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sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Os doze desafios hercúleos de Lula depois da vitória sobre Bolsonaro

Derrotar Jair Bolsonaro foi apenas a primeira tarefa de uma complexa e extensa lista de obstáculos que o presidente eleito terá pela frente

A sabedoria política ensina que muitas vezes é mais fácil ganhar uma eleição do que governar. 
No primeiro volume de suas memórias, o ex-­presidente americano Barack Obama conta que, após a vitória nas urnas, ele e sua equipe se questionaram se, diante da magnitude da catástrofe econômica, não deveriam ter preparado o país para as dificuldades que estavam no horizonte. 
Obama também lembra que, no dia em que foi empossado, ouviu num sermão que ele, como novo mandatário, seria lançado às “chamas da guerra” e da “ruína econômica”. O recado era claro: o desafio dele estava só começando. 
O Brasil não está em guerra, mas saiu da eleição de 2022 dividido, em clima de hostilidade e com focos de conflagração. 
O Brasil também não vive uma fase nova de ruína econômica, mas tem 33 milhões de pessoas com fome, 40 milhões de trabalhadores na informalidade e uma série de outros problemas, como um rombo gigantesco nas contas públicas. Eleito no último domingo, Lula terá, portanto, de enfrentar pelo menos doze desafios hercúleos em diferentes frentes, domésticas e externas (veja abaixo).  
Entre eles, o mais urgente é pacificar o país. Não será fácil.

Os sinais de dificuldade apareceram logo após a divulgação do resultado do segundo turno, no qual Lula recebeu 60 345 999 votos, novo recorde nacional, e Jair Bolsonaro, 58 206 354 votos, a menor diferença entre dois candidatos a presidente desde a redemocratização. Apoiadores de Bolsonaro, que se tornou o primeiro mandatário a fracassar na tentativa de reeleição, não aceitaram a derrota, bloquearam rodovias e, em alguns casos, passaram a defender uma intervenção militar a fim de impedir a posse de Lula, o único brasileiro a conquistar três vezes a Presidência em eleições diretas.[também o único brasileiro a se tornar presidente sendo ladrão, ex-presidiário, mentiroso doentio e outras coisas mais - todas negativas.]    Esses focos de insurreição ganharam corpo diante do silêncio do presidente em fim de mandato. Contrariando uma tradição democrática, Bolsonaro demorou 45 horas para se manifestar sobre o desfecho da votação e, quando o fez, entoou um discurso pouco assertivo. Sobre os bloqueios de rodovias, mostrou-se inicialmente compreensivo e solidário. “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, declarou, encenando o eterno papel de vítima — sem provas — de fraude. Em seguida, ele emendou uma recriminação tímida, afirmando que “manifestações pacíficas são bem-vindas”, mas que os atos não podem cercear o direito de ir e vir.

Em público, Bolsonaro não reconheceu a derrota nem citou nominalmente o presidente eleito. [nenhuma lei obriga o presidente Bolsonaro reconhecer derrota, falar sobre o adversário, passar a faixa presidencial - Bolsonaro continua presidente com mandato até 31 dezembro 2022 e o outro,  candidato eleito para o futuro mandato.] Mesmo assim, ele determinou, como manda a lei, o início formal da transição de governo.

A partir de agora, a faixa presidencial passará de forma gradativa do capitão, que tentará se manter como o principal líder da direita no Brasil (veja a matéria na pág. 42), para Lula, que escreveu um novo capítulo de redenção em sua biografia, depois de ter ficado preso 580 dias e ter sido proibido de disputar a eleição de 2018 em razão de condenação imposta no âmbito da Operação Lava-­Jato (veja a matéria na pág. 32). 

No discurso da vitória, como era esperado, o petista fez um apelo pela união nacional. “A partir de 1º de janeiro de 2023, vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”, declarou. Na campanha, Lula montou uma coligação de dez partidos e se apresentou como representante de uma frente ampla em defesa da democracia, em contraposição a Bolsonaro, que personificaria um projeto de extrema direita e autoritário.[enquanto o eleito faz discurso fake de união nacional, os petistas  querem vingança, com sangue nos olhos e faca nos dentes.]

Um dos desafios do presidente eleito é reproduzir o modelo eleitoral e formar um governo plural, capaz de dialogar com setores que têm resistência ao PT. Não faltam nomes para ajudar nessa empreitada, como a senadora Simone Tebet (MDB), a ex-ministra Marina Silva (Rede Sustentabilidade) e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB). Quatro vezes governador de São Paulo e candidato derrotado por Lula no segundo turno da corrida presidencial de 2006, Alckmin foi escalado para coordenar a transição de governo em razão de sua notória experiência administrativa. Também pesou na decisão a intenção do presidente eleito de dar credibilidade ao discurso de que o governo não será apenas do PT.

 Correndo contra o tempo, Lula também delegou ao petista Wellington Dias, senador eleito pelo Piauí, a negociação com o Congresso do Orçamento da União de 2023. O tema é espinhoso. Na quarta-feira passada, Dias confirmou que o salário mínimo terá reajuste acima da inflação. Outras promessas de campanha também devem ser cumpridas, como a manutenção do valor de 600 reais do Auxílio Brasil e a isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais por mês.[está chegando o Natal, época de Papai Noel e sempre haverá crédulos que o eleito vai cumprir essas promessas - o valor que o petista eleito prometeu para o Auxilio Brasil seria os R$ 600,00 de agora, mais R$ 150,00 para cada criança até seis anos.]

