Companheiro Vaccari,
Você não é Ramon Mercader. Como eu, houve poucos no mundo. Matei o Leon Trotsky em 1940, passei 20 anos na cadeia e não contei o que todos sabiam: acabei com o velhote a mando do Stalin. Quando saí da prisão, você tinha 2 anos, e quando morri, em 1978, você tinha acabado de se filiar ao sindicato dos bancários de São Paulo. Eu era um velho de 65 anos, e você, um garoto de 20. Não vou tomar seu tempo contando minha história porque, se você não leu “O homem que amava cachorros”, do cubano Leonardo Padura, peça-o a sua família. O final do livro não presta, mas de resto é coisa fina, sobretudo para quem está preso.
Vaccari, eu era do aparelho de segurança soviético, você era do braço do sindicalismo bancário petista, coisas inteiramente diversas. Daqui, já percebi que você, o José Dirceu e dois diretores da Petrobras (Duque e Zelada) estão em silêncio. No seu caso, a condenação está em 15 anos e deve aumentar. Se você tiver que pagar cinco anos em regime fechado, sairá da cela em 2020, aos 62 anos. Admiro sua resistência e seu vigor ideológico, mas escrevo-lhe para dizer que são fúteis.
Na cadeia, eu sabia que tinha sido condecorado com a Ordem de Lenin. Ao sair, fui proclamado “Herói da União Soviética”. Vivi bem em Moscou e em Cuba. Você nunca será um “Herói do PT”. Sua família sofre com sua prisão, enquanto minha mãe estimulava meu silêncio. Tudo o que o PT pode lhe oferecer são algumas visitas discretas de parlamentares. Não ouvi ninguém louvar publicamente seu silêncio. Durante os 20 anos que ralei, eu sabia que no dia 1º de maio a União Soviética desfilava seus foguetes na Praça Vermelha. Graças a artes do PT (e suas), o presidente do Brasil chama-se Michel Temer, e Dilma Rousseff vai morar em Porto Alegre.
Os empreiteiros que atendiam teus pedidos disseram coisas horríveis a teu respeito. Estão no conforto de suas tornozeleiras eletrônicas, e posso supor que as solícitas OAS e Odebrecht colocarão mais cadeados nas tuas grades. Todos viverão com patrimônios superiores ao teu. Eu morri com saudades de Barcelona, a cidade onde nasci, mas, quando os comunistas espanhóis ofereceram-me ajuda para visitá-la, queriam que eu contasse minha história. Morri em Cuba sem rever a Catalunha, e minhas cinzas foram para Moscou.
Valeu a pena? Não sei, mas garanto que, no teu lugar, eu chamaria o Ministério Público para uma conversa exploratória.
Saudações socialistas
Ramon Mercader
Temer ligou e não ligou, mas ligaria
Só o tempo dirá o tamanho do estrago imposto a Dilma Rousseff pela sua relação agreste com a verdade. Ela tinha doutorado pela Unicamp e fora presa por “delito de opinião”. Falso. Temer chegou à cadeira de Dilma com dois episódios esquisitos na caminhada. Em dezembro passado, escreveu uma carta à presidente, e seu conteúdo foi para a imprensa em poucas horas. Temer garante que o texto foi distribuído pelo comissariado do Planalto. Em abril, foi ao ar um áudio do vice-presidente oferecendo um governo de “salvação nacional”. A distribuição dessa plataforma de governo teria acontecido por engano. A verificação do episódio desmente essa versão.
Há poucos dias, saiu do Planalto a informação segundo a qual a professora Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, concordara em retornar ao cargo depois de receber um telefonema do presidente. Falso. A professora não recebeu telefonema nenhum e só reassumiu o cargo atendendo a um apelo do conselho da SBPC.
Como Helena Nader desmentiu a patranha, o Palácio corrigiu-se: Temer queria telefonar, mas desistiu.
Fica combinado assim.
A Oi no STF
A ex-SuperTele Oi convive com uma estranha estatística. Lidera a lista das empresas que vão até o Supremo Tribunal Federal em litígios que envolvem os consumidores. Batalha em 6.271 processos. Em segundo lugar, vem o banco Santander, com 2.847 casos. Tamanha diligência judicial pode explicar o fato de a Oi gastar cerca de R$ 500 milhões anuais com advogados.
Entende-se uma das razões pelas quais a Oi foi para o buraco quando se vê que desde 2011 a taxa média de sucesso em recursos apresentados ao Supremo está em 3,04%. A dos grandes litigantes contra consumidores é de 0,21%. A taxa de sucesso da Oi ficou em 0,07%.
