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sábado, 28 de janeiro de 2023

O que é um terrorista? - Flávio Gordon

Revista Oeste

O interesse da esquerda não é saber isso. É prender e neutralizar adversários políticos. E aí o nome das coisas vira um mero detalhe 

A relativização da palavra terrorismo diante dos acontecimentos em Brasília, no dia 8 de janeiro | Foto: Shutterstock

A  relativização da palavra terrorismo diante dos acontecimentos em Brasília, no dia 8 de janeiro | Foto: Shutterstock  

“O uso da mídia como arma tem um efeito paralelo ao de uma batalha. Mediante o uso dessas imagens, fomos capazes de controlar à distância o moral do inimigo” — declarou, em julho de 2000, Nabil Qaouk, então comandante do Hezbollah. Explicando como o grupo terrorista xiita — que fazia desabar frequentes tempestades de mísseis sobre Israel — lograra dominar as técnicas de filmagem e distribuição de propaganda para a imprensa ocidental, o xeique muçulmano afirmou que a campanha de desmoralização de Israel aos olhos do mundo fora decisiva para a retirada das forças israelenses do sul do Líbano.

O que o xeique não disse, todavia, é que sua propaganda só frutificou porque o solo era especialmente fértil: a predominância da ideologia “anticolonialista” nas redações e nos estúdios, que conduz o noticiário e o colunismo de opinião a relativizarem (e, por vezes, deliberadamente ocultarem) o terrorismo islâmico. Com efeito, desde aproximadamente meados dos anos 1960, a visão hegemônica nas faculdades de jornalismo ao redor do mundo consiste numa versão adaptada do marxismo, que dividiu as nações do mundo em “exploradoras” e “exploradas”. Nesse contexto, multidões de repórteres-ativistas passaram a se ver como porta-vozes dos explorados, a favor dos quais era permitido mentir, ocultar e manipular a informação. Sua função já não era a de reportar, mas a de integrar a máquina de propaganda “anticolonialista” (contra Israel, contra o Ocidente, contra o capitalismo etc.).

É por essas e outras que Michael S. Malone, consagrado jornalista norte-americano, com passagens por ABC News, New York Times, The Wall Street Journal, Forbes e Los Angeles Times, confessou, em artigo de 2008, a sua vergonha em se assumir jornalista nos dias de hoje. Sua desilusão com a profissão que herdou dos avós começou justamente quando, num quarto de hotel, acompanhava a cobertura sobre a Guerra do Líbano, no ano de 2006. No relato de Malone:

“O hotel em que eu estava, em Windhoek, na Namíbia, só sintonizava a CNN, uma emissora que eu já aprendera a abordar com ceticismo. Mas ali se tratava da CNN internacional, o que era pior. Estava ali sentado, primeiro de queixo caído, e logo em seguida gritando para a televisão, enquanto um correspondente após o outro reportavam a carnificina dos ataques israelenses em Beirute, sem praticamente nenhuma notícia complementar da chuva de mísseis lançados pelo Hezbollah sobre o norte de Israel. A reportagem era tão completa e vergonhosamente tendenciosa que permaneci horas assistindo, imaginando que, em algum momento, eventualmente a CNN fosse contar toda a história… Mas não o fez”.

A manipulação midiática detectada por Malone revela algo perturbador: muitos dos responsáveis por decidir o que iremos ler ou ver no noticiário não concebem seu trabalho como informativo, mas como essencialmente político
Nesse contexto, a cobertura torna-se uma arma a serviço da causa que defendem. 
Assim é que, na mentalidade de muitos jornalistas e intelectuais de esquerda, atos efetivos de terrorismo (bombas, tiros, explosões, facadas etc.), desde que praticados por algum representante da categoria dos “explorados”, são justificáveis diante do fato primeiro e pecado original da exploração. Por vezes, o termo “terrorismo” chega a desaparecer do noticiário, quando se trata de cobrir a violência praticada por “explorados” contra “exploradores”.

A relativização do terrorismo atingiu o paroxismo justo num de seus momentos mais espetaculosos, quando dos atentados de 11 de setembro. Comentando sobre o chocante evento, o ultrarradical Noam Chomsky, intelectual público dos mais influentes no mundo, qualificou os EUA de “Estado terrorista”. Resumidamente, a sua tese era a seguinte: os ataques terroristas haviam sido uma resposta dos povos oprimidos do Terceiro Mundo ao imperialismo norte-americano. Antes que vítima, a América era, portanto, a verdadeira responsável pelos atentados.

De acordo com a Lei Antiterrorismo sancionada por Dilma Rousseff, não faz parte dos tipos penais o cometimento de crimes por razões políticas. Na época, essa ressalva na lei foi concebida a fim de proteger grupos radicais alinhados ao petismo para que pudessem continuar cometendo impunemente suas ações de violência política

A macabra racionalização chomskyana não era uma posição excêntrica no seio da intelligentsia esquerdista mundial. De acordo com ela, os terroristas da Al-Qaeda foram irremediavelmente atraídos para o campo magnético das Torres Gêmeas, não tendo alternativa que não a de se explodirem contra milhares de inocentes. Bin Laden e seus pupilos haviam manifesto um instinto de liberdade que, sob condições de opressão, tende a se mostrar exasperado e eventualmente homicida. Quanto ao país agredido, sendo inexorável e aprioristicamente culpado no tribunal da história, o que lhe restava era assimilar o golpe com humildade e resignação, extraindo-lhe motivo para uma autocrítica. 

Como notou à época o analista Frédéric Encel, a lógica chomskyana funcionava “como se os trabalhadores no World Trade Center e os passageiros dos aviões sequestrados encarnassem o mal da América, tendo de expiar a culpa pelo culto do rei dólar, o destino dos apaches, o McDonald’s”.

