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quarta-feira, 2 de maio de 2018

Para salvar vidas



Antes de mais nada, é preciso considerar o momento dramático por que passa a segurança do Rio. De acordo com os dados divulgados recentemente pelo ISP, em março foram roubados no estado 5.358 carros, o maior número já registrado desde o início da série histórica, em 1991. Outros crimes que bateram recorde foram os roubos a pedestres (7.655), em ônibus (1.389), de celular (2.188) e de carga (917). Os homicídios dolosos (intencionais), embora relativamente estabilizados — subiram 1%, de 498 para 503 — estão no maior patamar desde 2009. São números que desafiam a intervenção federal, decretada no dia 16 de fevereiro.

Ao mesmo tempo, não é segredo para ninguém a penúria que aflige as polícias fluminenses. O déficit de policiais tem se refletido nas ruas. A ponto de o interventor, general Braga Netto, ter determinado a volta de mais 3 mil homens — entre policiais, bombeiros e agentes penitenciários — cedidos a órgãos como Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, prefeitura e governo do estado. Decisão, aliás, que causou certo estreasse entre os poderes. Até pouco tempo atrás, metade da frota da Polícia Militar estava parada por falta de manutenção. Novos veículos estão sendo comprados, mas o problema ainda é grave. Repórteres do GLOBO percorreram dez bairros do Rio com grande incidência de assaltos a pedestres e, em 21 horas de ronda, encontraram apenas nove viaturas.

Portanto, nesse contexto, é bem-vindo o anúncio de que o projeto Segurança Presente, que já funciona na Lagoa, no Aterro do Flamengo, no Méier e no Centro, pode chegar também ao Leblon. Trata-se de uma parceria público-privada que reúne o estado, a prefeitura e a Federação de Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio) para reforçar o policiamento em determinadas áreas da cidade. Nada há de ilegal nessa iniciativa, muito pelo contrário. O acordo é feito com a interveniência do Estado, e os agentes em sua maioria são policiais aposentados ou egressos das Forças Armadas. Além disso, as equipes trabalham em sintonia com as polícias Militar e Civil e a Guarda Municipal.

De fato, uma auditoria da própria Fecomércio criticou o convênio, alegando que ele refletia “a criação de um processo de milícia, por tratar-se de parceria entre uma instituição privada e um ente público, oficializando a criação de uma organização paramilitar”. Mas a comparação é descabida. Certamente os auditores que produziram o relatório desconhecem o fato de que milícias agem à margem da lei.  A verdade é que o convênio tem ajudado a melhorar a segurança nas áreas onde foi implantado. Os números são altamente favoráveis. Na Lagoa, de junho a outubro de 2017, não houve assalto a pedestres ou ciclistas. Lembre-se de que, em maio de 2015, o médico Jaime Gold foi morto depois de um assalto a faca na orla da Lagoa, num crime que chocou a cidade. Por isso, se é para salvar vidas, a parceria deve ser estimulada, e não alvejada.

Editorial - O Globo
 

O que a Lava Jato mudou na Justiça brasileira, e o que STF pode reverter

Quando prender, como interrogar e a forma de investigar se moldam ao "padrão Lava Jato" Brasil afora

Mas a maneira como as alterações ocorreram são criticadas por quem enxerga punitivismo excessivo

"Esse caso que fica em 3 a 2... Sinceramente, o Ministério Público fica até constrangido. Como que eu vou começar o início da execução em segundo grau com um julgamento tão apertado desde o início do recebimento da denúncia?", disse o procurador do Ministério Público de Minas Gerais Antônio Pádova Marchi Júnior após o julgamento dos embargos infringentes do ex-governador Eduardo Azeredo, na terça-feira. 

Pádova pediu a prisão do grande símbolo do mensalão tucano, mas está tendo de explicar até agora o constrangimento que manifestou ao fazê-lo. O desfecho desse e de outros casos espalhados pelos tribunais federais e estaduais do país provavelmente seria outro sem a existência da Operação Lava Jato.  Outro caso: depois que o processo da Lava Jato contra o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi encaminhado para a Justiça Eleitoral em abril, contrariando pedido do Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual de São Paulo chamou o caso para si, e abriu um inquérito civil por conta própria para investigar o caso. O mesmo voluntarismo em nível estadual pode ser visto no Rio de Janeiro, onde o Ministério Público local acabou provocado pelos processos do Ministério Público Federal que diziam respeito a serviços estaduais. Bem ao estilo agressivo e obstinado da força-tarefa da Lava Jato, uma série de processos decorrentes da operação desmontou o MDB fluminense.

