Cármen ignora o próprio voto e agora ataca financiamento público
A ministra, mais uma vez, disse uma inconveniência. Quanto mais malucas ou irresponsáveis são as elites, mais o povo se exalta e pede o impossível
Dia desses uma amiga me perguntou, meio
na gozação, por que eu havia passado a pegar no pé de Cármen Lúcia,
presidente do Supremo. E eu respondi, sem brincadeira: “Eu não! Ela é
que está pegando no meu pé”. E tive de explicar. Sempre que uma
personalidade importante da vida pública passa a falar e a fazer coisas
estranhas, acho que a pessoa está pegando no meu pé. No meu pé de
cidadão; no meu pé de pessoa lógica; no meu pé de indivíduo que se
preocupa, afinal, com o destino do Brasil e, sobretudo, dos brasileiros.
Mas o que foi desta vez? Ah, a
presidente do Supremo decidiu ignorar seu próprio passado ao debater
financiamento de campanhas eleitorais e fez a defesa, não cabe outra
expressão, da instauração no Brasil de uma “democracia plebiscitária”.
Só para lembrar: o país que mais fez consultas populares nos últimos 15
anos, na forma de plebiscito ou de referendo, foi a Venezuela. Digam:
aquilo está ou não está uma maravilha, coisa de fazer inveja, de encher
os olhos do vizinho?
Vamos ver.
O que disse Cármen em entrevista ao Estadão? Isto: “O
sistema brasileiro precisa mesmo ser repensado, não tenho dúvida
nenhuma. Mas a lista fechada e o financiamento [público] fazem com que
haja provavelmente pessoas que vão arvorar-se quase em donos,
proprietários de partidos”. E emendou: “Talvez seja a hora de a
gente cumprir o artigo 14 da Constituição. Afinal, o artigo 1º da
Constituição estabelece que o povo é soberano, o povo é que é titular da
soberania, logo ele é que deve decidir em última instância. O artigo 14
da Constituição de 1988 prevê esses mecanismos. Talvez já tenha passado
da hora de a gente começar a adotá-los para que o povo se manifeste”.
Com a devida vênia, são frases
irresponsáveis. Aliás, no Brasil, só dois grupos defendem com a energia a
instauração de uma “democracia plebiscitária” — que democracia não é: a
extrema esquerda doidivanas e a extrema direita amalucada. O velho que
pisa em cocô de urso na Virgínia e limpa os pés nos tapetes da impostura
filosófica é um desses fanáticos. Ele quer uma fase de consultas
plebiscitárias. O PCO, o PSOL e o PSTU também. Todos estão certos de que
ocuparão no quadro de Delacroix o lugar daquela de seios à mostra.
Todos eles se sentem “A Liberdade Guiando o Povo” (imagem).
Refrescando a memória
Vamos refrescar a memória de Cármen Lúcia e lhe cobrar responsabilidade — no sentido mesmo etimológico: ela precisa olhar para o passado, para os seus próprios votos. Se não faz isso sozinha, eu a ajudo. No fim de 2013 o Supremo decidiu votar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) movida pela OAB para declarar que o financiamento de campanha por empresas feria a Carta Magna. Houve pedido de vista, e a votação só foi concluída em setembro de 2015.
Vamos refrescar a memória de Cármen Lúcia e lhe cobrar responsabilidade — no sentido mesmo etimológico: ela precisa olhar para o passado, para os seus próprios votos. Se não faz isso sozinha, eu a ajudo. No fim de 2013 o Supremo decidiu votar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) movida pela OAB para declarar que o financiamento de campanha por empresas feria a Carta Magna. Houve pedido de vista, e a votação só foi concluída em setembro de 2015.
Ora, por 8 votos a 3, a maioria tomou
uma decisão que me parece absurda: a doação de empresas era, sim,
inconstitucional!!! Considerei à época e considero ainda hoje um
disparate. Não uma única passagem na Constituição que ao menos sugira
isso. E qual foi o principal argumento dos “proibicionistas”? Ora, a
doação de empresas feria os fundamentos da igualdade… Convenham: por
esse caminho, pode-se fazer qualquer coisa.