Embora soe odiosa quando dita sem rodeios, a mensagem era clara: os EUA haviam pedido por aquilo. Poucos, obviamente, ousaram expressar a coisa nesses termos. 
Mas, incrivelmente, houve quem tenha perdido até mesmo esse mínimo de pudor. Destaca-se aí o filósofo francês Jean Baudrillard, que escreveu: “Olhando de perto, pode-se dizer que eles o fizeram, mas nós o desejamos… Quando o poder global monopoliza a situação a este nível, quando há tamanha condensação de todas as funções na maquinaria tecnocrática, e quando nenhuma forma alternativa de pensamento é permitida, que outro caminho há senão uma guinada situacional terrorista? Foi o próprio sistema que criou as condições objetivas para essa brutal retaliação” (grifos meus).

Obviamente, também entre os intelectuais brasileiros de esquerda houve quem justificasse o terrorismo como meio político aceitável e até mesmo inevitável. Também por ocasião do 11 de setembro, escrevendo para o Correio Braziliense, o psolista uspiano Vladimir Safatle seguiu a senda aberta por Baudrillard: “Verdade seja dita: a terça-feira negra mostrou como a ação política mais adequada para a nossa época é o terrorismo. Ele é o que resta quando reduzimos a dimensão do conflito social à lógica do espetáculo”.

Ataque terrorista ao World Trade Center, em Nova Iorque, 
em 11 de setembro de 2001 | Foto: Wikimedia Commons

Anos depois, em artigo com o significativo título “Invenção do terror que emancipa”, Safatle resenhava uma coletânea organizada por Slavoj Zizek (outro notório entusiasta da violência política redentora) e descrevia os terroristas de uma maneira bem peculiar: “Sujeitos não substanciais que tendem a se manifestar como pura potência disruptiva e negativa”. O argumento consista basicamente na afirmação de que o rótulo “terrorismo” adviria, na verdade, de um juízo burguês, moralista e reacionário de práticas revolucionárias inerentes à história política moderna.

Por óbvio, os tortuosos argumentos avançados por intelectuais enragés acabam sempre formatando as cabecinhas do pessoal das províncias das redações e dos estúdios, levando-os a assimilarem como fato inconteste uma tese para lá de controversa, segundo a qual o terror “que emancipa” é sempre uma reação a uma agressão anterior. Retratando a América (ou Israel, ou mesmo o Ocidente como um todo) como o agente primeiro e transcendental do terrorismo, Chomsky, Baudrillard, Safatle e os jornalistas que consomem a sua papinha ideológica acabam equiparando terroristas e vítimas, ambos passivamente sujeitos à atuação de um ator histórico que, de fora e acima, os determina igualmente. Diante do algoz abstrato e categorial, as vítimas concretas (mortas pelo terror) e os agressores concretos (os terroristas da Al-Qaeda, do Hamas ou do Estado Islâmico) são nivelados na condição de pacientes históricos. Diante do “fato” primeiro da opressão, o terrorismo torna-se praticamente um imperativo categórico — ou, nas palavras de Safatle, “a ação política mais adequada para a nossa época”.

Não é espantoso que essa mesma esquerda, para a qual o terrorismo concreto sempre foi relativizadoquando não exaltado, como se vê na representação cultural benevolente do líder terrorista Carlos Marighella, resolva agora absolutizar o termo para aplicá-lo irrestritamente a todos os bolsonaristas de algum modo associados aos atos de 8 de janeiro? Deliberadamente omitindo o fato de que, segundo a lei, nem mesmo os crimes efetivamente cometidos naquele dia (vandalismo, depredação, destruição de patrimônio etc.) poderiam ser tipificados como terrorismo, a militância de redação pró-PT não pensou duas vezes em estigmatizar como “terroristas” até mesmo quem não os cometeu, e, mantendo-se acampados em frente ao QG do Exército, nem sequer esteve presente na Praça dos Três Poderes.

Como mostra reportagem de Oeste, a própria PGR afirmou não ser possível enquadrar como “terroristas” os responsáveis pelos atos
De acordo com a Lei Antiterrorismo, de nº 13.260, sancionada por Dilma Rousseff em 2016, não faz parte dos tipos penais o cometimento de crimes por razões políticas
Na época, essa ressalva na lei foi concebida a fim de proteger grupos radicais alinhados ao petismo (a exemplo do MST, do MTST, da UJS etc.), para que pudessem continuar cometendo impunemente suas ações de violência política. 
Embora seu mérito seja questionável — pois baseada na ética das intenções, e não na das consequências , o fato é que a ressalva foi aprovada e incorporada na lei, e, portanto, sua aplicação deveria ser isonômica.

Não é o que temos visto, obviamente. Porque o interesse não é saber o que é um terrorista caso em que os militantes de redação deveriam perguntar, por exemplo, a Orlando Lovecchio, que, em 19 de março de 1968, perdeu a perna na explosão de uma bomba “pela democracia” detonada pelos rebentos de Marighella. O interesse é prender e neutralizar adversários políticos. E aí o nome das coisas vira um mero detalhe. O reino de Confúcio — “a verdadeira sabedoria é dar às coisas os nomes certos” — é substituído pelo do Humpty-Dumpty, o cabeça-de-ovo: “Quando uso uma palavra, ela significa o que eu quiser que ela signifique”.

Leia também “O foro de São Paulo no poder”

Flávio Gordon, colunista - Revista Oeste

 

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Tradutor de presidente sofre, mas se diverte



O trabalho dos tradutores dos presidentes não se limita a verter palavras para outras línguas — eles, muitas vezes, melhoram o script 

Em um momento do encontro em Roma em 2008 com Silvio Berlusconi, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva segurou a gravata do italiano e ficou esfregando os dedos polegar e indicador como se avaliasse a qualidade da seda. Olhando para o rosto do primeiro-ministro, disparou: “Esse aqui tem a cara do Collor e do Maluf juntos!”. Berlusconi não entendeu nada. “Che cosa ha detto?”, indagou. O carioca Sérgio Xavier Ferreira, que estava ao lado do ex-presidente, atuando como intérprete, imediatamente atalhou. “O presidente elogiou muito sua gravata”, respondeu. No dia seguinte, Il Cavaliere mandou uma caixa com 50 gravatas daquelas como presente para Lula.

