mundo obedece — general, marechal, almirante de esquadra, senador,
deputado, presidente da República, Deus [retiramos DEUS dessa bagunça] e todo mundo. Isso é a vida
como ela é. O resto é conversa fiada.
A Câmara, em seu conjunto, rejeitou a proposta de mudanças no voto
para 2022 e se ajoelhou diante do STF em obediência ao instinto mais
primitivo do político brasileiro — ficar do lado que ganha.
Os deputados
já cheiraram há muito tempo que o Judiciário é mais forte que o
Executivo, que um manda e que o outro obedece.
Sabe que ele próprio, o
Legislativo, fica de quatro diante do tribunal;
num dos momentos mais
baixos da sua história, aceitou há pouco que o STF enfiasse na cadeia,
levado pela polícia, um deputado federal.
Isso mesmo — um deputado
federal no exercício de mandato, que tem imunidade parlamentar por força
da Constituição e cujos atos só podem ser apreciados pela própria
Câmara.
Imunidade parlamentar? Foro privilegiado? Qual? Por medo físico
do Supremo, de quem dependem para sobreviver às suas tempestades diante
da lei criminal, nada disso vale.
O que vale é saber o que os ministros
estão querendo e obedecer rapidinho.
Na votação final, o “voto impresso” teve até mais votos — 229 contra 218 [o que comprova que o presidente Bolsonaro está certíssimo quando diz que é inimpichável = para que um pedido de impeachment se transforme em processo,
são necessários 342 votos;
quanto aos demais atributos que ele disse possuir asseguramos que imorrível ele não é, imbrochável e incomível são temos fora da nossa jurisdição (a esquerda alegre costuma curtir tais temas)]
O próprio caso do “voto impresso” é um exemplo perfeito dessa
subserviência que começa na presidência do Senado e da Câmara, passa
pelas mesas e acaba no fundão do plenário. A Câmara havia aprovado, em
ato legislativo impecável, uma lei estabelecendo a adoção de mudanças
que permitiriam a impressão de comprovantes de votação — que não seriam
levados para casa com o eleitor, mas ficariam em cada urna, à espera de
verificação posterior pelos partidos.
O STF anulou a lei, pura e
simplesmente. Segundo os ministros, ela seria “inconstitucional”, por
dar chances de romper o sigilo do voto — um disparate que jamais
conseguiram explicar até hoje de maneira minimamente compreensível. Se a
Câmara pode ter uma decisão como essa jogada no lixo, qual a razão para
alguém achar que a separação de Poderes está valendo no Brasil? Os
deputados baixaram a cabeça, disseram “sim, senhor” e ficou por isso
mesmo. Alguns parlamentares, tempos atrás, resolveram reabrir o assunto.
Não era um grupo pequeno: na votação final, o “voto impresso” teve até
mais votos — 229 contra 218. Mas não era grande o suficiente — ficou
abaixo dos 308 necessários para a aprovação do projeto. O caso, de
qualquer forma, já estava resolvido. O STF, logo no começo da discussão,
entrou em transe: nenhuma mudança seria permitida, informou o ministro
Barroso. Ele chegou a ir à Câmara, pessoalmente, para convencer os
deputados a rejeitar a proposta de mudanças. Convenceu.
Fica aberta, no atestado de óbito, uma questão até agora sem
resposta: por que um problema essencialmente político como esse foi
tratado como um teste de força entre Bolsonaro e Barroso, com xingamento
de mãe e tudo o mais a que se tem direito?
Na véspera da votação,
Bolsonaro disse que, “sem negociação”, a proposta de modificações não
iria passar.
Por que, nesse caso, ele só foi lembrar de negociar quando
Inês já estava morta? Por que, se estava mesmo disposto a ganhar a
parada e acha que negociação é essencial, não começou a negociar em
janeiro de 2019, logo que tomou posse? Não fica claro, do mesmo jeito,
por que o presidente esperou tanto tempo para falar de fraude na
apuração de 2018. Se está convicto de que roubaram voto, por que só veio
tocar no assunto já na reta final?
A discussão enfim acabou, mas o saldo que fica disso tudo é um belo
desastre. Com a não solução a que se chegou, fica criada, e não se sabe
se irá embora mais tarde, a suspeita de que as eleições presidenciais de
2022 não serão limpas. Não adianta ficar falando que isso “é golpe”.
Fama de eleição roubada é coisa difícil de ir embora com manchete no
horário nobre e manifesto de artista.
O fato é que continua sem resposta
a pergunta-chave nessa coisa toda: por que não seria possível
aperfeiçoar um sistema eletrônico de votação? O ministro Barroso
insiste, e não muda nada em nenhum milímetro, que o TSE montou um
aparato invulnerável e perfeito para as eleições brasileiras;
não pode
ser quebrado por ninguém e não há nenhum recurso na ciência digital
capaz de tornar melhor um sistema eleitoral que só é adotado no Brasil,
no Butão e em Bangladesh.
Os bancos, sites de vendas on-line e cartões
de crédito aperfeiçoam todos os dias seus sistemas de segurança; gastam
bilhões nessa tarefa.
Por que o TSE é melhor que eles? É uma estupidez.
O STF se apresenta como vítima e se coloca, ao mesmo tempo, nos papéis de acusador e de juiz
Sobra para o governo, agora, o dever — que até o momento parece não
ter sido examinado por ninguém — de fazer tudo o que a tecnologia
permite para cobrir o máximo de vulnerabilidades do atual sistema.
Agora
não é mais discurso; é puro trabalho, silencioso e longe do picadeiro
de circo armado em volta do assunto, coisa que exige cabeça e não dá
cartaz para ninguém. O roteiro mostrando onde pode haver problemas
existe.
O que se pode fazer a respeito é colocar todo o potencial de
conhecimento digital à disposição do governo, a começar pelo arsenal de
recursos tecnológicos das Forças Armadas, no acompanhamento de cada
passo do processo eleitoral de 2022 — há mais de um ano para fazer isso,
até o início da apuração. É um trabalho a ser feito em conjunto com os
partidos — e quem mais estiver habilitado a auditar o sistema. Ou será
feito ou não. Depende do governo.
É possível, também, que resulte alguma coisa de esforços que os
políticos pretendem fazer para mudar alguma coisinha aqui e ali — nada
que deixe nervosos os ministros e que carregue junto as odiosas palavras
“voto” e “impresso”, mas que dê uma satisfação qualquer aos 229
deputados que votaram a favor das mudanças.
É o que temos, além do
descrédito quanto à honestidade dos resultados da eleição e do duelo
pessoal cada vez mais perigoso entre o presidente Bolsonaro, de um lado,
e o STF, do outro — no qual o STF se apresenta como vítima e se coloca,
ao mesmo tempo, no papel de juiz.
Abre os inquéritos e processos,
aguarda uma denúncia do procurador-geral da República e, no fim, dá a
sentença.
É difícil uma coisa dessas acabar bem — a menos que se torne
melhor, e não pior a cada dia que passa.