Apenas três ministros votaram contra a
aberração levada ao tribunal pela OAB: Celso de Mello, Gilmar Mendes e
Teori Zavascki. A imprensa, claro!, e as esquerdas abraçaram a causa.
Cármen Lúcia estava lá, votando em favor da proibição, e também daquela
vez evocando o fundamento da igualdade. Ora, quando esta senhora deu seu voto
para impedir a doação de empresas a campanhas, de onde ela imaginava que
sairia o dinheiro para financiar as eleições? A resposta é simples,
não? Se o financiamento não for privado, será público. Foi nisso que
votou a ministra. E agora vem dizer que há o risco de pessoas “ser
arvorarem em donos do partido”???
Quando votava quase na surdina, sem que
lhe dessem muita importância, Cármen Lúcia resolveu passar o espeto da
eleição para o Orçamento. E faz menos de dois anos. Uma vez na ribalta,
ela decide atacar a escolha que ela mesma fez?
Fim do Legislativo
Como é? Cármen Lúcia diz que chegou a hora de “cumprirmos o Artigo 14 da Constituição”? Eu o transcrevo abaixo e penso que somos seus fiéis cumpridores: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.”
Como é? Cármen Lúcia diz que chegou a hora de “cumprirmos o Artigo 14 da Constituição”? Eu o transcrevo abaixo e penso que somos seus fiéis cumpridores: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.”
Talvez a memória da magistrada tenha
dado uma falhada. Resta evidente que o método principal de consulta
popular está no “sufrágio universal” e no “voto direto e secreto”. Logo,
para eventual tristeza da ministra, o Congresso tem a prerrogativa, que
lhe é dada pelo povo, por intermédio da Constituição, de mudar o
sistema eleitoral. Sim, o texto fala de outras modalidades de consulta:
“plebiscito, referendo e iniciativa popular”, mas “na forma da lei”. Ou
por outra: esses mecanismos extras de consulta demandam a autorização do
Congresso.
[sem esquecer que a REFORMA CONSTITUCIONAL que a SUPREMA PRESIDENTE do Supremo Tribunal Federal pretende realizar, revogando inclusive CLÁUSULA PÉTREA, é para conceder poderes a um 'povo' que elegeu e reelegeu um Lula e uma Dilma e resultou na m ... em que o Brasil se encontra.
Aproveitamos para sugerir que no REFORMÃO CONSTITUCIONAL realizado e comandado pela presidente do STF, se revogue também aquele artigo da Constituição (também CLÁUSULA PÉTREA) que proíbe a pena de morte, a prisão perpétua, que bandido fique preso por mais de trinta anos - desculpa ministra, sabemos da defesa que a Senhora faz por melhores condições de vida para bandidos, cadeias mais confortáveis, etc, mas, o REFORMÃO tem que beneficiar o Povo. ainda que só um pouquinho.]
Ora, se as coisas são como quer Cármen
Lúcia, cumpre indagar: por que só nessa matéria se procederia a esses
mecanismos diretos? Por que não em todos os outros? A gente aproveita e
fecha o Congresso! Que tal?
Hipocrisia
Há hipocrisia para todo lado. Ministros, jornalistas, analistas e vigaristas que votaram ou se manifestaram contra a doação de empresas agora vêm se dizer escandalizados com a possibilidade do financiamento público? É mesmo? A alternativa é… ficar como está. “Ah, mas e o voto em lista?” Caros, o único formato possível, quando se tem financiamento público, é mesmo a lista.
Há hipocrisia para todo lado. Ministros, jornalistas, analistas e vigaristas que votaram ou se manifestaram contra a doação de empresas agora vêm se dizer escandalizados com a possibilidade do financiamento público? É mesmo? A alternativa é… ficar como está. “Ah, mas e o voto em lista?” Caros, o único formato possível, quando se tem financiamento público, é mesmo a lista.
Sem aprovar uma PEC (Proposta de Emenda
Constitucional), o financiamento privado não será resgatado tão cedo.
Quem vai ter a coragem de assumir a paternidade dessa emenda? A ministra, mais uma vez, disse uma
inconveniência. É claro que é ruim. Afinal, quanto mais malucas ou
irresponsáveis são as elites políticas ou de pensamento, mais o povo se
exalta e pede o impossível.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA
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