A história ilustra o papel essencial — e nem sempre discreto — assumido pelos tradutores à medida que a diplomacia presidencial se tornou mais ativa nas ações de política externa. Entre os intérpretes, Sérgio Ferreira, que traduzia para Lula desde 1992 e era petista, tornou-se uma lenda porque fazia um trabalho muito além de traduzir e interpretar o que Lula falava. Ferreira polia frases, sofisticava o vocabulário, tornava compreensíveis as metáforas de futebol e casamento frequentes em seus discursos, assim como dava graça, em outras línguas, às piadas de Lula, quando não as omitia, como no caso da gravata de Berlusconi.

(...) 

O fim do regime militar e os primeiros anos de redemocratização não deixaram mais espaços para o amadorismo. Com o fim da Guerra Fria, o andamento veloz da globalização e a criação de uma infinidade de agrupamentos de nações, a profissionalização da tradução tornou-se regra para países que, como o Brasil, tinham ambições na cena internacional. Os anos 1990 marcaram uma mudança substancial na maneira como o Brasil se colocava no plano internacional, e, de lá para cá, tradutores se tornaram tão presentes no gabinete e nas comitivas do presidente quanto os chanceleres.

Desde 1995, com a posse de Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto, até abril passado, os quatro presidentes brasileiros comandaram 449 visitas internacionais e receberam, no Brasil, centenas de chefes de Estado e governo. Michel Temer deverá completar a 450ª visita ao desembarcar em Singapura, no próximo dia 7 de maio. Só não houve mais visitas internacionais porque Temer, entre tantos incêndios para apagar em Brasília, pouco tempo teve para despender no exterior. E sua antecessora, Dilma Rousseff, tinha pouca disposição para se dedicar à política externa. Esses encontros entre chefes de Estado e governo — com olho no olho, leitura de expressões faciais, apertos de mãos, cochichos com assessores, sinais, mensagens em voz natural — ainda não foram superados pelos engenhos do mundo virtual.

(...)

Apesar da familiaridade com Lula, certa vez engasgou quando o presidente se referiu às comunidades de mulheres quebradeiras de coco de babaçu para uma plateia de empresários estrangeiros. Rapidamente, encontrou uma versão adequada em inglês: “coconut cracking women”. Lula percebia seu esforço. Em um jantar oficial, enquanto falava com um chefe de Estado, picou o pão em pedacinhos, passou manteiga em cada porção e as deu a Ferreira, uma a uma, como se fosse seu canário do reino.

Ferreira chegou ao Palácio do Planalto de “salto alto”, lembram funcionários do gabinete presidencial daquela época. Assinara um contrato como assessor especial do gabinete da Presidência, cargo de confiança para o qual estava prevista a remuneração como DAS-5, o segundo patamar mais alto. Estava orgulhoso disso. Tanto que passou a corrigir os demais servidores quando era chamado de “tradutor”. Sarcásticos por natureza, os diplomatas passaram a referir-se a ele, as suas costas, como “DAS-5”.

Na primeira participação de Lula na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, que o Planalto demorara a confirmar, Ferreira brigou com o chefe do cerimonial da Presidência, o embaixador Paulo César Oliveira, no lobby do Waldorf Astoria, porque fora hospedado em um hotel vizinho. Com o passar dos tempos, Ferreira percebeu que sua condição de “assessor especial da Presidência” o impedia de fazer outros trabalhos de tradução e diminuía sua renda.

Ferreira tentou salvar Lula de várias gafes. Algumas vezes, não conseguiu. Em novembro de 2003, em visita oficial à Namíbia, o então presidente afirmou em discurso que estava surpreso “porque quem chega a Windhoek não parece estar num país africano. Poucas cidades do mundo são limpas e bonitas (como esta)”. Ferreira interrompeu o raciocínio do presidente, dando-lhe uma chance de refazer a frase controversa, e disse que não o estava entendendo. Lula retomou: “A visão que se tem da África é de que são todos pobres”. O tradutor omitiu o que Lula dissera sobre Windhoek ser uma capital limpa, apesar de africana e pobre. Somente os brasileiros entenderam o deslize. Lula costumava chamar Ferreira de “meu dublê” e o salvava com frequência dos seguranças estrangeiros que, quase sempre, barravam a passagem do tradutor.

Às vezes, a carga de humor de Lula também se perdia na tradução. Em 2007, durante uma coletiva de imprensa ao lado de George W. Bush, em São Paulo, Lula descontraiu-se suficientemente para dizer que o chanceler Celso Amorim e a secretária de Estado Condoleezza Rice deveriam ser trancados em uma sala até atingirem o “ponto G” da negociação da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca). O tradutor verteu a expressão para “dot G”, que nada tinha a ver com a conotação erótica dada por Lula que, em inglês, seria “G spot”. Enquanto os jornalistas brasileiros e o próprio Lula riam, Bush e a delegação americana só entenderam a piada mais tarde, quando propriamente traduzida.

(...)