O problema é que essas medidas têm custo para os cofres públicos, e até agora não se sabe como serão financiadas. Relator da proposta de Orçamento, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), aliado de longa data de Lula, estima que faltem 100 bilhões de reais para fechar a conta de todas as despesas previstas. 
Este não é o único problema a ser resolvido por Lula, já que o petista também disse que acabaria com o chamado orçamento secreto, que prevê 19 bilhões de reais para deputados e senadores enviarem às suas bases eleitorais em 2023. 
Os parlamentares não aceitam abrir mão desses valores. Ciente disso, o presidente eleito trabalha com a possibilidade de negociar uma redução da quantia, além de uma regra determinando que parte do dinheiro seja destinada a áreas específicas, como saúde e educação. A forma como esse nó das emendas de relator será desatado pode definir as bases da relação entre Lula e o Congresso. “Está dado que as emendas de relator serão mantidas. Qualquer novidade terá de ser fruto de uma ampla negociação do Congresso com a nova equipe econômica”, disse Marcelo Castro antes de se reunir pela primeira vez com Wellington Dias.
 
Durante a campanha, Lula comparou o orçamento secreto a um esquema de corrupção, sem apresentar um caso específico de quem desviou dinheiro para o próprio bolso. Fez uma acusação baseada na falta de transparência e de fiscalização dos recursos, mas genérica.  
Em seus dois mandatos sim, conforme processos julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), houve compra de apoio parlamentar por meio do mensalão e do petrolão, os dois maiores escândalos de corrupção descobertos e punidos na história do país. 
O recurso ao suborno foi adotado porque o PT e seus aliados não tinham sozinhos votos para formar maioria no plenário. 
Em 2023, eles enfrentarão o mesmo problema. Na Câmara, por exemplo, as legendas da coligação eleitoral de Lula só elegeram 122 dos 513 deputados. Para ampliar a futura base governista, interlocutores do presidente eleito intensificaram conversas com representantes de siglas de centro, como o MDB de Simone Tebet, o PSD e o União Brasil. Petistas também dão como certo que parcela dos parlamentares do Centrão, grupo que apoiou Bolsonaro, aderirá ao governo porque não gosta de ser oposição nem sabe desempenhar esse papel.

Tudo dependerá dos termos do acerto. “Se o Lula se desvencilhar dos ortodoxos do PT, será bem-sucedido. Se segui-los, será derrotado”, diz um ex-parlamentar influente nas gestões petistas, que pediu para não ser identificado. “Se o Lula botar a cabeça no lugar, dividir o Centrão e atrair o chamado centrinho, o quadro será diferente”, acrescentou. Desde a sua fundação, o PT sempre foi acusado de ter postura hegemônica e dificuldade para dividir o poder. A conjuntura do país, que está rachado e desmantelado, forçou Lula a buscar novas alianças. A dúvida é se os novos parceiros de centro e de direita abraçados durante a campanha eleitoral conseguirão impor algumas de suas ideias, sobretudo no campo da economia. Alguns deles são favoráveis a que o presidente eleito tente aprovar uma reforma administrativa, como forma de conseguir uma folga fiscal que permita a ampliação dos programas sociais e das medidas de combate à fome. O tema sempre enfrentou a rejeição de servidores públicos e da base petista, mas esses mesmos grupos foram contrariados em 2003, quando Lula, em seu primeiro ano de mandato, aprovou uma reforma da Previdência.

Na época, havia a necessidade de dissipar as dúvidas do mercado e demonstrar compromisso com a responsabilidade fiscal, o que também ocorre agora. Os novos aliados, sobretudo economistas liberais, também defendem a manutenção do teto de gastos (veja matéria na pág. 52). “A prioridade na área econômica será a volta ao respeito ao teto de gastos, porque isso é que vai viabilizar a volta da confiança e, em consequência, um crescimento sustentável”, diz Henrique Meirelles, presidente do Banco Central no governo Lula. 

Além de tentar reduzir a miséria e impulsionar o PIB, que cresceu em média pouco mais de 4% em seus dois mandatos, Lula terá de lidar com outra dezena de missões complicadas. Uma delas é devolver protagonismo no cenário externo ao Brasil, que se tornou um “pária internacional” na gestão de Bolsonaro, conforme expressão cunhada pelo ex-chan­celer bolsonarista Ernesto Araújo. Outra é melhorar a imagem do país no que diz respeito ao meio ambiente.

(...)

Quando deixou a Presidência, em 2010, Lula costumava se gabar de ser o presidente mais popular da história do país. Dez anos depois, ele conquista o direito de retornar ao cargo apesar de ser rejeitado por pelo menos 40% da população, segundo as pesquisas. Boa parte dos apoios que recebeu durante a campanha não foi motivada por concordância com suas propostas, até porque poucas foram apresentadas ao eleitorado, mas por aversão a Bolsonaro e sua retórica autoritária. Com a saída de cena do capitão, a manutenção desses apoios dependerá do desempenho do novo governo no enfrentamento de problemas tão diversos e complexos. A volta por cima — do petista e do país — ainda depende da superação de desafios hercúleos. Perto deles, ganhar de Bolsonaro foi apenas o começo.

