Para
esclarecer: o inquérito em questão é o que apura o pagamento, pela
empresa coreana Samsung Heavy Industries, de uma propina de US$ 5
milhões ao deputado para fornecimento de navios-sonda para a Petrobras. Vamos ao que
pode e ao que não pode dar samba. O pedido de suspensão até que Cunha
conclua seu mandato me parece um despropósito. Ele é feito por analogia.
Como o parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição estabelece que o
presidente da República, “na vigência de seu mandato, não pode ser
responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”, a
defesa reivindica o mesmo para o presidente da Câmara, já que ele é o
terceiro na linha sucessória. Ou por outra: enquanto ele ocupar a
função, não poderia ser responsabilizado por qualquer coisa que tenha
feito antes. Os pagamentos a Cunha teriam sido feitos em 2011, e ele
assumiu a presidência da Câmara em 2015.
Não faz
sentido. A Constituição é explicita: a restrição vale para o presidente
da República. E, olhem lá, houvesse um mínimo de bom senso, deveria ser
relativizada. Afinal, o dispositivo foi posto na Constituição antes de
haver reeleição. Será que um presidente pode cometer crime para se
reeleger — pedaladas fiscais, por exemplo — sem ser responsabilizado por
isso? Será que foi isso o que quis dizer o Constituinte?
Não creio que Cunha vá ser bem-sucedido nisso. E as demais alegações? Podem dar
algum trabalho aos acusadores de Cunha. A defesa alega que a Operação
Catilinárias, deflagrada pela PF e pelo MPF, que colheu novos indícios
contra o deputado, foi deflagrada “no curso do prazo para a sua defesa”,
o que viola o devido processo legal. Nesse caso, argumentam os
advogados, as provas não poderão ser usadas, sob risco de nulidade do
processo.
Vamos ver. O
prazo de defesa de Cunha estava em curso? Estava. Há restrições legais
em casos assim? Há. O MPF, que tem de se manifestar sobre o pedido e
certamente vai se opor, deve alegar que Cunha não era “o” alvo e que
eventuais novos indícios contra ele foram uma contingência da operação. Eu diria que
a primeira alegação é um despropósito; a segunda pode render algum
calor, mas tende a ser recusada, e a terceira, bem…, a terceira
realmente provoca um bom debate jurídico.
No ambiente
de delação premiada, Julio Camargo, de fato, negou que Cunha tivesse
recebido propina. A afirmação foi feita depois, em depoimentos
complementares. Qualquer advogado sabe que, nesse caso, ele ficou no
estranho e inusitado papel de réu e de testemunha a um só tempo, o que,
evidentemente, coloca uma questão para o mundo do direito.
Só para
lembrar: Rodrigo Janot já entrou com uma ação cautelar no Supremo para
que Eduardo Cunha seja afastado da presidência da Câmara. A Procuradoria-Geral da República não se manifestou sobre a petição da defesa de Cunha porque disse que o fará nos autos.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo
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