Época
 

 

sábado, 17 de dezembro de 2016

Fora Tender

Só um governo popular teria a sensibilidade de conectar os cofres públicos diretamente ao coração sofrido das empreiteiras


Denunciado novamente na Lava-Jato, Lula soltou uma nota, por intermédio de seu Instituto, criticando os procuradores da operação. Um trecho dela diz o seguinte: “Os procuradores da Lava-Jato não se conformam com o fato de Lula ter sido presidente da República.”  Esse argumento encerra toda a polêmica: os playboys da Lava-Jato não suportam a ideia de viver num país onde o poder já esteve nas mãos de um pobre. Felizmente, o ex-presidente tem amigos ricos, um partido rico e um instituto rico para bancar os advogados milionários que redigiram esse argumento matador. A nota complementa: “Para a Lava-Jato, esse é o crime de Lula: ter sido presidente duas vezes. Temem que em 2018 Lula reincida nessa ousadia.”

Fim de papo. Está na cara que é essa a motivação do pessoal de Curitiba: se vingar de um nordestino petulante [preguiçoso e ladrão]  cortar as asinhas dele. Mas este não é um país só de playboys fascistas e rancorosos. Ainda há espaço para a bondade e a fraternidade, como mostra a planilha “Amigo” da empreiteira progressista, socialista e gente boa Norberto Odebrecht.

Amigo era o codinome de Lula, a quem Marcelo Odebrecht contou ter dado dinheiro vivo alguns milhões de reais, como acontece em toda amizade verdadeira. Eis o flagrante contra os procuradores elitistas da Lava- Jato: eles não aguentam ver um pobre com dinheiro na mão.  Enfim, um brasileiro humilde que teve a chance de transformar sua roça num belo laranjal onde pôde plantar seus amigos, como dizia a canção, e também seus filhos, e os amigos dos filhos. Em lugar dos discos e livros, que não eram muito a dele, plantou Bumlai, Suassuna, Bittar, Teixeira e outros cítricos. A colheita foi uma beleza.

Empreiteiras e grandes empresas em geral costumam irrigar candidaturas de todos os matizes — como apareceu na delação da Odebrecht — no varejão eleitoral. Mas uma sólida amizade só se estabelece com retribuição farta e foi aí que o homem pobre, com sua proverbial generosidade, resolveu retribuir com a Petrobras. Nunca antes neste país se hipotecou tamanha solidariedade ao caixa das empreiteiras amigas. Só mesmo um governo popular teria a sensibilidade de conectar os cofres públicos diretamente ao coração sofrido do cartel.

Não dá mesmo para engolir um presidente que põe o bilionário BNDES, antes elitista e tecnocrático, para avalizar esses laços de amizade profunda — do Itaquerão a Cuba, de Belo Monte à Namíbia. Ver um sorriso iluminando o rosto cansado de um presidente da OAS não tem preço. O que ele entrega de volta tem preço — mas isso é com o Maradona. Aqui só vamos falar de sentimento.

Ai, como se sabe, o pior aconteceu. A direita nazista que tomou conta do Brasil, mancomunada com os androides da Lava-Jato, deu um golpe de estado contra a presidenta mulher — só porque ela manteve os laços de amizade criados por seu mentor, dando uma retocada de batom e ruge nas contas públicas que estavam com cara de anteontem. Quem nunca escondeu umas cartinhas do baralho para surgir com um royal straight flash? Não tem nada de mais. Parem de perseguir quem rouba honestamente. O Brasil caiu em recessão porque quis.

Para defender o legado precioso do homem pobre e da mulher valente, militantes aguerridos foram às ruas lutar contra a PEC do Fim do Mundo. De fato, essa ideia de botar as contas públicas em ordem sem usar batom e ruge é o fim do mundo. Mas os protestos são pacíficos. O pessoal só joga pedra e coquetel molotov para dissuadir os que pensam em usar a violência. Eles desistem na hora.

Esse governo branco, careta e de direita botou para tomar conta da Petrobras, do BNDES, do Tesouro, do Banco Central, enfim, das joias da Coroa, gente que não tem o menor espírito de amizade. Grandes brasileiros como Cerveró, Duque e Youssef estão tendo sua memória desrespeitada por práticas hediondas, que negam aos companheiros a oportunidade de agregar um qualquer. Essa elite branca é egoísta mesmo.

Agora vêm com esse papo de reforma previdenciária. Não acredite no que eles falam. Confie nesses discursos que você recebe por WhatsApp dizendo que o rombo da Previdência não existe. De fato, todos os países do mundo estão passando por problemas fiscais causados pelo sistema de aposentadoria, por conta do crescimento demográfico das últimas décadas e do envelhecimento populacional. Menos o Brasil.

Como se vê, não faltam boas causas para os atos cívicos dessa gente indignada e espontânea, sempre pronta a barbarizar em defesa da paz e da amizade. Chega de baixo astral. Cada dia que o maior amigo da nação amanhece à solta é um milagre. A militância há de sair às ruas para celebrar tal graça, neste que ficará conhecido como o Natal da Mortadela. Fora Tender!


Fonte: Guilherme Fiuza, O Globo

domingo, 5 de junho de 2016

Estação espacial chinesa na Patagônia é motivo para alarme?

Base de monitoramento espacial operada por uma unidade do Exército chinês na província de Neuquén, na Patagônia, tem inauguração prevista para março de 2017

A China está construindo uma base de monitoramento espacial no coração da Patagônia argentina. O projeto deve ficar pronto em março de 2017, mas já está tirando o sono de muitos analistas dentro e fora do país, principalmente nos EUA. A maior preocupação é que a tecnologia instalada na base seja usada para fins militares. A operadora do projeto, a estatal chinesa Satellite Launch and Tracking Control General (CLTC) é um braço do Exército Popular da China.

A ligação militar é o que diferencia a base chinesa de um projeto semelhante inaugurado em 2012 pela Agência Espacial Europeia, uma entidade civil, na província de Mendoza, mais ao norte do país. Como a estação chinesa será administrada por uma divisão do Exército chinês, analistas acreditam que não se pode descartar o eventual uso militar das tecnologias de monitoramento instaladas na Patagônia.