OS DOZE TRABALHOS
A lista de desafios que Lula terá de enfrentar

1 REDUÇÃO DA POBREZA
Como em 2002, Lula considera prioridade combater a miséria e acabar com a fome, que atinge 33 milhões de brasileiros, segundo estimativa repetida por ele durante a campanha. Além da preservação do Auxílio Brasil nos moldes atuais, pretende-se estimular a geração de empregos, por meio da retomada de grandes obras de infraestrutura, e o empreendedorismo na base da pirâmide social, com a ajuda de bancos públicos

2 PACIFICAÇÃO DO PAÍS
O Brasil está rachado, como ficou claro no resultado do segundo turno, decidido pela menor diferença de votos desde a redemocratização. Quando governou o país, Lula adotou a estratégia do “nós contra eles” e falou em exterminar o DEM. Alvo de retórica parecida, o petista estendeu a mão na campanha a antigos adversários, como Geraldo Alckmin e Simone Tebet, com os quais conta para estabelecer um diálogo entre o futuro governo e setores que rejeitam o PT

3 GOVERNO PLURAL
Eleito por uma coligação formada por dez partidos, de esquerda e de centro, Lula disse durante a campanha que não fará um governo do PT, mas em linha com a frente democrática que representa. O histórico petista, no entanto, é um dos obstáculos para que esse modelo plural se torne realidade. Além das brigas internas, em seus governos o partido sempre ocupou os principais cargos, relegando aos aliados postos de pouca expressão

4 ORÇAMENTO SECRETO
Lula prometeu acabar com o mecanismo, chamado de grande esquema de corrupção em sua propaganda eleitoral. Ele nunca explicou como resolverá a questão, mas adiantou que tentará reduzir a quantidade de verbas orçamentárias reservadas para as emendas de relator, de cerca de 19 bilhões de reais em 2023, ou pelo menos obrigar que elas sejam destinadas a áreas prioritárias, como saúde e educação

5 CRESCIMENTO ECONÔMICO
Nos dois mandatos de Lula, o PIB cresceu pouco mais de 4% ao ano, a melhor média em décadas. Na ocasião, o cenário externo era favorável, o que não ocorre agora. A dúvida, ainda não esclarecida, é qual será a política econômica e o receituário para estimular a atividade econômica. Poucas pistas foram dadas. Entre elas, a retomada de grandes obras, o estímulo às micro e pequenas empresas e a promessa de uma reforma tributária

6 EQUILÍBRIO FISCAL
Lula terá de conciliar o compromisso de governar com zelo pelas contas públicas às promessas de manter o valor de 600 reais do Auxílio Brasil e de isentar do imposto de renda quem ganha até 5 000 reais por mês. Uma das ideias em estudo é aprovar uma regra que permita desrespeitar o teto de gastos no caso de algumas despesas específicas, como o programa de transferência de renda. Henrique Meirelles, um dos cotados para o ministério, é defensor do teto

7 DESCONFIANÇA DOS MERCADOS
Nas poucas vezes em que se manifestou sobre economia na campanha, Lula desagradou a investidores por defender a revogação do teto de gastos, a revisão da reforma trabalhista e rechaçar as privatizações. Numa tentativa de tranquilizar os mercados, garantiu que haverá responsabilidade fiscal, como em seu primeiro mandato. A resposta não é satisfatória, mas há boa vontade do outro lado do balcão. No dia seguinte à vitória, o dólar caiu, e a bolsa subiu

8 REFORMAS
No seu primeiro mandato, Lula aprovou uma reforma da Previdência. Mais tarde, ele também tentou votar uma reforma tributária, mas fracassou. Uma nova ofensiva para mudar o sistema de impostos é dada como certa, mas há um projeto mais ambicioso: alguns aliados defendem uma reforma administrativa, que sempre foi rechaçada pelo PT. Com ela, dizem, será aberto espaço fiscal para bancar programas assistenciais dentro do teto de gastos

9 PODERES
O país experimentou um ambiente permanente de faroeste institucional. Lula promete baixar a temperatura, apostar no diálogo e aprofundar laços com alguns representantes das cúpulas do Legislativo e do Judiciário, aos quais credita a retomada de seus direitos políticos e boa parte da resistência à pregação autoritária de Bolsonaro. A meta é consolidar pontes, inclusive com parlamentares e magistrados que lhe fizeram oposição no passado

10 IMAGEM INTERNACIONAL
Lula conta com o prestígio que amealhou em seu governo para devolver protagonismo no cenário externo ao Brasil, que se tornou um pária internacional na gestão de Jair Bolsonaro, conforme definição do ex-chanceler Ernesto Araújo. Presidentes de países das Américas e da Europa já felicitaram o presidente eleito, que tem como fragilidade nessa seara a postura — que vai da benevolência ao apoio explícito — diante de ditadores amigos

11 CORRUPÇÃO
Os governos do PT protagonizaram os dois maiores esquemas de corrupção da história do país, o mensalão e o petrolão. Apesar disso, Lula não apenas se recusou a fazer um mea-culpa sobre escândalos como esgrimiu a tese de que ambos só foram descobertos porque as administrações petistas eram transparentes. Controversa, essa retórica ajuda a entender por que o presidente eleito tem tanta dificuldade para discorrer sobre o assunto