Gula sindical
Com o afastamento do comissariado, centrais sindicais e sindicatos perderam algumas de suas generosas fontes de financiamento, e há entidades que não conseguem fechar as contas. Hoje todo brasileiro dá um dia de seu trabalho para o aparelho sindical. Milhões de trabalhadores pagam também mensalidades para sindicatos. Há anos arma-se a cobrança compulsória de uma “taxa negocial”. Com as caixas vazias, o aparelho está com pressa para aprovar mais essa tunga.
Se o governo quer fazer uma reforma trabalhista, poderia começar pela estrutura do imposto sindical e pelas contribuições que engordam sindicatos patronais e de trabalhadores.
Erro
Estava errada a informação segundo a qual a Odebrecht atrasou o pagamento de R$ 936 milhões pela outorga (leia-se aluguel) do aeroporto do Galeão. Luiz Rocha, presidente da concessionária, esclarece que a cifra correta é R$ 286 milhões.
Dá e toma
A pedido do Ministério Público, a Marinha cassou as medalhas do Mérito Naval que deu aos comissários José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha. Um decreto de 2000 determina a cassação dos crachás concedidos a pessoas condenadas pela Justiça, e em 2015 o Exército expurgara da Ordem do Mérito Militar todos os mensaleiros. Os comissários haviam sido condenados em 2012, e em muitos casos as condecorações são concedidas em função dos cargos ocupados pelo homenageado.
O dá e toma poderia ser evitado se fossem usados critérios mais duros na concessão das medalhas. Nunca é demais lembrar que em 1977 o general Silvio Frota deu a Medalha do Pacificador ao legista Harry Shibata, dois anos depois de ele ter assinado o laudo fraudulento do suicídio de Vladimir Herzog.
Tudo ficaria mais claro se o ato da cassação viesse acompanhado pelo nome do comandante militar que concedeu a honraria.
Socialismo real
No dia do aniversário da queda da Bastilha, antes do atentado de Nice, o mundo soube que o presidente socialista francês François Hollande paga (com dinheiro da Viúva) um salário equivalente a R$ 36.210 ao seu barbeiro particular. Na cabeça de Hollande há poucas ideias e pouco cabelo. É provável que o companheiro pague mais pelo seu corte que as conservadoras Angela Merkel e Theresa May. (O da Merkel era castanho-escuro e medonho.)
As duas senhoras têm penteados discretos. Já o americano Donald Trump veste uma instalação, e o novo chanceler inglês Boris Johnson tem como marca uma cabeleira de roqueiro, retocada no salão.
Você não é Ramon Mercader. Como eu, houve poucos no mundo. Matei o Leon Trotsky em 1940, passei 20 anos na cadeia e não contei o que todos sabiam: acabei com o velhote a mando do Stalin. Quando saí da prisão, você tinha 2 anos, e quando morri, em 1978, você tinha acabado de se filiar ao sindicato dos bancários de São Paulo. Eu era um velho de 65 anos, e você, um garoto de 20. Não vou tomar seu tempo contando minha história porque, se você não leu “O homem que amava cachorros”, do cubano Leonardo Padura, peça-o a sua família. O final do livro não presta, mas de resto é coisa fina, sobretudo para quem está preso.
Vaccari, eu era do aparelho de segurança soviético, você era do braço do sindicalismo bancário petista, coisas inteiramente diversas. Daqui, já percebi que você, o José Dirceu e dois diretores da Petrobras (Duque e Zelada) estão em silêncio. No seu caso, a condenação está em 15 anos e deve aumentar. Se você tiver que pagar cinco anos em regime fechado, sairá da cela em 2020, aos 62 anos. Admiro sua resistência e seu vigor ideológico, mas escrevo-lhe para dizer que são fúteis.
Na cadeia, eu sabia que tinha sido condecorado com a Ordem de Lenin. Ao sair, fui proclamado “Herói da União Soviética”. Vivi bem em Moscou e em Cuba. Você nunca será um “Herói do PT”. Sua família sofre com sua prisão, enquanto minha mãe estimulava meu silêncio. Tudo o que o PT pode lhe oferecer são algumas visitas discretas de parlamentares. Não ouvi ninguém louvar publicamente seu silêncio. Durante os 20 anos que ralei, eu sabia que no dia 1º de maio a União Soviética desfilava seus foguetes na Praça Vermelha. Graças a artes do PT (e suas), o presidente do Brasil chama-se Michel Temer, e Dilma Rousseff vai morar em Porto Alegre.
Os empreiteiros que atendiam teus pedidos disseram coisas horríveis a teu respeito. Estão no conforto de suas tornozeleiras eletrônicas, e posso supor que as solícitas OAS e Odebrecht colocarão mais cadeados nas tuas grades. Todos viverão com patrimônios superiores ao teu. Eu morri com saudades de Barcelona, a cidade onde nasci, mas, quando os comunistas espanhóis ofereceram-me ajuda para visitá-la, queriam que eu contasse minha história. Morri em Cuba sem rever a Catalunha, e minhas cinzas foram para Moscou.
