Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) não tem o firewall atualizado desde 2015, podendo sofrer até ataques cibernéticos
O
interventor federal do Rio, Walter Souza Braga Netto, terá que começar seu
trabalho arrumando o próprio bunker. O general elegeu o Centro Integrado de
Comando e Controle (CICC), na Cidade Nova, como quartel-general das tropas
federais que estão no comando da segurança do Rio, mas o espaço está decadente
— parte de seu projeto ficou no meio do caminho por falta de recursos — e até
mesmo vulnerável a hackers. Inaugurado em 2013, o centro foi utilizado em todos
os grandes eventos dos últimos anos, mas, desde 2015, por exemplo, não atualiza
seu firewall, sistema que oferece defesa contra ataques cibernéticos.
Centro
Integrado de Comando e Controle (CICC), na Cidade Nova, foi eleito o
quartel-general das tropas federais 27/02/2018 - Gabriel Paiva / Gabriel
Paiva
O projeto
original do CICC, que tem gasto anual de R$ 48 milhões, consumiu R$ 104,5
milhões de investimentos. Mas a obra, que teve pelo menos dois aditivos, além
de ter atrasado dois anos, deixou pelo caminho alguns recursos considerados
muito importantes. Faltam manutenção para o sistema de tecnologia da informação
(TI) e equipe para monitorar as 6.200 câmeras que transmitem dados para o
local. Sem pessoal, esses “olhos”, que são fundamentais para o combate ao
crime, têm seu raio de alcance limitado.
De acordo
com militares ouvidos pelo GLOBO, Braga Netto está insatisfeito com a estrutura
atual do CICC. Não foi à toa que ele ordenou um pente-fino nos investimentos na
segurança pública do estado nos últimos anos, seguindo o rastro do dinheiro
para saber como ele foi gasto. O Exército, que possui um Comando de Defesa
Cibernética, foi surpreendido ao constatar que o centro, que deveria ser
inexpugnável, não está protegido. — Quando
um computador está conectado à internet, ele se comunica com o resto da rede
através de “portas”. Há milhares de portas. Um firewall é um software que
monitora todas elas dentro de uma rede e impõe um determinado regime de
segurança — explica Lucas Teixeira, diretor de Tecnologia da Coding Rights,
consultoria em TI. — Se essa “porta corta-fogo” está desatualizada, abre-se
margem para vários tipos de ataques à rede. Um agressor pode, por exemplo,
tentar acessar sistemas internos através de programas usados para explorar uma
falha de segurança de algum software e ganhar acesso remoto às máquinas.
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O
contrato que deveria garantir a segurança da rede do CICC chegou a ser licitado
em 2015, por R$ 2,9 milhões. A empresa vencedora, Contacta Segurança Digital,
faria a atualização do sistema por 36 meses, mas o serviço nunca foi iniciado.
A Secretaria de Segurança admite que faltou verba. — O
objeto da licitação em si cuidava da proteção ao acesso da internet. Não tenho
como responder sobre como funciona a proteção aos dados sensíveis da segurança
— afirma o diretor de operações da Contacta, Antônio Gomes. — A falta de
atualização significa que as proteções estão obsoletas, não estão preparadas
para suportar ataques atuais.
Com isso,
o sistema do CICC, em tese, está vulnerável a ações conhecidas como
“espelhamento”, que é quando um hacker consegue acesso a um terminal, podendo
fazer ali um download de todas as informações do computador invadido. As contas
de e-mails utilizadas nas máquinas do CICC também ficam sob ameaça. Oscar
Castro, especialista em segurança de redes do Núcleo de Computação Eletrônica
da UFRJ, diz que chama a atenção o tempo que o software de proteção da central
de segurança está sem manutenção:
— Fico
impressionado por essa rede ainda não ter sido invadida. O firewall é o
elemento principal da segurança. O fato de não estar com o sistema atualizado
indica que a rede está totalmente vulnerável, suscetível a hackers.
Segundo o
especialista, programas espiões podem estar instalados na rede sem que seus
usuários percebam. A função do programa é, ressalta ele, “cuidar para que
nenhum tipo de tráfego estrague uma rede por entrar nela”. — A utilização de um
firewall atualizado é básica.
Procurado,
o Exército informou que “há a possibilidade de emprego do Comando de Defesa
Cibernética em ações de proteção das infraestruturas que proporcionam suporte à
intervenção federal no Rio de Janeiro. Essas ações teriam como objetivo
aumentar a resiliência e identificar possíveis ameaças cibernéticas nos ativos
de informação empregados”.