12 GOVERNABILIDADE
Os partidos da coligação de Lula elegeram 122 deputados federais e também não fizeram maioria no Senado. Ele, portanto, terá de negociar no Congresso a fim de aprovar projetos. As conversas com partidos de centro, como o MDB e o PSD, já estão em andamento. O desafio será firmar uma parceria dispensando mecanismos de cooptação de apoio parlamentar, sejam eles pretéritos, como o mensalão, ou atuais, como o orçamento secreto

Publicado em VEJAedição nº 2814 de 9 de novembro de 2022

Colaborou Hugo Marques



segunda-feira, 31 de outubro de 2022

O risco de um terceiro turno - Luciano Trigo

Gazeta do Povo - VOZES
 
O título deste artigo seria o mesmo caso Jair Bolsonaro tivesse vencido. Em uma eleição fadada a ser decidida por uma diferença mínima de votos, e na qual os laços do eleitorado com os dois candidatos têm componentes emocionais e psicológicos profundos, fosse qual fosse o vencedor ele teria pela frente o desafio de lidar com a rejeição de dezenas de milhões de brasileiros.
 
 
Foto - Reprodução/Instagram

Bastaria esse fator para prolongar a polarização da campanha eleitoral para muito além do fechamento das urnas, em um anunciado terceiro turno. Foi, aliás, o que aconteceu na eleição passada, quando o terceiro turno começou na mesma noite da divulgação do resultado – e se prolongou pelos quatro anos seguintes. Tivesse sido Bolsonaro reeleito, seguramente essa situação também se repetiria pelos próximos quatro anos.

Mas não é só isso. Tendo sido Bolsonaro o perdedor, seu eleitorado se sente no direito de achar que o processo eleitoral não foi justo nem isonômico (por via das dúvidas, atenção, censores de plantão: aqui e no restante deste artigo, não estou afirmando que algo aconteceu, estou dizendo que está é a percepção generalizada entre os eleitores do presidente).[fazemos nossas as palavras destacadas em itálico negrito e entre parênteses do articulista  ao  tempo perguntamos: 'foi justo e isonômico um processo eleitoral em que a repartição pública encarregada de administrar as eleições, proibiu a um dos lados praticamente tudo e ao outro permitiu quase tudo??? Um exemplo: a campanha do presidente Bolsonaro não pode veicular vídeo no qual o candidato do outro lado agradecia a natureza pela covid-19; quando o descondenado percebeu que tinha falado besteira, conseguiu que o TSE proibisse a veiculação do vídeo na campanha eleitoral do presidente Bolsonaro.]

 Desnecessário detalhar aqui as reiteradas ocasiões em que, na percepção desse eleitorado, três atores que deveriam agir como fiadores da lisura e da neutralidade da eleição agiram de forma partidária, como cabos eleitorais de um candidato em detrimento do outro: a grande mídia, os institutos de pesquisa e a própria Justiça.

No eleitorado de Bolsonaro, foi generalizada a percepção de que o “sistemaestava disposto a tudo para eleger o outro candidato. Por exemplo, sob a alegação de defesa da democracia, a censura foi reabilitada. Em dois episódios dignos da ditadura militar, a Jovem Pan foi amordaçada, com vários jornalistas afastados, e um documentário sobre o atentado da campanha de 2018 foi proibido sem sequer ter sido assistido.

Enquanto isso, o consórcio da grande mídia e até ministros do Supremo deixavam clara sua preferência, e outro documentário, que afirmava que o atentado foi uma farsa, continuou sendo livremente exibido em plataformas de streaming.

Por sua vez, institutos de pesquisa que erraram miseravelmente no primeiro turno continuaram a divulgar números mirabolantes – por exemplo, ainda ontem apontavam empate técnico para governador em São Paulo como se nada estranho tivesse acontecido, e como se a sua credibilidade não tivesse sido comprometida.

Além disso, até as vésperas da votação, o programa eleitoral de um candidato espalhava sem qualquer cerimônia que o outro candidato planejava acabar com as férias e o décimo-terceiro salário, como se estivesse liberado para divulgar fake news, enquanto o programa eleitoral do outro não podia sequer mencionar alguns acontecimentos da nossa História recente, e jornalistas estavam proibidos de empregar determinadas palavras.

Por fim, uma denúncia bem fundamentada de sabotagem a mais de 140.000 inserções nas emissoras de rádio de um candidato no segundo turno, que pode ter impactado fortemente a votação no Nordeste, foi sumariamente rejeitada pelo mesmo órgão que ordenou uma operação de busca e apreensão contra empresários com base em prints de conversas em um grupo privado no WhatsApp.

Por tudo isso, é compreensível que a percepção de parte do eleitorado tenha sido de que o jogo não foi justo como deveria. Ainda assim, vale lembrar, Bolsonaro venceu com folga em três das cinco regiões do país - Sudeste, Sul e Centro-Oeste - e venceu apertado na Região Norte. Só perdeu no Nordeste. .

