Numa semana em que quatro jovens foram mortos no Alemão, na longa
agonia que já chamam de guerra, o ex-governador Sérgio Cabral foi a
Curitiba para dizer que fez todas aquelas compras com “sobras de
campanha” e vender uma versão fantasiosa sobre a sua relação com a
Petrobras e o governo Lula. Ele acha que ao confessar o crime
considerado menor, caixa 2, vai atenuar suas penas.
Segundo o que contou na vara do juiz Sérgio Moro, ele tinha atritos
constantes com a Petrobras por discordar dos valores pagos em royalties e
participação especial. A acusação que ele foi responder é a de ter
recebido “vantagens indevidas” no Comperj, conforme disseram a Andrade
Gutierrez e Paulo Roberto Costa. Como Cabral se recusou a responder às
perguntas do juiz e do MP, foi interrogado pelo seu próprio advogado,
com questões do tipo: “qual era a relação da Petrobras com o governo do
Rio?” Cabral disse que era uma relação de “lutas e litígios” e posou de
estadista ao falar da política de Lula para o Petróleo, em 2009: — Enxergamos ali um prejuízo incalculável com a nova legislação,
primeiro para o Brasil. Para o Rio, as consequências seriam dramáticas.
Cabral quis dizer que combatera a política do governo Lula que
redividiu os royalties do petróleo com estados não produtores e mudou o
marco regulatório. Na verdade, ele jogou todas as suas fichas na amizade
estreita com o presidente. “É mais fácil o sargento Garcia prender Zorro do que o presidente não
vetar essa barbaridade contra estados produtores. Eu conheço o
presidente. Ele é o presidente mais solidário que o Rio já teve”, disse
Cabral em março de 2010. A lei foi aprovada, e depois sancionada sem
vetos pela presidente Dilma.
Mesmo que ele tivesse tido a atitude correta como governante nesse
caso específico — e não foi assim — Cabral não está sendo julgado por
ter defendido mal os interesses do Rio, mas sim pelo apego aos
interesses pessoais e inconfessáveis. Quando Cabral falou das empresas que atraiu para o Rio, ele se
empolgou e disse que seu governo conseguiu “o menor nível de desemprego
do Brasil”. Foi interrompido pelo juiz Sérgio Moro, que o advertiu:
“Mas, assim, senhor Sérgio, não é para propaganda, é para responder aos
termos da acusação.”
O incrível nesse depoimento é a falta completa de sentido. Ele foi a
Curitiba para dizer que tinha uma relação tensa com a Petrobras, que foi
um grande governador e que anteviu o fracasso da política de petróleo. A verdade é que ele teve uma relação submissa com o governo federal,
vivia exaltando o então presidente Lula, fez uma atração de empresas
para o Rio às custas de uma absurda distribuição de incentivos fiscais,
que por muitos anos vai pesar nos cofres do tesouro estadual, e iniciou o
desmonte do estado.
A tragédia do Rio é que algumas políticas iniciadas sob sua gestão
poderiam ter dado certo e funcionaram durante anos. A política de
segurança sob o comando de José Mariano Beltrame levou o Rio a
vislumbrar a realização do seu sonho de pacificar as áreas em conflito. [sonho que se revelou um pesadelo; tanto que as famosas UPP - Unidade de Polícia Pacificadora - tiveram o nome modificado para Unidade de Perigo ao Policial, a modificação foi imposta pelos fatos.
Só pessoas sem noção conseguiam defender um programa policial baseado no principio de que antes de ocupar uma favela deveria avisar aos traficantes para saírem do local - permanecendo, estavam sujeitos a prisão e apreensão das drogas.]
O
salto do 26º lugar do Ideb para o quarto lugar foi conquistado pela
mobilização das melhores forças da educação do estado sob o comando de
Wilson Risolia. Poderia ter sido o caminho da recuperação do Rio e foi o
começo da pior debacle. Na semana em que ele foi elogiar-se e contar
lorotas na 13ª Vara Federal, o Rio viu o comércio da Tijuca ser fechado
por traficantes e quatro jovens mortos, sem qualquer ligação com o
crime, apenas eram do Complexo do Alemão.
Sérgio Moro perguntou a ele como explicava aquele “perfil de
pagamentos”, com quantias fracionadas, abaixo de R$ 10 mil, ao mesmo
fornecedor de roupas de luxo para ele e sua mulher. Ele respondeu quando
a pergunta foi refeita pelo advogado e disse que “tinha o hábito de
pagar parceladamente”. Eram sucessivas parcelas nos mesmos dias e em
espécie. Ele então lançou o que pensa ser a sua tábua de salvação: o
dinheiro foi de “sobras de campanha”, disse. Depois, com ar de
arrependido: “reconheço esse erro, fato real na vida nacional.”
Se tiver sorte, Sérgio Cabral voltará para dizer o oposto do que
disse na última quinta-feira. Mas pode nem ter essa chance. E sua versão
dos fatos é descabida e despropositada.
Fonte: Blog da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário