O cientista político Sérgio Abranches, formulador inicial do conceito de
"presidencialismo de coalizão" em artigo de 1988 intitulado “O
Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro”, sobre
as origens do modelo político brasileiro e sua dinâmica
político-institucional, diante da crise política em que estamos metidos,
revistou o tema em recente artigo publicado em seu blog.
Abranches define que "o presidencialismo de coalizão requer um
mecanismo de arbitragem, de regulação de conflitos, que sirva de defesa
institucional do regime, assim como da autoridade presidencial e da
autonomia legislativa, evitando que as crises na coalizão levem a um
conflito irresolúvel entre os dois pólos fundamentais da democracia
presidencialista".
Para o cientista político, o
presidencialismo de coalizão "precisa ser refundado, em um momento
constituinte, fora do calor da crise, para que adquira novas capacidades
institucionais voltadas especificamente para criar mecanismos mais
ágeis e menos traumáticos que o impeachment". Ele analisa
os regimes chamados de semi-parlamentarismo (defendido pelo
vice-presidente Michel Temer) ou semi-presidencialismo, defendido pelo
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcus Vinicius
Coêlho, em vigor em Portugal e na França, para dizer que se for esse o
caso, o "regime de gabinete", como prefere chamá-lo, será preciso
"robustecer o processo eleitoral, para que ele seja mais representativo e
gere representações parlamentares mais responsáveis".
Já
no artigo original ele concluía que as “cisões internas e a
instabilidade a elas inerentes são naturais em qualquer governo de
coalizão, embora adquiram contornos mais graves em épocas de crise".
Requerem, portanto, "uma série de mecanismos institucionais e políticos
que regulem este conflito, promovam soluções parciais e estabilizem a
aliança, mediante acordos setoriais de ampla legitimidade”.
É elementar, salienta Abranches que, no presidencialismo, a
instabilidade da coalizão atinge diretamente a presidência. É menor o
grau de liberdade de recomposição de forças, através da reforma do
gabinete, sem que se ameace as bases de sustentação da coalizão
governante. No Congresso, a polarização tende a
transformar “coalizões secundárias” e facções partidárias em “blocos de
veto”, elevando perigosamente a probabilidade de paralisia decisória e consequente ruptura da ordem política. "Por isso mesmo, governos de
coalizão requerem procedimentos institucionalizados para solucionar
disputas interpartidárias internas à coalizão. É necessário que exista
sempre um nível superior de arbitragem".
Esses cenários
explicitariam, no limite, o fato de que o Império tinha no poder
moderador um mecanismo desse tipo. A Primeira República não adotou
mecanismo semelhante, mas buscou o equilíbrio por meio “da política de
governadores”, estabelecida por Campos Sales. O presidente representava a
coalizão majoritária de oligarquias estaduais. Os momentos de
instabilidade corresponderam, sempre, àqueles em que as oligarquias
centrais, se desentenderam.
E o Supremo Tribunal Federal, de modo similar e mais profundo que nos
EUA, torna-se, em parte, “poder moderador”, instância de mediação, para
garantir, no limite, a ordem constitucional.
Tem a
legitimidade e a autoridade derivadas de sua posição como um dos três
poderes da ordem republicana, encarregado de defender a ordem
constitucional como última e inapelável instância. Sérgio Abranches,
mesmo considerando que o STF agiu com prudência ao revalidar a
jurisprudência definida pela corte no impeachment do ex-presidente
Collor em 1992, para garantir a segurança jurídica ao processo, tem
críticas à decisão sobre o rito do impeachment.
Ele
avalia que, ao recusar-se a examinar as consequências
político-institucionais de longa duração de suas decisões, o STF acabou
por cometer dois graves erros, no quesito prudencial de preservar o
espaço da autonomia do Legislativo, quando invalidou a eleição da Câmara
para a Comissão Especial, e na observância de equilíbrio harmônico
entre os poderes, quando deu ao Senado um papel preponderante sobre a
Câmara.
Fonte: O Globo - Merval Pereira
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