Um voto condicional
Por óbvio, o resultado das urnas deve ser respeitado, mas é ilusão acreditar que o eleitorado de Bolsonaro vai esquecer tudo isso. As condições objetivas para o terceiro turno estão dadas. Além de conviver com o inconformismo de 58 milhões de eleitores, o novo presidente enfrentará outros desafios nada triviais: primeiro, o de lidar com um Congresso majoritariamente conservador e de direita, bem como com governadores de oposição eleitos com folga – dois deles no primeiro turno – nos três maiores colégios eleitorais do país: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

E, principalmente: se não quiser sofrer um rápido desgaste, o novo governo terá de dar continuidade ao processo de recuperação da economia observado nos últimos meseso que pode ser particularmente difícil se considerarmos os sinais emitidos na campanha e a inevitável pressão que virá dos setores mais à esquerda do chamado campo progressista.

Estivéssemos vivendo uma recessão, com inflação e desemprego subindo, o candidato do PT teria vencido no primeiro turno. Mas o fato é que hoje os indicadores econômicos são positivos, existe a sensação de estabilidade e previsibilidade, e não haverá uma “herança maldita” sobre a qual jogar a culpa em um eventual cenário de deterioração econômica.

Não precisa nem chegar perto da tragédia vivida pela Argentina: se a inflação e o desemprego voltarem a crescer, se a trajetória de recuperação do crescimento do PIB for interrompida, se a gasolina voltar a subir – e torço, sinceramente, para que nada disso aconteça – a situação pode se complicar muito rapidamente, porque a população está cansada de crises.

É fácil visualizar milhões de brasileiros frustrados ou insatisfeitos voltando a ocupar as ruas, aos primeiros sinais de um revertério na economia. E chego aqui ao coração da matéria, ao cerne da questão: da mesma maneira que aconteceu em 2014, quando Dilma Rousseff foi reeleita em uma eleição apertada (mas muito menos apertada que a de hoje), o voto que decidiu a eleição de 2022 foi condicional. Em 2014, apesar das evidências em contrário, o eleitor volátil resolveu dar uma chance a Dilma, acreditando em suas promessas. Ela já começou o segundo mandato sob pressão.

Muito rapidamente, aquele mesmo eleitor entendeu que as promessas de campanha não iriam se cumprir. Como Dilma foi reeleita com a condição de entregar o que prometeu e não entregou [infelizmente, o descondenado eleito não vai conseguir entregarela perdeu rapidamente a base de apoio que a sustentava, no Congresso e na sociedade.

Todo mundo sabe o que aconteceu em seguida: veio o longo e sofrido processo de impeachment, e Dilma foi mais uma vítima da “maldição do Vice”Torço sinceramente para que o Brasil não tenha que passar por isso novamente, para que não haja nenhuma crise, para que a economia continue a prosperar com bases sólidas e responsabilidade fiscal, para o bem da população. Mas nem tudo pelo que a gente torce acontece, e algumas condições objetivas para um retrocesso econômico parecem dadas, até porque já foram anunciadas.

 

O tempo não anda para trás
Eu e muitas pessoas que conheço já passamos pela seguinte experiência: uma viagem que ficou na memória como tendo sido maravilhosa. Anos depois, a gente resolve repetir a mesma viagem, na expectativa de reviver as mesmas sensações, e é só derrota. Porque uma viagem não é só o destino: é também o timing, o contexto, a companhia, o momento que estamos vivendo.

Tenho a sensação de que, como os viajantes reincidentes, muitos eleitores foram motivados, em alguma medida, pela nostalgia, pelo desejo de recuperar as suas experiências subjetivas do período 2003-2010, quando, em uma bonança alavancada pelo boom das commodities, a economia brasileira efetivamente cresceu, e existiu a percepção de que programas de distribuição de renda foram eficazes em promover a justiça social de uma forma inédita no país (estou falando, repito, da percepções).

Como nas viagens, nossa memória em relação à política é seletiva: tendemos a ficar só com as lembranças boas e apagar do HD as crises e os escândalos de corrupção que marcaram aquele período.A campanha vencedora deste ano soube capitalizar essa nostalgia: apostou na esperança de uma volta a um passado idealizado na memória (ou na fantasia, no caso dos mais jovens), quando o amor triunfava e todos eram felizes.

Mesmo que isso fosse uma verdade objetiva, e não uma percepção subjetiva, o problema é que o tempo não anda para trás. O contexto, as circunstâncias e a própria sociedade brasileira são hoje completamente diferentes de 20 anos atrás. Basta dizer que em 2003 sequer existia direita no país: a esquerda era senhora absoluta das ruas e das redes sociais. Não havia um político conservador com a mínima capacidade de mobilizar o povo. A narrativa era hegemônica.

Hoje não é mais assim. Haverá, certamente, um período de festa e catarse, porque há muita energia represada. Mas, como sempre, em algum momento a realidade prevalecerá, porque ninguém vive de narrativa.Os boletos continuarão a chegar. Os problemas reais das pessoas não serão resolvidos em um passe de mágica: podem até piorar, caso a economia se descontrole. A lua-de-mel do eleitor casual com o novo governo pode durar pouco tempo.

Tomara que não aconteça, mas um risco real é que, como os viajantes citados acima, muitas dessas pessoas rapidamente passem a se perguntar: "Que estranho, da primeira vez que estive aqui foi tão legal... Por que agora não está dando certo, se derrotamos o Fascismo? Por que meu filho tem diploma universitário, mas não consegue emprego e passa o dia inteiro na internet? Por que não estou comendo picanha? Cadê a minha picanha???"