Para a procuradora federal Silvana Batini, que atua na operação no Rio, essas podem ser consideradas reverberações do "padrão Lava Jato", que se consolidou para além do caso no Ministério Público Federal. A Lava Jato estaria forçando uma integração entre os ministérios públicos federal e estadual, além de ampliar as estruturas de cooperação internacional. Além disso, a operação motivou mudança de parâmetros no sistema jurídico nacional. "A prisão preventiva, que antes estava muito ligada à questão de periculosidade e a crimes praticados com violência, agora passou a ser trabalhada no crime de colarinho branco nas primeira e segunda instâncias e até no STJ [Superior Tribunal de Justiça]", comenta.

Outra grande vitória da agenda Lava Jato é a possibilidade de prender após condenação em segunda instância, uma luta de anos do Ministério Público Federal, com estudos publicados desde 2009. "Quando muda, muda estimulado pelo evento Lava Jato, mas ela [a operação] não caiu do céu. Ela é fruto de uma evolução institucional", diz Batini, que também defende a condução coercitiva, outra grande polêmica da operação. "É uma medida mais branda que a prisão temporária, e a gente viu isso acontecer na Operação Skala". A procuradora se refere ao caso em que pessoas próximas ao presidente Michel Temer, como o ex-assessor da Presidência José Yunes, foram presas para dar depoimento. "Eles ficaram presos por 48 horas, quando poderiam ter ficado cinco ou seis", argumenta Batini.

Na Operação Skala, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a prisão temporária de José Yunes e do ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo João Batista Lima porque não podia pedir a condução coercitiva. Em dezembro passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes vetou liminarmente esse tipo de procedimento. O plenário do STF deve julgar em definitivo no dia 30 de maio esse dispositivo, que foi usado livremente pela força-tarefa da Lava Jato até que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornasse alvo dela. Esse será apenas mais um dos embates que vêm sendo travados apaixonadamente na Corte Suprema em decorrência da expansão do "padrão Lava Jato".

Insegurança jurídica
O STF decidiu em 2016 que a pena de um condenado pode começar a ser cumprida a partir da condenação em segunda instância. Em 2009, a decisão de um STF composto por outros ministros tinha sido em sentido contrário, de cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado — ou o último recurso possível, no próprio Supremo. Apesar do pouco tempo após a última decisão sobre o assunto, alguns ministros foram substituídos desde então e a questão permanece rondando o tribunal em duas ações diretas de constitucionalidade

O Supremo também tem se debatido com os parâmetros para a concessão de habeas corpus e mesmo sobre a possibilidade de um ministro alterar a decisão de um colega. As trocas de críticas públicas durante as sessões e por meio da imprensa opõem dois grupos mais amplos: aqueles que acham importante "ouvir a voz das ruas" e os legalistas, mais interessados em respeitar garantias de direitos dos condenados e investigados. No plenário do tribunal, têm favorecido decisões que contemplam o primeiro grupo, ao contrário do que ocorre na Segunda Turma, onde a maioria dos processos da Lava Jato são julgados. Isso levou ao desenvolvimento de uma estratégia pelo relator dos processos, Edson Fachin. Em vez de encaminhar os casos mais relevantes para a Segunda Turma, ele tem optado por mandá-los direto para o plenário, onde a apertada maioria de seis a cinco tende a combinar com seus pareceres. A lógica deve mudar a partir de setembro, quando o ministro Antônio Dias Toffoli, entre os garantistas, assume a presidência da Corte, e a atual presidenta, Cármen Lúcia, vai para o lugar dele na Segunda Turma: Toffoli controlará a pauta do tribunal, mas a pequena maioria da turma, de três a dois, passará para o lado de Fachin.

"Hoje, para entender o plenário do Supremo, só com bola de cristal", resume o advogado Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP. Ele atribui boa parte as mudanças processuais provenientes da Lava Jato à utilização da opinião pública pelos procuradores. "A Lava Jato soube usar essa pressão popular para gerar um constrangimento para que os tribunais não pudessem ir contra uma opinião pública ou publicada. O Supremo foi deixando até uma certa hora. Por que teve de fazer um freio de arrumação? Porque deixou o bonde desgovernar. Se os procuradores querem [alterar procedimentos], têm de bater na porta do Congresso, não na porta do Supremo", critica.

