Vem sendo notado o fenômeno da multiplicação cavalar de promotores sem qualquer noção histórica
Prezado procurador da República Ailton Benedito:
primeiramente, o “prezado” é só fórmula de cortesia. Vou me privar de adjetivos
cabeludos como os que o senhor vem usando para desqualificar quem exerce o dever
de contestar os equívocos que o senhor profere por aí. Como a postagem que
reproduzo a seguir, publicada em sua conta do Twitter, domingo passado. Eis os
125 toques de sua sentença: “Partido Nacional SOCIALISTA dos Trabalhadores
Alemães, conhecido como NAZISTA. Os próprios nazistas se declaravam
SOCIALISTAS”.
O post passa a impressão de que, após rápida pesquisa no Google, o senhor acaba de descobrir, em idade madura, a designação formal do partido nazista, e impulsivamente, cria um desses silogismos fáceis e perigosos, sem contexto, que estão na moda. Francamente.
Um homem escolarizado, com grau superior, que, paralelamente à sua atuação na PGR, reza pela direita, deveria, em respeito à História, à inteligência e à própria direita responsável, saber que, já em sua origem, nos anos 1920, tal partido, de cunho racista e populista, era formado por paramilitares que se dedicavam a combater, sobretudo, os levantes marxistas. O movimento prosseguiu no esquadro da extrema-direita nacionalista que levaria à ascensão de Adolf Hitler. Em seus escritos, o ditador fazia questão, inclusive, de associar o judaísmo internacional às doutrinas sociais que levaram à revolução soviética, irmanando antissemitismo e antiesquerdismo. Assim, inversamente ao ímpeto universalista dos regimes marxistas (antes de Stálin), destinado a unir trabalhadores de todo o mundo sem distinção de origem, o “socialismo” nazista era destinado a unir o povo alemão em torno de uma fantasia de pureza racial.
A falência posterior do comunismo, a inviabilidade da aplicação do marxismo como sistema de governo, os crimes monstruosos de Stálin etc. O cunho antiburguês e anticapitalista do nazismo (abandonado em prol da cooptação das indústrias germânicas à sua máquina de genocídio de hebreus, ciganos, negros, gays... e comunistas) era associado a teorias de conspiração na linha do Tratado dos Sábios de Sião, de que o capital judaico estaria na base da decadência da sociedade.
Seu tweet, apesar de tudo, enseja algumas lições. Vem sendo notado o fenômeno da multiplicação cavalar de promotores sem qualquer noção histórica, sem base em humanidades, sem leitura de filosofia, sem literatura. Em março de 2016, em documento conjunto, os promotores José Carlos Blat, Cássio Conserino e Fernando Henrique Araújo, do MP de São Paulo, citavam a doutrina de “Marx e Hegel” na fundamentação de processo contra Lula, caindo num ridículo colossal, independentemente do mérito do processo em si. Não estaria na hora de rever os critérios nos concursos para a magistratura e a procuradoria?
Outra lição é que se deve questionar, em plena era da pós-verdade, um sistema educacional que privilegia a ultraespecialização sem cuidar do conhecimento mais abrangente. Por conta disso, vemos, cada vez mais, médicos que não sabem nem mesmo quem foi Hipócrates, engenheiros iletrados, advogados apedeutas, arquitetos de anedota, pseudopensadores direitopatas, idealistas de esquerda com nível pré-natal e analfabetos funcionais com grau de doutor.
A última lição, prezado procurador da República, vou ilustrar com um diálogo que travei com um desses cidadãos furiosos que gostam de rotular todo pensamento voltado para o social de “esquerdopata”, reservando a uma ideia difusa de direita o status de sanidade suprema. O sujeito me lançou um desafio: “Cite um país com regime de esquerda com alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)”. Respondi que, embora a Escandinávia, campeã em IDH, por exemplo, adote muitos procedimentos francamente socialistas, além de inovações distributivas, ou que a presença do estado em políticas públicas de países como o Canadá seja notória, a tal pesquisa era desnecessária: estava claro que regimes estritamente de esquerda, fechados, planificados, totalitários, não funcionaram nem funcionarão.
(...)
ARTIGO COMPLETO em O GLOBO
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O post passa a impressão de que, após rápida pesquisa no Google, o senhor acaba de descobrir, em idade madura, a designação formal do partido nazista, e impulsivamente, cria um desses silogismos fáceis e perigosos, sem contexto, que estão na moda. Francamente.
Um homem escolarizado, com grau superior, que, paralelamente à sua atuação na PGR, reza pela direita, deveria, em respeito à História, à inteligência e à própria direita responsável, saber que, já em sua origem, nos anos 1920, tal partido, de cunho racista e populista, era formado por paramilitares que se dedicavam a combater, sobretudo, os levantes marxistas. O movimento prosseguiu no esquadro da extrema-direita nacionalista que levaria à ascensão de Adolf Hitler. Em seus escritos, o ditador fazia questão, inclusive, de associar o judaísmo internacional às doutrinas sociais que levaram à revolução soviética, irmanando antissemitismo e antiesquerdismo. Assim, inversamente ao ímpeto universalista dos regimes marxistas (antes de Stálin), destinado a unir trabalhadores de todo o mundo sem distinção de origem, o “socialismo” nazista era destinado a unir o povo alemão em torno de uma fantasia de pureza racial.
A falência posterior do comunismo, a inviabilidade da aplicação do marxismo como sistema de governo, os crimes monstruosos de Stálin etc. O cunho antiburguês e anticapitalista do nazismo (abandonado em prol da cooptação das indústrias germânicas à sua máquina de genocídio de hebreus, ciganos, negros, gays... e comunistas) era associado a teorias de conspiração na linha do Tratado dos Sábios de Sião, de que o capital judaico estaria na base da decadência da sociedade.
Seu tweet, apesar de tudo, enseja algumas lições. Vem sendo notado o fenômeno da multiplicação cavalar de promotores sem qualquer noção histórica, sem base em humanidades, sem leitura de filosofia, sem literatura. Em março de 2016, em documento conjunto, os promotores José Carlos Blat, Cássio Conserino e Fernando Henrique Araújo, do MP de São Paulo, citavam a doutrina de “Marx e Hegel” na fundamentação de processo contra Lula, caindo num ridículo colossal, independentemente do mérito do processo em si. Não estaria na hora de rever os critérios nos concursos para a magistratura e a procuradoria?
Outra lição é que se deve questionar, em plena era da pós-verdade, um sistema educacional que privilegia a ultraespecialização sem cuidar do conhecimento mais abrangente. Por conta disso, vemos, cada vez mais, médicos que não sabem nem mesmo quem foi Hipócrates, engenheiros iletrados, advogados apedeutas, arquitetos de anedota, pseudopensadores direitopatas, idealistas de esquerda com nível pré-natal e analfabetos funcionais com grau de doutor.
A última lição, prezado procurador da República, vou ilustrar com um diálogo que travei com um desses cidadãos furiosos que gostam de rotular todo pensamento voltado para o social de “esquerdopata”, reservando a uma ideia difusa de direita o status de sanidade suprema. O sujeito me lançou um desafio: “Cite um país com regime de esquerda com alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)”. Respondi que, embora a Escandinávia, campeã em IDH, por exemplo, adote muitos procedimentos francamente socialistas, além de inovações distributivas, ou que a presença do estado em políticas públicas de países como o Canadá seja notória, a tal pesquisa era desnecessária: estava claro que regimes estritamente de esquerda, fechados, planificados, totalitários, não funcionaram nem funcionarão.
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