Fachin vai esperar apuração de Janot; Cármen fala em ‘agressão inédita’
No dia seguinte à notícia de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, decidiu apurar a idoneidade do acordo de colaboração premiada da J&F, admitindo rever benefícios de delatores, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a questionar a validade das provas apresentadas pelos executivos do grupo. Ao menos dois magistrados querem que o relator dos inquéritos abertos no STF a partir da delação, Edson Fachin, leve a discussão ao plenário. A intenção é determinar o quanto antes se depoimentos e provas dos delatores podem subsidiar inquéritos — entre eles, o que mira o presidente Michel Temer.
A presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, chamou Fachin para conversar logo pela manhã e teria mostrado preocupação com o teor dos áudios, que respinga no STF quando executivos citam ministros. No fim do dia, a ministra gravou uma declaração em vídeo para defender o tribunal e comunicar que pediu à PGR e à Polícia Federal uma investigação sobre as menções feitas pelos delatores a integrantes da Corte. Segundo ela, as citações afetam a “honorabilidade” dos ministros e representam uma agressão inédita na História do Brasil.— Ontem, o procurador-geral da República veio a público relatar fatos que ele considerou gravíssimos e que envolveriam este Supremo Tribunal Federal e seus integrantes. Agride-se, de maneira inédita na História do país, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes — afirmou Cármen Lúcia. — Impõe-se, pois, com transparência absoluta, urgência, prioridade e presteza, a apuração clara, profunda e definitiva das alegações, em respeito ao direito dos cidadãos brasileiros a um Judiciário honrado — acrescentou Cármen.
Se as provas apresentadas pela JBS forem consideradas contaminadas pelas supostas irregularidades e, por consequência, anuladas, os inquéritos ficarão desidratados e terão pouca chance de prosperar. Fachin já teria manifestado vontade de julgar a questão em plenário. Mas, por enquanto, ele ainda está examinando o material. O ministro falou ontem com alguns colegas sobre o assunto. Antes de tomar qualquer providência, entretanto, Fachin vai aguardar o término das apurações da Procuradoria-Geral da República (PGR).
PGR VAI COLHER DEPOIMENTOS
Depois de ouvir os depoimentos dos delatores e do ex-procurador Marcello Miller, que teria atuado a favor dos executivos, segundo as gravações entregues pela própria JBS, a PGR vai concluir se houve ou não irregularidade no acordo de delação. Em nota ontem, Miller afirmou ter “convicção de que não cometeu qualquer crime de improbidade administrativa”. E disse estar à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos.
Na visão da PGR, quando uma delação é acertada de forma irregular, apenas os benefícios do depoente devem ser anulados, e não as provas apresentadas. Segundo um procurador que atua no caso J&F, não é possível aos investigadores examinarem provas aparentemente idôneas e, depois, ignorá-las. — Agora não podemos fingir que não vimos nada — afirmou esse procurador da República.[ é comum durante a ocorrência de um julgamento provas serem anuladas e mesmo parecendo idôneas serem desconsideradas.]
A delação premiada da J&F contém cláusulas que tratam especificamente da rescisão do acordo. Um item diz que, “em caso de rescisão por sua responsabilidade exclusiva, o colaborador perderá automaticamente direito aos benefícios que lhe forem concedidos em virtude da cooperação com o Ministério Público Federal, permanecendo hígidas e válidas todas as provas produzidas, inclusive depoimentos que houver prestado e documentos que houver apresentado, bem como válidos quaisquer valores pagos ou devidos a título de multa”. O STF teria que decidir se essa cláusula pode ser mesmo aplicada.
JOESLEY DIZ QUE MENTIU
Segundo outro item, o acordo perderá efeito “se o colaborador mentir ou omitir, total ou parcialmente, em relação a fatos ilícitos que praticou, participou ou tem conhecimento”. Essa cláusula poderia ser aplicada a Ricardo Saud, que declarou somente na semana passada manter uma conta no Paraguai. “Essa informação precisa ser aprofundada”, escreveu Janot em despacho de segunda-feira.
Na noite de terça, Fachin determinou o fim do sigilo dos áudios da conversa. Considerou que, como os próprios executivos já tinham enviado à PGR, não havia mais motivo para o material ser mantido em segredo.
Em uma nota divulgada no fim do dia, Joesley e Ricardo Saud pedem desculpas e dizem que mentiram na conversa: “Esclarecemos que as referências feitas por nós ao excelentíssimo senhor procurador-geral da República e aos excelentíssimos senhores e senhoras ministros do STF não guardam nenhuma conexão com a verdade. Não temos conhecimento de nenhum ato ilícito cometido por nenhuma dessas autoridades. O que nós falamos não é verdade, pedimos as mais sinceras desculpas por este ato desrespeitoso e vergonhoso e reiteramos o nosso mais profundo respeito aos ministros e ministras do STF, ao procurador-geral da República e a todos os membros do Ministério Público".
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