Segundo Badaró, alguns vão dizer que os ministros começam a tomar medidas como a que retirou do juiz Sérgio Moro a delação da Odebrecht que citava Lula porque os casos chegaram em determinados políticos, enquanto outros vão dizer que o tribunal simplesmente percebeu que foi longe demais ao atender aos clamores populares. Mas o fato é que o Supremo tem pretendido resolver o que está além de sua alçada em alguns casos, e nem todas as decisões podem ser avaliadas a partir da mesma perspectiva. Para o advogado, Gilmar Mendes apenas "restringiu algo que nem deveria existir" ao proibir as conduções coercitivas, porque a legislação brasileira não admite condução coercitiva com a finalidade para a qual vinha sendo utilizada. [a proibição se revelou justa e necessário devido a má utilização do instrumento proibido; a condução coercitiva existe para ser usada quando o intimado se recusa a comparecer.
Situação que incorre em crime de desobediência para o intimado e autoriza o uso da 'condução coercitiva' = antiga condução 'debaixo de vara'.] 
 
O professor da USP considera que a mudança mais relevante motivada pela Lava Jato é a perda da possibilidade de um condenado em segunda instância de apelar sobre o motivo de sua prisão. "Eu podia ir ao Supremo discutir se ele estava ou não ameaçando testemunha, se havia risco de fuga, se havia possibilidade concreta de reiteração delitiva. Quando a execução começa a partir do segundo grau, essa pessoa não está presa porque a prisão é necessária, mas porque está cumprindo a pena, ainda que possa ser absolvida depois".

Quando o STJ negou habeas corpus preventivo a Lula em março, seu advogado e ex-ministro do STF Sepúlveda da Pertence disse que o tribunal "preferiu manter-se na posição punitivista em grande voga no país". Nesta sexta-feira, quem reclamou foi o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, ao saber pelo noticiário da intenção de ministros do STF de investigar o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima por suas críticas ao Supremo. "Não são críticas que mancham imagem do tribunal, mas posturas como a do M. G. Mendes [ministro Gilmar Mendes], q vive atacando injustamente a Lava Jato e seus agentes, como o procurador Janot, o juiz Moro e procuradores de Curitiba. Como querer impor a outros limitações q tal Ministro não impõe a si?", escreveu Dallagnol em seu perfil Twitter. Quatro anos depois de começar, a Lava Jato não parece se intimidar com os limites que se avolumam no seu entorno à medida em que avança.

El País

 

Perseguição, disparos, pouso forçado

Como são feitas interceptações de aviões suspeitos no céu do Brasil

A tensão aumenta rapidamente no céu brasileiro: um avião bimotor suspeito sobrevoa a região de fronteira entre o Brasil e a Bolívia. A Força Aérea Brasileira (FAB) intercepta o avião com três aeronaves e um radar. Os militares acreditam que o veículo transporta drogas. O piloto, advertido várias vezes, não obedece à ordem para que mude a rota.
Os militares, então, recorrem ao recurso extremo: o tiro de detenção. Logo que o disparo é feito, o piloto faz um pouso forçado em um lago na região do Pantanal, em Corumbá (MS). O avião submerge.
 O avião-radar E-99 é o modelo usado para as interceptações

As cenas da interceptação em Corumbá, na última quarta-feira (25), chamam a atenção por um fato raro: foi a segunda vez que a FAB usou o tiro de detenção desde que a medida foi autorizada pela legislação brasileira, em 2004. A única ocorrência anterior foi em 2015.
Apesar de o abate de aeronaves ser raro, interceptações sem tiros acontecem quase diariamente no Brasil. De acordo com a FAB, que monitora os céus do país 24 horas por dia, nos últimos dois anos foram 1.281 interceptações de aeronaves desconhecidas no espaço aéreo brasileiro. Apenas no ano passado, o procedimento foi feito 829 vezes. 

A fiscalização do espaço aéreo é feita por meio de radares que cobrem todo o território nacional, além de partes do Oceano Atlântico. A FAB também utiliza aviões-radar E-99, capazes de identificar, em uma distância de até 450 quilômetros, aeronaves em baixa altitude - característica comum de voo entre os aviões em situação irregular. São alvos não só aeronaves suspeitas de envolvimento com narcotráfico, mas qualquer avião com falhas de identificação.