E, principalmente, no caso do eleitor minimamente preocupado com a liberdade de expressão:Por que não posso mais criticar o governo? Era tão bom poder falar qualquer coisa sem sentir medo, era tão bom poder chamar Bolsonaro de fascista e genocida sem que nada me acontecesse...”.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Os despachantes do PT no TSE e a paixão de Lula pela ditadura da Nicarágua - VOZES

J. R. Guzzo - Gazeta do Povo

O ex-presidente Lula, candidato a voltar ao cargo neste segundo turno das eleições, quer censurar de novo a Gazeta do Povo; exige que os seus sócios no TSE proíbam o jornal de publicar informações sobre fatos que quer manter escondidos do eleitorado brasileiro e que, para piorar tudo, são absolutamente verdadeiros. 
Comete mais um crime em flagrante contra a democracia, pois censura é crime, e faz uma bela exibição prévia de como o seu governo vai tratar a liberdade de imprensa se ele ocupar outra vez a presidência da República. Se hoje já se comporta desse jeito, ainda sem o “controle social sobre os veículos de comunicação” que quer impor ao país, o que vai fazer quando estiver mandando na polícia e no resto do aparelho de repressão do Estado?
 
A segunda agressão à Gazeta do Povo é tão perversa, grosseira e ilegal quanto foi a primeira.  
Qual é a lei em vigor neste país que autorize o TSE, ou qualquer outra autoridade pública, a censurar um órgão de imprensa? Não há nenhuma -absolutamente nenhuma. O que existe, ao contrário, é a expressa proibição da censura, segundo está escrito na Constituição Federal. 
Fica colocada, aí, a questão chave que a democracia brasileira tem no momento. Lula e os seus despachantes no TSE e no resto do alto Judiciário vão suspender a vigência da Constituição só no período eleitoral, como estão fazendo agora - ou vão continuar mandando a lei para a lata de lixo se ele for declarado vencedor das eleições de 30 de outubro?

Veja Também:
A diferença entre dois Brasis ficou evidente na contagem dos votos 

Lula e o STF salvarão a democracia? O embuste mais agressivo da história

O que está sendo feito contra a Gazeta do Povo é especialmente abjeto quando se considera a gritaria histérica que os ministros do STF, a esquerda em peso e a elite inimiga das liberdades tem levantado, nesse tempo todo, contra as amaldiçoadas fake news – segundo todos eles, a pior ameaça à democracia jamais aparecida no mundo desde o governo do imperador Nero, ou algo assim. 
Por conta disso, diziam, a liberdade de expressão teria de ser reprimida, para impedir a divulgação de notícias falsas. 
E em relação às notícias verdadeiras – o que os marechais-de-campo do “estado democrático de direito” sugerem que seja feito?  
O que se constata agora é que elas devem ser rigorosamente censuradas quando Lula, a esquerda e o “campo progressista” não quiserem que sejam publicadas. É o caso da censura contra a Gazeta - que lhe proíbe a publicação, em seu espaço editorial, de informações sobre o apoio que Lula sempre deu ao ditador Daniel Ortega, da Nicarágua. Não há nada mais distante de uma notícia falsa do que isso: a paixão Lula-Ortega está documentada em fotos, vídeos, áudios, declarações púbicas de ambos e até em notas oficiais do PT. 
O que mais seria preciso? Mas o ministro do TSE que faz a censura pró-PT diz que o apoio de Lula a Ortega é um fato “inverídico”. 
Como assim, “inverídico”?  É um deboche.

O fato é que Lula quer esconder da população coisas que tem feito há anos, em público, para representar o seu papel de “homem de esquerda” e, mais ainda, de “líder da esquerda mundial”. Fez isso em seu interesse, e para tirar vantagem própria. Disse que Ortega tinha o direito de ser presidente da Nicarágua pelo tempo que quisesse. Se pode “na Alemanha”, perguntou ele, porque não poderia na Nicarágua – como se uma democracia como a Alemanha pudesse ser comparada a uma ditadura primitiva da América Central. 

Ficou irado contra os presos políticos de Cuba que faziam greve de fome para cobrar um tratamento menos desumano em suas celas; fez questão de apoiar em público os carcereiros. Disse que o problema da Venezuela era o “excesso de democracia”. 
Agora, não tem coragem de sustentar o que sempre apresentou como “convicções”; ficou com medo de perder voto e quer apagar o que fez aplicando a censura. É este o salvador da democracia brasileira.
 
J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

A censura contra a Gazeta do Povo é um ato puramente ditatorial - J. R. Guzzo

Gazeta do Povo - VOZES

Os fatos, exatamente como eles são, provam além de qualquer dúvida razoável que está valendo tudo para devolver a presidência da República a um político condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, com vinte meses de cadeia nas costas e a fixação de ir à forra contra os que aplicaram a lei para punir os crimes pelos quais foi condenado na justiça brasileira.  

O comando dessa escalada funciona nos galhos mais altos do poder judiciário de Brasília, a partir da parceria STF-TSE
Decidiram, ali, que o próximo presidente tem de ser Lula e, para impor isso ao Brasil, negam-se sistematicamente a cumprir as leis, a começar pela Constituição Federal.  
Tudo o que ele exige para reprimir a palavra dos adversários, ou apenas dos críticos, é concedido imediatamente pelos sócios do STF-TSE; tudo que possa criar algum problema para a sua campanha é proibido. O espasmo mais brutal dessa agressão à democracia é a censura, agora sem nenhum disfarce, que acabam de aplicar contra a Gazeta do Povo.
 
