A Justiça não pode depender de alarido. Isso não é compatível com a democracia. Lulistas e antilulistas que tenham juízo
Nem os partidários de Lula deveriam
estar em Curitiba na quarta-feira nem aqueles que torcem para que o
ex-presidente seja condenado. Justiça que se confunde com alarido,
contra o acusado ou a favor dele, é evidência de atraso institucional e
de primitivismo político. Coisa muito distinta é tomar as ruas e as
praças em favor do impeachment de um presidente ou, sei lá, contra a
corrupção. A sociedade tem o direito e o dever de expressar as suas
demandas. Nas democracias, no entanto, as instâncias da Justiça nunca
são cercadas. Por ninguém.
É claro que a mobilização do PT se
assenta numa farsa política, a saber: todas as acusações que pesam
contra o partido, contra o ex-presidente e contra as gestões petistas
fariam parte da grande arquitetura golpista, que teve como episódios,
evidentes só na cabeça dos petistas, o impeachment de Dilma e a posse de
Michel Temer. Trata-se de uma mentira escandalosa,
como atestam alguns bilhões já recuperados pela Lava Jato. Que havia uma
estrutura organizada de assalto ao estado brasileiro, bem, sobre isso,
não resta a menor dúvida. Que o PT ocupasse o centro dessa maquinaria,
eis outra evidência gritante, que só perdeu importância porque
procuradores e juízes resolveram se organizar como força política — o
que permitiu, diga-se, que o PT recuperasse em pouco tempo parte
significativa do apoio que havia perdido, especialmente entre os mais
pobres.
Assim, aqueles que pretendem marchar “a”
ou “em” Curitiba na quarta-feira, em defesa de Lula, estão ancorados
essencialmente numa mentira. Nem a Lava Jato nem o impeachment foram
peças de uma conspiração, que obedecesse a um comando. Isso é bobagem. Mas não é menos verdade que o
messianismo de procuradores e juízes está fazendo um mal imenso ao país —
o que não implica, por óbvio, negar os benefícios decorrentes da
investigação. Como sabem os leitores, desde os primeiros movimentos da
turma, critiquei certas declarações de membros do Ministério Público
Federal. Ficou evidente que eles pretendiam bem mais do que coibir o
crime e buscar a punição dos criminosos. Logo à partida, começaram a
falar em “refundar a República”.
Ora, para que se refunde, é preciso que
se destrua. E a ação determinada da Lava Jato para destruir o sistema
político, com o que tem bom e de ruim, é evidente, é escancarada. Os
procedimentos heterodoxos vão se acumulando. E um deles diz respeito
justamente à mobilização, digamos, popular. Com a devida vênia, não cabe
a procuradores e juízes convocar manifestações ou desencorajá-las. Ou
ainda expressar gratidão pelo apoio popular. [cabe a procuradores, existindo em seu entendimento motivos, solicitar ao Poder Judiciário a proibição da manifestação - não pode a Justiça determinar que cidadãos participem de uma manifestação;
de igual maneira os juízes podem, se devidamente acionados, proibir a realização de manifestação, não podendo determinar que cidadãos participem de manifestações.]
Justiça não pode se confundir com justiçamento, com linchamento, com uma disputa para ver qual lado põe mais gente na rua.
O melhor que as pessoas podem fazer, na
quarta-feira, em favor da democracia, das instituições, da normalidade
legal é cuidar de seus afazeres, de seus interesses privados. Aliás, o
próprio Moro pediu a seus partidários que evitem ir a Curitiba. Pois é…
Quantas foram as vezes, no entanto, em que o juiz e seus parceiros do
MPF disseram ou sugeriram que, sem povo da rua, a Lava Jato corre
riscos? Ora, os adversários mais radicais do petismo estão atendendo a
um chamamento, não? Mesmo no vídeo do “desconvite”, Moro faz uma
deferência à voz das ruas.
A Justiça brasileira não depende e não pode depender de quem fala mais alto.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA
Nenhum comentário:
Postar um comentário