— Ao
final, as instituições estarão mais integradas e fortalecidas — afirmou o
general interventor Braga Netto.
Em nota,
a Secretaria estadual de Segurança confirmou que não foi contratada a
atualização do firewall. Mas destaca que o CICC dispõe do sistema e “outros
recursos de segurança tecnológica para prevenção contra ataques cibernéticos”,
mas não detalhou quais seriam.
O CICC é
um retrato de como investimentos em inovação no combate ao crime podem
desandar. De acordo com funcionários que conhecem por dentro a estrutura, o
problema começou em 10 de março de 2016. Foi quando a empresa de telefonia Oi
entrou com um pedido de impugnação a um pregão eletrônico, que nem chegou a ser
orçado e garantiria o pleno funcionamento do local. A licitação previa uma
série de inovações. Uma das principais era a criação de uma plataforma de
georreferenciamento de todos os veículos dos órgãos de segurança pública do
estado. O sistema permitiria que se soubesse, em intervalos de 20 segundos, a
localização em tempo real de qualquer viatura policial. Também estava no plano
o armazenamento dessas informações.
Falta de
câmeras dificulta investigações
O
monitoramento das viaturas é um detalhe que poderia fazer toda a diferença nas
investigações de casos de corrupção dentro da polícia, uma das prioridades de
Braga Netto desde que assumiu a segurança do estado. Um integrante da
corregedoria da PM poderia obter dados sobre o trajeto percorrido pelo carro de
um policial investigado ao longo de dias ou semanas. — É uma
ferramenta necessária — afirma o presidente do Instituto de Criminalística e
Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira. — Seria um grande
ato do interventor se ele conseguisse colocar isso para funcionar. E não é só
para o combate à corrupção. A partir disso, é possível também elaborar
estatísticas sobre uso de viatura, gasto de combustível e dados para a
otimização de pessoal.
Não é só
o georreferenciamento que não funciona como planejado. Parte das imagens das
6.200 câmeras que são acessadas no CICC vem de viaturas da PM. Em dezembro de
2009, após uma votação na Alerj, foi aprovada a Lei 5.588 que obrigava os
carros a terem uma câmera embarcada para monitorar a atuação dos agentes. Dois
mil kits — cada um com com duas câmeras, uma antena e uma caixa preta instalada
na mala dos veículos — chegaram a ser adquiridos, mas a própria PM admite que
pelo menos um quarto deles, cerca de 500, deixou de operar por falta de
manutenção. “Técnicos da Coordenadoria Especializada de Tecnologia da
Informação e Comunicação estão fazendo levantamento sobre quantos equipamentos
estão em pleno funcionamento. Até o momento, a estimativa é de que cerca de 500
deixaram de funcionar”, informou a PM.
Para
Robson Rodrigues, coronel da reserva da PM e pesquisador do Laboratório de
Análise da Violência da Uerj, o sucateamento dos aparelhos de ponta da
Segurança é fruto de falhas gerenciais: —
Precisávamos melhorar todo o sistema tecnológico da corporação. Ele tem
impacto, inclusive, nas tomadas de decisão.
Centro é
destino de funcionários-problema ou que querem fugir das ruas
Como se a
situação do CICC não fosse ruim o suficiente, há uma espécie de “boicote
branco” ao centro por parte da Polícia Militar. A maioria dos agentes que
monitoram as imagens geradas pelas câmeras são PMs, mas a corporação manda
menos oficiais que o necessário, e parece preferir os que, por uma razão ou
outra, são considerados funcionários-problema. De acordo com fontes ouvidas
pelo GLOBO, o local é tratado como uma “geladeira” pela corporação, como um
espécie de segunda opção à Diretoria Geral de Pessoal da PM (DGP).
A partir
da degradação do CICC e dos relatos de mortes de policiais, ele passou a ser o
local preferido por agentes que não querem se expor aos perigos da rua.
Funcionários afirmam que só durante grandes eventos o centro fica lotado. — No
monitoramento, é muito útil que seja um policial, porque ele tem expertise para
interpretar as imagens. — diz o presidente do Instituto de Criminalística e
Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira.
A Secretaria
estadual de Segurança afirmou apenas que o monitoramento é feito pela PM, e o
modelo operacional, definido pela corporação.
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