A estação fica perto da cidade de Bajada del Agrio, na província de Neuquén, em uma área de 200 hectares. A base foi equipada com duas antenas parabólicas direcionáveis de 13,5 metros e 35 metros, capazes de explorar o “espaço profundo”, instalações de computação e engenharia, alojamentos para a equipe técnica e uma usina de energia elétrica que custou à China US$ 10 milhões. O governo chinês tem outras três estações espaciais internacionais — na Namíbia, Paquistão e Quênia –, mas nenhuma com equipamentos tão sofisticados.

O acordo de cooperação autorizando o projeto foi assinado pela ex-presidente argentina  Cristina Kirchner e pelo presidente chinês Xi Jinping em abril de 2014 e ratificado pelo Congresso argentino em votação apertada em fevereiro do ano passado (133 votos a favor e 107 contra). Agora, pressionado, o novo governo de Mauricio Macri tenta renegociar com Pequim mudanças no contrato para garantir que a base não seja usada para fins bélicos ou de inteligência.

De acordo com o contrato, a base na Patagonia será, na prática, parte do território soberano chinês pelos próximos 50 anos. A Comissão Nacional de Atividades Espaciais (Conae), agência argentina encarregada do programa espacial do país, terá acesso a apenas 10% do tempo de uso das antenas chinesas para desenvolver seus próprios projetos. No contrato, a Argentina se compromete em “não interferir ou interromper as atividades normais levadas a cabo no local”.

O jornal argentino La Nacion diz que Macri orientou seu embaixador em Pequim, Diego Guelar, e sua chanceler Susana Malcorra a convencerem o governo chinês a incluir uma cláusula no acordo garantindo que a estação espacial “não terá qualquer propósito militar”, linguagem que não aparece no acordo original. Macri espera chegar a um acordo com os chineses antes de viajar a Pequim em setembro deste ano para a cúpula dos líderes do G-20, onde se reunirá com Xi.

As autoridades chinesas afirmam que a estação servirá apenas para explorar o espaço e apoiar uma missão lunar que a China pretende realizar no ano que vem. No entanto, situada na mesma linha longitudinal que cidades importantes da costa leste dos EUA, como por exemplo a capital, Washington, DC, as antenas chinesas na Patagonia estão bem posicionadas para interferir com o funcionamento de satélites equatoriais que atendem à costa leste dos EUA, o principal rival do gigante asiático. A desconfiança dos EUA com o programa espacial chinês é tamanha que em 2011 o Congresso proibiu a Nasa de colaborar com os cientistas chineses, uma medida que ainda vigora.

A pedido da revista Diplomat, um especialista em comunicações espaciais analisou as imagens aéreas da estação chinesa e confirmou que as duas antenas poderiam ser usadas “para monitorar satélites geoestacionários” e que, operadas em conjunto, poderiam “interferir com satélites de comunicação, redes elétricas, sistemas eletromagnéticos, além de receber informações sensíveis sobre o lançamento de mísseis e outras atividades espaciais, como a movimentação de aviões-robô ou armas estratégicas”.

Aumentando ainda mais a desconfiança, a estatal chinesa que construiu a base na Patagonia é a China Harbour Engineering Company, uma subsidiária da China Communications Construction Company, que tem atuado na construção de outro projeto polêmico: as ilhas artificiais chinesas em territórios disputados do Mar da China Meridional.


Há quem defenda que o novo empreendimento chinês na Patagônia deve ser visto simplesmente como uma extensão lógica das ambições pacíficas de exploração espacial de um gigante em ascensão. De acordo com esse pensamento, a China merece o mesmo voto de confiança dado a outros países desenvolvidos que exploram o espaço. No entanto, o histórico da China de ocultar as reais intenções do seu governo autoritário, seja na construção de ilhas artificiais em águas disputadas, seja no furto de propriedade intelectual, ou nas investidas no mundo cibernético sugerem que há bons motivos para questionar as verdadeiras intenções dos chineses na Patagônia.

Fonte: Opinião & Noticia 

 

 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Aborto = um dos atos mais covardes que uma mulher pode praticar = assassinato de um SER HUMANO INOCENTE e INDEFESO - qual a diferença entre uma mãe que pratica o aborto e um executor do Estado Islâmico?



Sobre o aborto
Quem sabe agora, diante do desastre e da gritaria, tomem vergonha e tenência
A epidemia de zika e o aumento explosivo do número de casos de microcefalia puseram na ordem do dia o debate sobre a descriminalização do aborto. Da escuridão, às vezes, nasce a luz: tenho a impressão de que, em menos de um mês, foram publicados mais artigos e entrevistas sobre o assunto do que nos dez anos anteriores.
Amaldiçoado com uma das classes políticas mais cínicas e calhordas do mundo, que foge de qualquer tema que possa desagradar aos religiosos, o Brasil está se devendo essa discussão há tempos — mas a simples menção da palavra “aborto” basta para que os nossos legisladores, salvo raras e heroicas exceções, virem para o lado e façam cara de paisagem. Pouco importam, para eles, as vítimas da sua covardia. Quem sabe agora, diante do desastre e da gritaria, tomem vergonha e tenência. [a alegada covardia dos legisladores, citada neste texto,  é a forma mais eficaz para o combate da mais covarde das covardias, aquela que uma mãe comete quando concorda em assassinar um filho que ainda está no seu ventre, totalmente inocente, indefeso e dependente.]