Quando há um movimento suspeito detectado pelos militares, as informações são repassadas ao Comando de Operações Aeroespaciais (Comae), em Brasília, que aciona, caso necessário, aeronaves de caça, como os jatos supersônicos F-5M e os aviões A-29.

As etapas da interceptação
Os procedimentos para a interceptação têm início após a FAB identificar, por meio dos radares, a aeronave em possível situação irregular. Para que suspeite da legalidade do avião, a Força Aérea avalia informações como a documentação do veículo e o plano de voo, considerado essencial para que um avião possa trafegar pelo espaço aéreo. Diante da suspeita de irregularidade, o Comando de Operações Aeroespaciais aciona aeronaves de interceptações. Para cada avião da FAB, há um grupo de militares - denominado esquadrão de defesa aérea - que possui uma equipe composta por piloto, mecânico da aeronave de alerta, mecânico para a operação do armamento e auxiliar. O grupo permanece de prontidão para ser chamado quando o radar identificar um tráfego aéreo desconhecido ou ilícito.

Em caso de localização de um avião suspeito, uma sirene é acionada em solo e o piloto corre em direção à aeronave, que já está preparada para o procedimento. Em poucos minutos, o militar decola. Ele somente é informado sobre os detalhes da missão após deixar o solo. O condutor da aeronave passa a seguir orientações do Centro Integrado de Defesa Aérea.

MATÉRIA NA ÍNTEGRA, BBC - BRASIL
 

Criminosos que tentavam infiltrar facção nos presídios do DF são condenados a penas de 16 anos de prisão

Sentença proferida pela 7ª Vara Criminal de Brasília representa mais uma importante medida para conter o avanço da maior facção criminosa em atuação no país dentro dos presídios do Distrito Federal e do Entorno. A Justiça condenou, nesta segunda-feira (30/04), 18 integrantes do grupo que teve a prisão preventiva decretada na Operação Avalanche a penas de até 16 anos e meio de prisão, em regime fechado. Os criminosos são identificados por apelidos como Neguinho Satanás, Malévola, Pancadão, Anjo Negro, Gladiador, Chuck, entre outros.

Na tentativa de dominar o sistema penitenciário do DF e de municípios vizinhos, como ocorre em outras unidades da federação, os criminosos se referiam à região como “Área 61”. Assim, a facção se organizava para dar assistência às famílias dos criminosos presos e, em troca, compartilhar os lucros provenientes dos crimes praticados no Distrito Federal. Para passarem a integrar a facção, os criminosos eram submetidos a um “batismo” em que se comprometiam a respeitar as regras da organização.

A investigação da antiga Delegacia de Combate ao Crime Organizado (Deco) apontou a existência de uma divisão de tarefas entre os criminosos, com atuação dentro e fora das penitenciárias, para a prática de crimes como tráfico de drogas, latrocínio e homicídio. De dentro das cadeias, integrantes da facção se comunicavam por telefone e por anotações em que registravam os nomes dos comparsas, matrícula no sistema penitenciário e outros detalhes sobre a participação na organização formada como um sindicato do crime. Os crimes ocorreram entre 22 de janeiro e 9 de outubro de 2015.

Na sentença, os juízes Elisabeth Cristina Amarante Brancio Minare, Leila Cury e Newton Mendes de Aragão Filho apontaram a divisão de tarefas dos criminosos que eram liderados no DF por Edson de Souza Campos, conhecido como Neguinho do Recanto. Ele coordenava as atividades e apontava as diretrizes do grupo. Foi condenado a 16 anos e seis meses de prisão em regime fechado. Wanderson Santos Silva, o Pardal, e Bruno Borges Rocha, o “BR”, eram os responsáveis pelo controle os bandidos fora dos presídios, principalmente em crimes de tráfico de drogas. Eles receberam uma pena de 12 anos e quatro meses de prisão e 16 anos e um mês. respectivamente.

Wilton de Oliveira Silva, chamado pelos comparsas de Neguinho Satanás, exercia o controle e a coordenação dos membros da facção que estão presos. Ele também era encarregado de resolver conflitos entre os integrantes da organização. Recebeu uma pena de 16 anos e um mês de detenção.  Outros 14 integrantes do grupo também foram condenados, entre os quais a advogada da facção criminosa, Indiara Almeida Moreira. Apontada como uma “leva e traz” de recados da organização criminosa, ela recebeu uma pena de três anos, seis meses e 15 dias de reclusão, em regime aberto.