A censura contra a Gazeta é um ato puramente ditatorial – ou como diriam os juristas, um “ato ditatorialmente perfeito”. Não há uma única sílaba, em toda a lei brasileira, que permita ao aglomerado STF-TSE fazer o que fez
Junto com outras vítimas, o jornal foi proibido de publicar no Twitter, que faz parte do seu espaço editorial, notícias sobre a expulsão da Nicarágua da rede de televisão CNN. 
Foram censuradas, também, quaisquer notícias ou comentários a respeito da notória perseguição à religião e a religiosos que vem sendo praticada pelo governo do país. 
Lula achou que isso pode prejudicar a sua campanha
Ele sempre insistiu em defender agressivamente, aos gritos, o ditadorzinho da Nicarágua e a sua ditadura; o PT, inclusive, publicou nota oficial para comemorar a eleição do companheiro após uma tempestade de fraudes e denúncias de todo o tipo.

 Mas agora Lula ficou com medo de que os seus amores com a Nicarágua possam tirar-lhe algum voto. Conclusão: mandou o TSE proibir a publicação de notícias sobre a tirania do parceiro - e o TSE obedeceu na hora. É ditadura em estado puro. 

A Gazeta do Povo é um órgão de imprensa, não uma “rede social”. Também não é nem candidata à eleição nenhuma. Apenas exerceu, ao escrever sobre a Nicarágua, o direito constitucional indiscutível, assegurado para a imprensa, de publicar as informações ou opiniões que queira – um advogado de porta de cadeia seria capaz de ver isso
O resultado concreto é que a “justiça eleitoral” proibiu um jornal diário com mais de 100 anos de história a publicar notícia sobre fatos conhecidos publicamente no mundo inteiro, já fartamente expostos em centenas de veículos da mídia mundial. Só na Gazeta não pode Lula e o TSE não deixam. É a volta ao Brasil da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, ou do AI 5. Qual a diferença?

A censura contra a Gazeta é um ato puramente ditatorial – ou como diriam os juristas, um “ato ditatorialmente perfeito”. Não há uma única sílaba, em toda a lei brasileira, que permita ao aglomerado STF-TSE fazer o que fez

Este é o Brasil que Lula e o PT querem, de verdade – o Brasil da censura e do cala-a-boca
Não é o que dizem na discurseira de campanha; é o Brasil que vão fazer se voltarem a mandar. Não tem nada a ver com “controle social dos veículos de comunicação”, ou outra mentira da mesma família. É censura mesmo e perseguição direta a um jornal que comete o crime, para eles, de ser independente e não se ajoelhar diante do PT, nem obedecer ao “consórcio nacional” que sonha com o dia em que o Brasil possa ter um órgão de imprensa só. Se isso que Lula, o PT e os seus sócios no STF-TSE acabam de fazer com a Gazeta não é censura, então o que seria censura neste país?  
 
Eles não querem, neste caso, que saia na imprensa nenhuma notícia informando sobre atos concretos e públicos praticados pela ditadura que governa a Nicarágua. 
Pronto: as notícias não saem. Isso é censurar. Não adianta conversa, aí: é censura direto na veia. Fica, então, a pergunta-chave: se Lula age desse jeito hoje, por que ele passaria a se comportar de modo diferente se chegar de novo à presidência?

A censura à Gazeta do Povo quer dizer, muito simplesmente, que no período eleitoral a Constituição não vale no Brasil e se não vale no período eleitoral, por que voltaria a valer depois?


Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
 
J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A diferença entre dois Brasis ficou evidente na contagem dos votos - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo


   

Foto: Gerson Klaina/Tribuna

Nenhum dos dois candidatos à presidência conseguiu definir as eleições no primeiro turno; está tudo adiado para segunda votação, no dia 30 de outubro, e até lá o Brasil vai continuar com o seu futuro em jogo. É possivelmente a escolha mais crucial que o país já teve em toda a sua história eleitoral terá de optar entre o esforço atual para continuar tentando resolver os seus principais problemas, com a perspectiva real de sair deles algum dia, ou, então, vai voltar a um tipo de governo que já foi experimentado há pouco, durante quase catorze anos seguidos, e acabou num desastre sem precedentes.
 A contagem dos votos deixou evidente, mais uma vez, a diferença entre os dois Brasis que estão aí. Tudo o que existe de mais avançado, mais vivo e socialmente mais equilibrado optou pela primeira alternativa e deu seu voto de confiança ao presidente Jair Bolsonarodo Mato Grosso ao Rio Grande do Sul. O que há de mais atrasado, da Bahia ao Maranhão, ficou do lado de Lula
Minas Gerais ficou no meio, entre um e outro, e o Norte tem peso eleitoral muito pequeno.
 