Interromper uma gravidez, em qualquer situação, é prerrogativa da mulher. A maioria dos países do Primeiro Mundo — aqueles que melhor resolveram as suas desigualdades econômicas e sociais — já reconheceu isso. [quer dizer que um país ao se tornar país do primeiro mundo, também   se torna DONO do direito de assassinar covardemente os que não podem se defender;
Se os países do primeiro mundo assassinam crianças NÃO NASCIDAS e são tomados como exemplo de competência na resolução de suas desigualdades, fica difícil de entender que as barbaridades cometidas pelo Estado Islâmico (repudiamos aquele estado e as barbaridades que pratica)  sejam repudiadas pelos mesmos países.
Ou será que a ilustre articulista considera menos covarde, menos cruel, assassinar uma criança ainda no VENTRE MATERNO do que assassinar um adulto que caiu nas mãos daquele bárbaro estado?
Se não é reprovável aos países do primeiro mundo assassinar crianças – assassinar crianças é reprovável em qualquer circunstância e mais ainda quando se trata de crianças ainda não nascidas -  , não tem sentido considerar reprovável que o Estado Islâmico, quarto ou quinto mundo, assassine adultos.] O aborto é legal, sem restrições, em toda a América do Norte, na Europa (com as significativas exceções da Polônia e da Irlanda), na Austrália e numa boa parte da Ásia, para não falar em países que nem são tão desenvolvidos assim, mas que têm feito um esforço nesse sentido, como nosso vizinho Uruguai ou a África do Sul.

Em outros, como Índia, Japão ou Islândia, foram estabelecidos limites de tempo para a interrupção da gravidez, mas mesmo esses limites podem ser flexibilizados em casos de doença grave da mãe ou do feto, ou circunstâncias socioeconômicas adversas. Eles entendem que a maternidade é um compromisso para a vida inteira, e que um aborto é muito menos traumático, individual e coletivamente, do que uma criança indesejada.

O Brasil, porém, está alinhado com o Afeganistão, a Somália, a Líbia, o Sudão, o Mali, o Burundi, o Iêmen ou o Haiti, países onde a vida humana, caracteristicamente, vale muito pouco. Até Paquistão e Arábia Saudita, que tratam as suas mulheres feito lixo, têm leis melhores do que as nossas, para não falar numa quantidade de países da África subsaariana, como Zâmbia, Namíbia ou Quênia.

Digo que o Brasil precisa discutir o aborto, mas eu mesma, pessoalmente, não tenho mais ânimo para isso. Sei que existem pessoas boas genuinamente angustiadas com a sorte dos fetos alheios, para além de dogmas religiosos e falsos moralismos, mas essas pessoas têm sido minoria nas discussões acaloradas da internet.

Nessas discussões, as pessoas que mais se dizem horrorizadas com as mortes de fetos — chamando-os de “crianças” para maior efeito dramático, fingindo desconhecer o fato de que “crianças”, ao contrário de embriões, conseguem sobreviver fora do corpo da mãe — são estranhamente insensíveis às mortes das mulheres obrigadas a abortar em condições sub-humanas. [obrigadas? Elas abortam por opção, por falta do instinto materno, por crueldade, até mesmo por prazer e por não possuírem qualquer resquício de piedade. Para elas, a vida de uma criança, ainda no ventre materno – que deveria ser um abrigo seguro – não tem o valor de um pedaço de carne. Pode ser descartada.]  Para elas, a vida, tão preciosa dentro do útero, deixa de ter valor do lado de fora. Defendem a inviolabilidade da vida, e sustentam que a legislação brasileira, retrógrada ao extremo, basta para qualquer mulher; não veem contradição nenhuma em defender o aborto em casos de estupro e em gritar que toda vida é sagrada. Mas, se é, que diferença há entre os fetos gerados por estupro e os fetos gerados por amor? As “crianças” não são todas iguais? Hipocrisia é o nome do jogo.

Defender a criminalização do aborto é fechar os olhos para o fato de que quase um milhão de abortos são realizados anualmente no Brasil, com cerca de 200 mil internações decorrentes de procedimentos mal feitos; é ignorar as estatísticas mundiais que mostram que o número de abortos se mantém estável quando a legislação muda a favor da mulher; é contribuir para a desigualdade social, porque mulheres ricas continuarão fazendo aborto sempre que necessário. [a tese das malditas abortistas é que as crianças com microcefalia dão trabalho, causam incômodos durante a vida; a se consolidar este raciocínio, se pergunta: E quando vão passar a assassinar crianças com Síndrome de DOWN? Elas também dão trabalho, incomodam.]

Mas defender a criminalização do aborto é, acima de tudo, um ato de inacreditável soberba, que põe todos os “juízes” acima da mulher que optou por interromper a gravidez. Ora, fazer aborto não é uma decisão fácil ou leviana; nenhuma mulher faz aborto por esporte. Qualquer uma que chega a essa decisão já pensou muito, e já pesou, dentro da sua capacidade, os prós e contras da questão — mas os senhores e senhoras que a condenam acham que conhecem melhor as suas condições e os seus sentimentos do que ela mesma, e se acreditam no direito de castigá-la.

Quem pede a legalização do aborto não pede a ninguém que aborte ou seja “a favor do aborto”; pede apenas que seja dado às mulheres o direito de decidirem o seu futuro por si mesmas, sem correr riscos de saúde desnecessários, e sem que Estado ou Igreja se metam onde não são chamados.

Este assunto me tira do sério muito mais do que qualquer outro (ou, vá lá, quase qualquer outro) porque nele vejo, além da hipocrisia, muita maldade, falta de compaixão e todo o tipo de chicana moral e religiosa para continuar mantendo as mulheres na posição de submissão em que foram mantidas ao longo dos séculos.

A verdade é simples: a criminalização do aborto é um crime contra a mulher.
[E o aborto é um crime contra uma criança indefesa, inocente e ainda no ventre materno.]