Operações como a Avalanche têm sido realizadas com frequência por policiais civis do DF como forma de desarticular a formação desses grupos. Foi o que ocorreu há duas semanas com a Operação Prólogo, em duas etapas, sendo a primeira em presídios do DF e a segunda, em cadeias públicas de Águas Lindas e do Novo Gama, realizadas pela equipe da Coordenação de Combate ao Crime Organizado, aos Crimes contra a Administração Pública e à Ordem Tributária (CECOR).

CB.Poder

Tradutor de presidente sofre, mas se diverte



O trabalho dos tradutores dos presidentes não se limita a verter palavras para outras línguas — eles, muitas vezes, melhoram o script 

Em um momento do encontro em Roma em 2008 com Silvio Berlusconi, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva segurou a gravata do italiano e ficou esfregando os dedos polegar e indicador como se avaliasse a qualidade da seda. Olhando para o rosto do primeiro-ministro, disparou: “Esse aqui tem a cara do Collor e do Maluf juntos!”. Berlusconi não entendeu nada. “Che cosa ha detto?”, indagou. O carioca Sérgio Xavier Ferreira, que estava ao lado do ex-presidente, atuando como intérprete, imediatamente atalhou. “O presidente elogiou muito sua gravata”, respondeu. No dia seguinte, Il Cavaliere mandou uma caixa com 50 gravatas daquelas como presente para Lula.

A história ilustra o papel essencial — e nem sempre discreto — assumido pelos tradutores à medida que a diplomacia presidencial se tornou mais ativa nas ações de política externa. Entre os intérpretes, Sérgio Ferreira, que traduzia para Lula desde 1992 e era petista, tornou-se uma lenda porque fazia um trabalho muito além de traduzir e interpretar o que Lula falava. Ferreira polia frases, sofisticava o vocabulário, tornava compreensíveis as metáforas de futebol e casamento frequentes em seus discursos, assim como dava graça, em outras línguas, às piadas de Lula, quando não as omitia, como no caso da gravata de Berlusconi.

(...) 

O fim do regime militar e os primeiros anos de redemocratização não deixaram mais espaços para o amadorismo. Com o fim da Guerra Fria, o andamento veloz da globalização e a criação de uma infinidade de agrupamentos de nações, a profissionalização da tradução tornou-se regra para países que, como o Brasil, tinham ambições na cena internacional. Os anos 1990 marcaram uma mudança substancial na maneira como o Brasil se colocava no plano internacional, e, de lá para cá, tradutores se tornaram tão presentes no gabinete e nas comitivas do presidente quanto os chanceleres.

Desde 1995, com a posse de Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto, até abril passado, os quatro presidentes brasileiros comandaram 449 visitas internacionais e receberam, no Brasil, centenas de chefes de Estado e governo. Michel Temer deverá completar a 450ª visita ao desembarcar em Singapura, no próximo dia 7 de maio. Só não houve mais visitas internacionais porque Temer, entre tantos incêndios para apagar em Brasília, pouco tempo teve para despender no exterior. E sua antecessora, Dilma Rousseff, tinha pouca disposição para se dedicar à política externa. Esses encontros entre chefes de Estado e governo — com olho no olho, leitura de expressões faciais, apertos de mãos, cochichos com assessores, sinais, mensagens em voz natural — ainda não foram superados pelos engenhos do mundo virtual.

(...)

Apesar da familiaridade com Lula, certa vez engasgou quando o presidente se referiu às comunidades de mulheres quebradeiras de coco de babaçu para uma plateia de empresários estrangeiros. Rapidamente, encontrou uma versão adequada em inglês: “coconut cracking women”. Lula percebia seu esforço. Em um jantar oficial, enquanto falava com um chefe de Estado, picou o pão em pedacinhos, passou manteiga em cada porção e as deu a Ferreira, uma a uma, como se fosse seu canário do reino.

Ferreira chegou ao Palácio do Planalto de “salto alto”, lembram funcionários do gabinete presidencial daquela época. Assinara um contrato como assessor especial do gabinete da Presidência, cargo de confiança para o qual estava prevista a remuneração como DAS-5, o segundo patamar mais alto. Estava orgulhoso disso. Tanto que passou a corrigir os demais servidores quando era chamado de “tradutor”. Sarcásticos por natureza, os diplomatas passaram a referir-se a ele, as suas costas, como “DAS-5”.

