Dilma foi deposta pela repulsa ao modelo criado pelo PT. A repulsa à política é a melhor chance que as esquerdas têm de voltar ao poder
Lula
será ou não candidato à Presidência da República? Se não se enroscar
com a Justiça, será. Em abril, o partido deve fazer o, vamos dizer,
lançamento da pré-candidatura. Será antes de 3 de maio, quando ele
comparece à 13ª Vara Federal de Curitiba para prestar depoimento ao juiz
Sergio Moro
no inquérito que apura repasse ilegal de recursos da OAS para a compra
do tal tríplex do Guarujá e para guardar parte do acervo de presentes
recebidos quando era presidente. Nesta terça, ele depõe na 10ª Vara
Federal de Brasília. O ex-senador Delcídio do Amaral o acusa de participar de uma operação para comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras.
Indagado se será mesmo candidato, Lula
preferiu driblar a questão. Mas atribuiu eventuais dificuldades à idade,
não ao risco de se atolar na Justiça. Afirmou que o tempo é implacável.
Mas se disse também com vontade de voltar a ter 35 anos — bem, até eu,
né? — para percorrer o país em defesa de conquistas sociais que estariam
ameaçadas pelo governo Temer. A fala já é de candidato.
A andança, de algum modo, já começou.
Nesta segunda, ele discursou na abertura do 12º congresso da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Na
próxima quarta, informa a CUT, ele estará no protesto marcado pelas
esquerdas, na Avenida Paulista, contra as reformas trabalhista e da
Previdência. No dia 19, estará em Monteiro, na Paraíba, para participar
de um evento sobre a transposição do São Francisco.
Mas, afinal, Lula será ou não candidato?
Vamos às dificuldades objetivas. Se for condenado por um tribunal de segunda instância, torna-se inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Há outras ameaças rondando o líder. Uma das delações da Odebrecht
asseguraria que ele controlava, para uso pessoal, uma parte
correspondente a R$ 23 milhões daquela conta corrente que o grupo
mantinha com o PT. É evidente que isso tudo caracteriza óbices
importantes. Há quem sonhe com a possibilidade de Sergio Moro decretar
sua prisão preventiva em razão de seu suposto controle da tal conta… Por
aí, acho pouco provável.
Ainda que não seja candidato, esteja
preso ou não, é claro que ele será um eleitor importante. E há, sim, é
inequívoco, contingências distintas e combinadas que jogam em seu favor —
ou, mais genericamente, em favor das esquerdas. Não é tão difícil
identificá-las.
Vamos lá. Enquanto Lula depõe à Justiça nesta terça, há a chance de Rodrigo Janot
divulgar a tal “lista” derivada das delações da Odebrecht. De A a Z,
haverá políticos de todas as tendências e de todos os partidos. Com a
ironia que o caso pede, diria que, com raras exceções, todos os
políticos que importam estão nela, e quem não está é porque não importa.
É evidente que as eventuais culpas de Lula começam a ser diluídas na
simulação de um mar de lama.
O depoimento de Emílio Odebrecht a Sergio Moro nesta segunda (ver texto)
foi mesmo muito eloquente, não? O caixa dois era o modelo reinante no
país, disse ele, desde quando a empresa estava sob o controle de
Norberto, seu pai. E o que valia para a sua empresa valia para as
outras. Como alertei aqui tantas vezes, de maneira praticamente solitária, a especificidade dos crimes cometidos pelo PT
está se perdendo na constatação obviamente errada de que todos são
iguais. Digamos que seja verdade que todos os partidos meteram a mão no
cofre… Ainda assim, só o PT tentou meter a mão na democracia. Digamos
que seja verdade que todos roubaram. É preciso constatar, então, que
ninguém antes havia profissionalizado esse assalto. Infelizmente, esses
aspectos foram perdendo importância, sendo substituídos pela ideia de
que todo o sistema é podre.
Há que se acrescentar ainda a reação
negativa às reformas, em especial à da Previdência. Como se não fosse o
seu partido o responsável pelo desastre que toma conta do país, Lula se
oferece para falar em nome das “conquistas”. E não se envergonha de
dizer que não pode ser o povo a pagar a conta. Ora, o povo já paga a conta, sim, da
herança maldita que seu partido deixou: maior recessão a história, 13
milhões de desempregados, renda média do trabalho no chão… As reformas,
como sabem as pessoas razoáveis, são precondições da retomada da
economia.
Alguém poderia sugerir que Lula não teria coragem de apelar aos baixios da demagogia… Pois fiquem certos de que teria, sim. Dilma foi deposta pela repulsa ao modelo
criado pelo PT. A repulsa à política é a melhor chance que as esquerdas
têm de voltar ao poder.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo
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