Fonte: Artigo escrito por Cora Ronai, em sua Coluna mantida em O Globo, em 4/2/16.
Pedimos vênia pela transcrição; quanto a opção por replicar ponto a ponto é devido nossa veemente discordância aos que querem usar uma epidemia – a ZIKA – para defender o aborto.
Notícias mais recentes já deixam espaço para outras formas de atuação do vírus em sua capacidade de causar doenças, inclusive de ordem sexual.
Caso se comprove que o vírus ZIKA causa diversas outras doenças, sem nenhuma relação com a gravidez, as mulheres e homens que o contraírem também serão mortos?  


sábado, 3 de outubro de 2015

Uma aventura na África - documentos secretos do Itamaraty mostram os malfeitos de Lula

Documentos secretos revelam: Lula fez lobby para Odebrecht em licitação na Guiné

Os papéis do Itamaraty também mostram que o ex-presidente usou o nome de Dilma Rousseff junto a presidentes africanos 

 Na manhã de 13 de março de 2013, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarcou em São Paulo num jato Falcon 7x, fretado pela construtora Odebrecht, rumo a Malabo, capital da Guiné Equatorial. O país é governado há 36 anos pelo ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, com quem Lula mantém excelentes relações. Lula se encontrou com empreiteiros brasileiros, que reclamavam da demora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, e do Banco do Brasil para a liberação de financiamentos de obras na África. Em seguida, esteve com o vice-presidente da Guiné, Ignacio Milán Tang. Falou como homem de negócios. Disse que estava ali para conseguir contratos para a Odebrecht. Usou sua influência sem meias palavras. O mais poderoso lobista da Odebrecht entrava em ação.

A embaixadora do Brasil em Malabo, Eliana da Costa e Silva Puglia, testemunhou a conversa. “Lula citou, então, telefonema que dera ano passado ao Presidente Obiang sobre a importância de se adjudicar obra de construção do aeroporto de Mongomeyen à empresa Odebrecht (este aeroporto servirá às cidades de Mongomo, terra de Obiang, e à nova cidade administrativa de Oyala)”, escreveu a diplomata, em telegrama reservado enviado, logo depois do encontro, ao Itamaraty. “Adjudicar” é um termo jurídico comum em contratações de órgãos públicos. Costuma designar o vencedor de uma licitação. Em português claro, portanto, Lula havia pedido ao presidente da Guiné que desse a obra do aeroporto à Odebrecht. E, como bom homem de negócios, fazia, naquele momento, questão de reforçar o pedido ao vice-presidente.

O relato sigiloso da embaixadora em Malabo, revelado agora por ÉPOCA, é a evidência mais forte de que Lula, após deixar o Planalto, passou a atuar como lobista da Odebrecht, ao contrário do que ele e a empreiteira mantêm até hoje. ÉPOCA já havia mostrado, também por meio de telegramas do Itamaraty, que Lula fizera lobby para a Odebrecht em Cuba, junto aos irmãos Castro – chegara a usar o nome da presidente Dilma Rousseff para assegurar que o BNDES, continuaria financiando obras no país, como de fato continuou.

O caso da Guiné, no entanto, é ainda mais contundente. A diplomata brasileira flagrou Lula numa admissão verbal e explícita de que ele agia, sim, em favor da Odebrecht. Naquele momento, o governo da Guiné tocava uma licitação para as obras de ampliação do aeroporto. A Andrade Gutierrez, outra empreiteira brasileira, também participava da concorrência, mas não contou com a ajuda do ex-presidente. Lula, ao menos nesse contrato, tinha um único cliente. Um cliente VIP, de quem o petista recebia milhões de reaisapenas por palestras, garantem ele e a Odebrecht.

O telegrama da Guiné compõe um conjunto de documentos confidenciais, obtidos por ÉPOCA, sobre as atividades de Lula e da Odebrecht em países que receberam financiamento do BNDES. Esses papéis estão sendo analisados pelo Ministério Público Federal em Brasília. Como revelou ÉPOCA em abril, os procuradores investigam Lula oficialmente. Ele é suspeito de tráfico de influência internacional, um crime previsto no Código Penal, por atuar em benefício da maior construtora brasileira, envolvida no petrolão. 


Os documentos obtidos por ÉPOCA demonstram que Lula percorreu a África atrás de bons negócios para a Odebrecht e outras empreiteiras, das quais também recebia por “palestras”. Como no caso de Cuba, usou o nome de Dilma. Os papéis mostram, também, que Lula, ainda na Presidência, marcou reuniões de empresários africanos com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o que contradiz a versão do executivo sobre as relações do petista com ele e o banco.

Surgem cada vez mais fatos que contradizem  Lula e sua versão de que nunca fez lobby para a Odebrecht e outras empreiteiras. Na última semana, o ex-­presidente foi citado num relatório da Polícia Federal na Operação Lava Jato que mostra uma série de trocas de e-mails de executivos da Odebrecht. Numa dessas mensagens, enviada em fevereiro de 2009, o ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, diz a um assessor especial de Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, que o “PR fez o lobby” para a construtora numa obra na Namíbia, na África. “PR”, segundo os investigadores, significa Presidente da República, cargo ocupado por Lula na época dos fatos.

As reuniões de Lula na Guiné deram início a um tour de negócios pela África. Ele passaria em outros três países. Dois dias depois do encontro com o vice-presidente da Guiné, Lula chegou a Acra, capital de Gana. Foi recebido com pompa pelo chefe de Estado do país, John Dramani Mahama. Sem muitos rodeios, numa conversa privada, Mahama pediu o apoio de Lula para conseguir junto às autoridades brasileiras a liberação de uma linha de crédito no valor de US$ 1 bilhão destinada ao financiamento de projetos de infraestrutura. Segundo registro feito num telegrama reservado do Itamaraty, o presidente ganês “frisou que o  apoio do ex-presidente Lula a essa sua demanda serviria para facilitar e acelerar as necessárias negociações relativas à aprovação do crédito”.