Na primeira participação de Lula na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, que o Planalto demorara a confirmar, Ferreira brigou com o chefe do cerimonial da Presidência, o embaixador Paulo César Oliveira, no lobby do Waldorf Astoria, porque fora hospedado em um hotel vizinho. Com o passar dos tempos, Ferreira percebeu que sua condição de “assessor especial da Presidência” o impedia de fazer outros trabalhos de tradução e diminuía sua renda.

Ferreira tentou salvar Lula de várias gafes. Algumas vezes, não conseguiu. Em novembro de 2003, em visita oficial à Namíbia, o então presidente afirmou em discurso que estava surpreso “porque quem chega a Windhoek não parece estar num país africano. Poucas cidades do mundo são limpas e bonitas (como esta)”. Ferreira interrompeu o raciocínio do presidente, dando-lhe uma chance de refazer a frase controversa, e disse que não o estava entendendo. Lula retomou: “A visão que se tem da África é de que são todos pobres”. O tradutor omitiu o que Lula dissera sobre Windhoek ser uma capital limpa, apesar de africana e pobre. Somente os brasileiros entenderam o deslize. Lula costumava chamar Ferreira de “meu dublê” e o salvava com frequência dos seguranças estrangeiros que, quase sempre, barravam a passagem do tradutor.

Às vezes, a carga de humor de Lula também se perdia na tradução. Em 2007, durante uma coletiva de imprensa ao lado de George W. Bush, em São Paulo, Lula descontraiu-se suficientemente para dizer que o chanceler Celso Amorim e a secretária de Estado Condoleezza Rice deveriam ser trancados em uma sala até atingirem o “ponto G” da negociação da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca). O tradutor verteu a expressão para “dot G”, que nada tinha a ver com a conotação erótica dada por Lula que, em inglês, seria “G spot”. Enquanto os jornalistas brasileiros e o próprio Lula riam, Bush e a delegação americana só entenderam a piada mais tarde, quando propriamente traduzida.

(...)

Época
 

 

Preso, Lula virou candidato por correspondência



A necessidade é a mãe da criatividade. Em plena era digital, Lula reinventou a carta. Virou candidato por correspondência. Atribuiu nova serventia aos advogados. Os doutores ainda não conseguiram livrá-lo da cadeia. Mas possuem ótima caligrafia. Lula só não conseguiu renovar o discurso. Mas seus devotos não se importam.

Neste 1º de Maio, Gleisi Hoffmann leu mais uma carta de Lula. Deu-se no encerramento do ato que reuniu em Curitiba as principais centrais sindicais do país. O missivista do cárcere declarou-se triste, porque “nossa democracia está incompleta”. Comparou os tempos bicudos da era Michel Temer “O desemprego cresce e humilha”— à pujança de sua época“Vocês se lembram da prosperidade do Brasil naqueles tempos…”

Embora faltassem a Gleisi a rouquidão e a desenvoltura de palco, o timbre eleitoreiro saltou, indisfarçável, do texto ditado para os advogados. “Sabemos que esse Brasil é possível. Mais do que isso, já vivemos nesse Brasil há muito pouco tempo atrás”. Tomado pelos termos da carta, Lula deve ter sido picado na cela especial de Curitiba pelo mosquito que transmite uma febre causadora de amnésia. O sumiço da memória apagou da carta do presidiário petista a companheira Dilma Rousseff.

A gestão de Temer revela-se perversa. Mas a ruína econômica que espalhou desemprego e desesperança é consequência direta do desastre gerencial produzido por Dilma —um poste que Lula elegeu e que teve Gleisi como uma cultuada chefe da Casa Civil.  A correspondência do cárcere ataca Temer da boca para fora. No íntimo, o missivista agradece aos “golpistas”. Depois de fazer a sucessora duas vezes, Lula estava sendo desfeito por ela. Sem o impeachment, não haveria um Michel Temer para chutar.

Com Dilma em casa, o missivista do cárcere pode exercitar livremente sua mania de confundir memória com consciência limpa. Os devotos não se incomodam. O importante é manter em pé a hipotética candidatura. ''Se alguém falar em Plano B  para vocês, não acreditem'', disse a ré Gleisi para a plateia.

Blog do Josias de Souza