Lula, a esquerda e as elites que precisam do Brasil velho para sobreviver esperavam, naturalmente, um resultado diferente. Durante meses seguidos, numa lavagem cerebral nunca antes vista na história deste país, a confederação nacional das pesquisas eleitorais, o consórcio dos veículos de comunicação e tudo o que pode existir em matéria de “formadores de opinião” disseram que o ex-presidente ia ganhar no primeiro turno; nenhuma dúvida era admitida. 
Lula, até quase o dia da eleição, estava eleito com mais de 50% dos votos, já; Bolsonaro não passava dos 30%
Em seu redor já se distribuíam ministérios, faziam promessas e disparavam ameaças. 
O TSE e a ditadura judiciária do STF, por sua vez, fizeram todo o possível para beneficiar o candidato do PT; não há registro de uma eleição presidencial em que as autoridades eleitorais tenham sido tão abertamente parciais como na de 2022. 
 
Ficaram trabalhando até o último minuto; ainda na véspera da votação censuraram uma reportagem do site “O Antagonista” que divulgava conversas de apoio a Lula entre chefes do crime organizado. 
Não há nada na lei brasileira, absolutamente nada, que permita uma coisa dessas. 
Foi uma ilegalidade a mais – numa eleição que esteve durante o tempo todo sob a ameaça permanente de um inquérito policial conduzido pelo STF sem qualquer justificativa legal.

Lula, a esquerda e as elites que precisam do Brasil velho para sobreviver esperavam, naturalmente, um resultado diferente

Lula vai para o segundo turno com uma clara vantagem de retrospecto: nunca, desde que o Brasil voltou a ter eleições diretas para presidente, um candidato que chegou à frente no primeiro turno deixou de ganhar no segundo. Bolsonaro tem outra: nunca um candidato no exercício da presidência deixou de ser reeleito. 

O que valem, na verdade, uma coisa e outra? Não se sabe. Retrospecto funciona para corrida de cavalo, e mesmo assim não garante nenhum resultado futuro; o que vai importar, mais uma vez, é a capacidade que cada candidato tiver para definir uma maioria em seu favor.  

É essa maioria quem vai resolver a disputa. Será ela, também, quem vai pagar a conta de tudo. Sempre é.

J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


domingo, 19 de fevereiro de 2017

O Brasil sem crise do servidor público federal

A casta do funcionalismo público tem vários privilégios em relação ao empregado no setor privado, e, na crise, seus benefícios aumentaram

Tem raízes históricas o fato de o emprego público, em geral, ser um oásis no mercado de trabalho brasileiro. O servidor é protegido por leis autárquicas que lhe garantem virtual estabilidade — dadas as dificuldades para se demitir alguém por justa causa ou incompetência —, e, a depender da função, ainda tem acesso privilegiado a quem lhe pode melhorar o padrão de vida.

As corporações se articulam entre si. Um caso exemplar é do funcionalismo do Congresso, sempre muito bem tratado por quem faz as leis. Afinal, ele presta serviços a deputados e senadores, e o dinheiro que recebe é da “viúva”, não tem dono, segundo a distorcida percepção de quem vive dentro do Estado. O contribuinte não tem cara. Há ainda agrupamentos poderosos dentro da máquina burocrática que conseguem o mesmo. 

Judiciário, Ministério Público, auditores fiscais — capazes de derrubar a receita da Federação numa simples operação tartaruga —, funcionários do Banco Central etc. Não é por acaso que a maior renda per capita no país está em Brasília. Por isso, existem disparidades no próprio serviço público. Por exemplo, o salário inicial de um professor de nível médio, com jornada de 40 horas semanais de trabalho, foi, em 2016, de R$ 2.135,64, enquanto o do auditor fiscal em início de carreira, de R$ 15.743,64. 

A crise dos últimos três anos — a estagnação de 2014 e uma recessão na faixa de 8% no biênio seguinte —, a mais negativa série histórica do PIB brasileiro, pior que na Grande Depressão (1929/30), revelou outra faceta nesta comparação do Brasil do servidor público com o país do empregado no setor privado, a grande maioria.

Levantamento feito com base na Pesquisa por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE, revelado pela “Folha de S. Paulo”, mostra como este oásis do servidor público ficou ainda mais ameno na crise, em comparação com o deserto cada vez mais árido do país real. Em 2015, o servidor recebia um salário médio de R$ 3.152, quase 60% mais que o recebido no mercado formal (carteira assinada) do empregado privado. Já em 2016, com o PIB em queda livre, a diferença ampliou-se para 63,8%. Pois o rendimento médio do servidor, no ano passado, subiu 1,5%, enquanto o do empregado com base na CLT caiu 1,3%. [algumas categorias do Serviço Público Federal receberam aumentos residuais em 2016, fruto de perdas salariais respostas com atraso - os servidores das empresas privadas recebem reposição com mais agilidade o que impede parcelamentos.]


Prova de que o funcionalismo — principalmente o federal — está blindado contra crises. Os estaduais e municipais ainda podem ser atingidos pela crise fiscal, enquanto o empregador federal, a União, continua a se endividar para pagar salários e arcar com as demais despesas.

A explicação para a diferença de oscilação nos salários é que a estabilidade no emprego protege o servidor das demissões que a empresa privada tem de fazer para não falir. No momento, a diferença entre os dois mundos se agrava porque o governo Temer tem cedido à pressão de corporações de servidores e concedido reajustes impensáveis no universo privado. Até pagando bônus de produtividade a funcionários aposentados. Não bastasse a estabilidade. O país sairá da crise com esses dois brasis ainda mais distantes um do outro.
Fonte: Editorial - O Globo