Após ouvir atento o pleito de seu colega, o líder petista encontrou uma solução. Destaca a mensagem diplomática: “O ex-presidente Lula disse acreditar que o BNDES teria condições de acolher a solicitação da parte ganense e, nesse sentido, intercederia junto à presidenta Dilma Rousseff”. A pedido de Lula, o presidente de Gana entregou uma nota formalizando a solicitação de crédito. Quatro meses depois, no dia 19 de julho de 2013, o BNDES abriu seus cofres e liberou para um consórcio formado, sim, pela Odebrecht e pela Andrade Gutierrez a contratação de US$ 202,1 milhões (R$ 452,7 milhões, em valores da época) para a construção de uma rodovia em Gana. A taxa de juros do empréstimo é a segunda menor concedida pelo BNDES de um total de 532 operações voltadas para a exportação. O prazo para o pagamento da dívida também é camarada: 234 meses, ou seja, 19,5 anos, bem acima da média de 12 anos praticada pelo banco.

De Gana, Lula seguiu para Benin, acompanhado de empreiteiros presos na Lava Jato, como Léo Pinheiro, da OAS, e Alexandrino Alencar, da Odebrecht. Num encontro reservado com o presidente de Benin, Boni Yayi, Lula expôs as dificuldades para a liberação do empréstimo pelo BNDES para o país. “(Yayi) solicitou apoio do ex-PR Lula para a flexibilização das exigências do COFIG/BNDES”, diz um telegrama. O Comitê de Financiamentos e Garantias (Cofig) é o órgão que auxilia na análise de diversas demandas de operações de crédito para a exportação feitas no BNDES. Os empresários brasileiros tiveram a oportunidade de prospectar projetos de infraestrutura. “Embora o tom da visita, por parte do Instituto Lula, tenha sido mais de cortesia e amizade, o evento ajudou a dinamizar as discussões em torno da relação entre atores privados dos dois países e, principalmente, atraiu a atenção de empresários brasileiros para o potencial de investimentos no Benin”, diz o telegrama. A aventura de Lula na África era um sucesso.

O OUTRO LADO

Procurado por ÉPOCA para esclarecer os e-mails apreendidos pela PF, o ex-ministro Miguel Jorge disse que Lula agiu de forma apropriada. “Se o lobby é feito sem nenhum interesse de lucro pessoal, todo ex-presidente e ex-ministros deveriam usar sua influência em favor das empresas de seu país. Lula, por exemplo, cobra cerca de US$ 200.000 para dar uma palestra para cerca de 300 pessoas, sem promover um produto específico, enquanto o ex-presidente americano Bill Clinton cobra cerca de US$ 300.000”, disse. Questionado sobre o fato de Lula receber dinheiro da Odebrecht, sua maior cliente, para dar palestras em países onde a construtora possui obras financiadas pelo BNDES, Miguel Jorge respondeu: “Aí, é uma avaliação que não é tão fácil de fazer”.

O Instituto Lula, por sua vez, disse que processará jornalistas de ÉPOCA. “A diplomacia presidencial contribuiu para aumentar as exportações brasileiras de produtos e serviços, que passaram de US$ 50 bilhões para quase US$ 200 bilhões”, disse o Instituto. “Temos a absoluta certeza da legalidade e lisura da conduta do ex-presidente Lula, antes, durante e depois do exercício da Presidência do país, e da sua atuação pautada pelo interesse nacional”, disse o Instituto, em nota. Quanto à investigação do Ministério Público sobre Lula, o Instituto Lula afirmou que “há a afirmação textual do procurador de que não há elementos que comprovem nenhum ilícito e que a abertura do inquérito deu-se para estender o prazo”. Por fim, o Instituto disse que “não há o que comentar sobre supostos documentos mencionados pela revista sem ter conhecimento da íntegra desses documentos sem manipulações, para oferecer a resposta apropriada, se for o caso”.

O BNDES disse que “todos os contatos entre o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o então presidente Lula ocorreram dentro do papel institucional de cada um e da mais absoluta lisura”. Afirmou o banco: “Faz parte da rotina do presidente do BNDES receber empresários e representantes de países estrangeiros. A tramitação das operações de financiamento do BNDES obedece a um processo de análise rigoroso e impessoal, envolvendo mais de 50 pessoas, entre equipes técnicas e órgãos colegiados”.

Procurada, a Odebrecht Infraestrutura diz que mantém uma relação institucional com o ex-presidente Lula e que ele foi convidado para fazer palestras em eventos voltados a defender “as potencialidades do Brasil e de suas empresas”. A empresa diz que apresentou proposta para o projeto do Terminal do Aeroporto de Mongomoyen, na Guiné Equatorial, mas não foi vencedora na licitação. A construtora também disse que os trechos de mensagens eletrônicas apontadas em relatório da Polícia Federal apenas registram uma atuação institucional legítima e natural nos debates de projetos estratégicos para o país. A companhia lamentou a divulgação e “interpretações equivocadas dos e-mails”.

As investigações do Ministério Público Federal no Distrito Federal sobre a suspeita de tráfico de influência internacional praticado pelo ex-presidente e a Operação Lava Jato poderão confluir em algum momento. Os investigadores de Brasília já pediram à força-tarefa de Curitiba o compartilhamento de provas. Procuradores da capital federal apuram se os cerca de R$ 10 milhões pagos pelas empreiteiras envolvidas no Petrolão para a LILS, empresa de palestras de Lula, tiveram origem lícita e uma contraprestação de serviços. Caberá, portanto, ao Ministério Público indicar se há elementos que justifiquem a denúncia do ex-presidente.


Clique para saber mais sobre os malfeitos de Lula em Cuba - mais roubalheira

Ler na íntegra em Época

http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/10/documentos-secretos-revelam-lula-fez-lobby-para-odebrecht-em-licitacao-na-guine.html