Valeu a pena? Não sei, mas garanto que, no teu lugar, eu chamaria o Ministério Público para uma conversa exploratória.
Saudações socialistas
Ramon Mercader
Temer ligou e não ligou, mas ligaria
Só o tempo dirá o tamanho do estrago imposto a Dilma Rousseff pela sua relação agreste com a verdade. Ela tinha doutorado pela Unicamp e fora presa por “delito de opinião”. Falso. Temer chegou à cadeira de Dilma com dois episódios esquisitos na caminhada. Em dezembro passado, escreveu uma carta à presidente, e seu conteúdo foi para a imprensa em poucas horas. Temer garante que o texto foi distribuído pelo comissariado do Planalto. Em abril, foi ao ar um áudio do vice-presidente oferecendo um governo de “salvação nacional”. A distribuição dessa plataforma de governo teria acontecido por engano. A verificação do episódio desmente essa versão.
Há poucos dias, saiu do Planalto a informação segundo a qual a professora Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, concordara em retornar ao cargo depois de receber um telefonema do presidente. Falso. A professora não recebeu telefonema nenhum e só reassumiu o cargo atendendo a um apelo do conselho da SBPC.
Como Helena Nader desmentiu a patranha, o Palácio corrigiu-se: Temer queria telefonar, mas desistiu.
Fica combinado assim.
A Oi no STF
A ex-SuperTele Oi convive com uma estranha estatística. Lidera a lista das empresas que vão até o Supremo Tribunal Federal em litígios que envolvem os consumidores. Batalha em 6.271 processos. Em segundo lugar, vem o banco Santander, com 2.847 casos. Tamanha diligência judicial pode explicar o fato de a Oi gastar cerca de R$ 500 milhões anuais com advogados.
Entende-se uma das razões pelas quais a Oi foi para o buraco quando se vê que desde 2011 a taxa média de sucesso em recursos apresentados ao Supremo está em 3,04%. A dos grandes litigantes contra consumidores é de 0,21%. A taxa de sucesso da Oi ficou em 0,07%.
Gula sindical
Com o afastamento do comissariado, centrais sindicais e sindicatos perderam algumas de suas generosas fontes de financiamento, e há entidades que não conseguem fechar as contas. Hoje todo brasileiro dá um dia de seu trabalho para o aparelho sindical. Milhões de trabalhadores pagam também mensalidades para sindicatos. Há anos arma-se a cobrança compulsória de uma “taxa negocial”. Com as caixas vazias, o aparelho está com pressa para aprovar mais essa tunga.
Se o governo quer fazer uma reforma trabalhista, poderia começar pela estrutura do imposto sindical e pelas contribuições que engordam sindicatos patronais e de trabalhadores.
Erro
Estava errada a informação segundo a qual a Odebrecht atrasou o pagamento de R$ 936 milhões pela outorga (leia-se aluguel) do aeroporto do Galeão. Luiz Rocha, presidente da concessionária, esclarece que a cifra correta é R$ 286 milhões.
Dá e toma
A pedido do Ministério Público, a Marinha cassou as medalhas do Mérito Naval que deu aos comissários José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha. Um decreto de 2000 determina a cassação dos crachás concedidos a pessoas condenadas pela Justiça, e em 2015 o Exército expurgara da Ordem do Mérito Militar todos os mensaleiros. Os comissários haviam sido condenados em 2012, e em muitos casos as condecorações são concedidas em função dos cargos ocupados pelo homenageado.
O dá e toma poderia ser evitado se fossem usados critérios mais duros na concessão das medalhas. Nunca é demais lembrar que em 1977 o general Silvio Frota deu a Medalha do Pacificador ao legista Harry Shibata, dois anos depois de ele ter assinado o laudo fraudulento do suicídio de Vladimir Herzog.
Tudo ficaria mais claro se o ato da cassação viesse acompanhado pelo nome do comandante militar que concedeu a honraria.
Socialismo real
No dia do aniversário da queda da Bastilha, antes do atentado de Nice, o mundo soube que o presidente socialista francês François Hollande paga (com dinheiro da Viúva) um salário equivalente a R$ 36.210 ao seu barbeiro particular. Na cabeça de Hollande há poucas ideias e pouco cabelo. É provável que o companheiro pague mais pelo seu corte que as conservadoras Angela Merkel e Theresa May. (O da Merkel era castanho-escuro e medonho.)
As duas senhoras têm penteados discretos. Já o americano Donald Trump veste uma instalação, e o novo chanceler inglês Boris Johnson tem como marca uma cabeleira de roqueiro, retocada no salão.
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